Em tempos de pandemia e surgimento de novas doenças, é importante que a população esteja protegida e com seus índices de saúde controlados. Vários estudos pelo mundo têm mostrado o papel fundamental da vitamina D na modulação da imunidade inata, sendo capaz de atacar agentes agressores de forma a impedir seu avanço e multiplicação dentro do organismo. Pensando nestas questões, Renato Leça, nutrólogo, oftalmologista, pesquisador sobre vitamina D e professor da Faculdade de Medicina do ABC, tira as principais dúvidas sobre o assunto:
O que é a Vitamina D e para que serve?
A vitamina D é um micronutriente que, entre outras funções no corpo, atua no funcionamento do sistema imunológico, auxilia na absorção de cálcio e tem papel importante no equilíbrio do açúcar no sangue – ou seja, atua como um hormônio multifuncional, já que diversas células e tecidos possuem receptores para síntese da vitamina. A deficiência dessa vitamina está comprovadamente ligada a uma série de doenças, como as doenças autoimunes, o diabetes e a osteoporose.
Eu preciso tomar vitamina D? De quanto precisamos?
Estudos mostram que 77% da população brasileira têm vitamina D abaixo de 20 ng/ml, considerado insuficiente – e níveis adequados de vitamina D são muito importantes para a manutenção da saúde. A dose ideal para cada paciente varia de acordo com seu perfil. Quando há deficiência, é possível fazer uma dose de ataque inicial mais alta para melhorar o estoque desta vitamina. Depois, são mantidas doses que podem variar de acordo com o estado de cada paciente. É importante consultar um médico para entender sua necessidade.
Existe um grupo de risco para a falta de Vitamina D?
Vivemos uma reconhecida pandemia de hipovitaminose D¹ ², comprovada cientificamente; então, todos temos que nos atentar a isso, mas especialmente idosos, gestantes, lactantes, pacientes bariátricos ou com raquitismo, osteomalácia, hiperparatireoidismo, doenças inflamatórias, doenças imunes e doença renal crônica, entre outras situações que merecem maior atenção aos níveis sanguíneos dessa vitamina no organismo. Somado a isso, os pesquisadores do Departamento de Clínica Médica da Escola de Medicina da Universidade Trinity College, em Dublin, na Irlanda, concluíram que a falta da vitamina no ponto de corte menor a 30 nmol/L deve ser revertida para evitar doenças ósseas, uma estratégia que também pode proteger a função do músculo esquelético no envelhecimento.
Qual a forma adequada para se obter bons níveis da Vitamina D?
Para que a formação da vitamina D no organismo seja adequada é necessária a exposição solar de, no mínimo, 15 minutos diários, de preferência entre 10h e 14h, momento de maior presença dos raios UV, responsáveis por ativar o metabolismo de formação da vitamina D a partir da pele, com pelo menos os braços descobertos – quanto maior a área de exposição do corpo à luz solar, melhor –, sem o uso de protetores solares, que atrapalham a ativação das vias metabólicas de formação da vitamina D.
A rotina das grandes cidades nem sempre permite a síntese de vitamina D por raios solares; contudo, é possível absorver a vitamina em alguns poucos alimentos, como peixes gordurosos, óleo de fígado de bacalhau e cogumelos secos. Leite, ovos e fígado bovino também têm a vitamina, mas em menor quantidade. Também é uma alternativa bastante interessante repor a vitamina D por meio de suplementação. Em um trabalho científico que realizamos na Faculdade de Medicina do ABC em parceria com a Unifesp, observamos que os estudantes de medicina que praticavam exercícios em quadras cobertas apresentaram níveis de vitamina D cerca de 40% menores que seus colegas que praticavam exercícios ao ar livre e, além disso, o nível médio de vitamina D do grupo da quadra mostrou-se na faixa da insuficiência, mesmo tendo uma boa alimentação – por isso a suplementação é importante.
Então existem suplementos que substituem alimentos e exposição solar?
Para aqueles casos em que a combinação de exposição solar e alimentação não é suficiente, é possível fazer uso de suplementos de vitamina D – a partir da recomendação médica –, a fim de fazer uma reposição ou até mesmo a manutenção dos índices ótimos da vitamina no organismo.
O que a deficiência de Vitamina D pode causar?
A falta dela pode aumentar o risco de problemas cardíacos, osteoporose, alguns tipos de câncer, gripes e resfriados e doenças autoimunes, como esclerose múltipla e diabetes. Em mulheres grávidas, a deficiência de vitamina D pode aumentar o risco de parto prematuro e favorecer a pré-eclâmpsia. Vários estudos já mostraram que pessoas que vivem em ambientes urbanos são mais carentes em vitamina D. Isso ocorre porque elas passam grandes períodos em locais fechados e não se expõem ao sol.
É importante estar com a vitamina D regulada durante a pandemia de coronavírus?
Um estudo italiano recente, realizado por cientistas da Universidade de Turim, aponta que os pacientes que foram infectados pelo Covid-19 apresentam baixos níveis de vitamina D. Não se trata de uma prevenção, mas de estar com o sistema imune funcionando adequadamente. Como a vitamina D tem ação imunomoduladora comprovada cientificamente, é importante manter seus níveis adequados nesse momento.
Então, a vitamina D é um apoio no tratamento da Covid-19, mas não a cura, já que ajuda na imunidade?
Sim, a vitamina D em níveis adequados certamente auxilia a manter resistência do organismo em dia. Vale salientar que, como não temos ainda anticorpos a esse vírus, a principal linha de ataque do organismo acontece pela imunidade inata, que é modulada pela vitamina D – daí sua grande importância para a defesa do nosso organismo.
A suplementação por vitamina D tem algum papel para determinar a gravidade de uma infecção pelo coronavírus?
Segundo o ex-chefe do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, Tom Frieden, a suplementação de vitamina D reduz o risco de infecções respiratórias, regula a produção de citocina e pode limitar o risco associado a outros vírus, como Influenza. Mas não se sabe ainda se a vitamina D desempenha algum papel no nível de gravidade da infecção por Covid-19. Dada à prevalência da hipovitaminose-D, ele aponta ser seguro recomendar que as pessoas tomem doses diárias da vitamina.
É difícil obter essas doses por meio apenas da exposição ao sol e da alimentação, especialmente entre alguns grupos populacionais. Hábitos modernos levam a população a passar grande parte do dia em ambientes internos (em casa, escritórios, fábricas etc.) e poucos alimentos são ricos em vitamina D.
Mais detalhes nas pesquisas abaixo:
Manson JE, Brannon PB, Rosen CJ, et al. Vitamin D deficiency- Is there really a pandemic? N Engl J Med. 2016; 375:1817-19.
Cashman KD, Dowling KG, Skrabakova Z, et al. Vitamin D deficiency in Europe: pandemic? Am J Clin Nutr. 2016; 103:1033-44.