Para a exposição Made In Brazil é Nóis, o artista Renato Gosling usa simbologias e fazeres culturais tomados como tipicamente brasileiros deslocados de seu contexto, gerando novas narrativas simbólicas e promovendo debates sobre a formação da nossa identidade – “Meu trabalho traz um olhar sobre as coisas banais e simples. Me aproprio da realidade cotidiana de hoje ou do passado e a reinvento a partir de materiais também banais, como grãos, flores e pedras”. Exibidos em fotografias, assemblages e esculturas, os ícones brasileiros reinventados carregam memórias afetivas e ativam nosso sentimento de pertencimento a este lugar e a este grupo. A partir das obras, é possível traçar uma reflexão sobre como ocorre o processo de “abrasiliamento” de um produto ou comportamento até tornar-se um paradigma daquilo que se percebe como “brasilidade”.
“A ideia de brasilidade consiste em algo que se percebe como ‘muito brasileiro’, ou seja, um fazer ou algo que carrega uma proeminência de significados que o conecta com um lugar que se convencionou a chamar de país”, afirma a curadora Caru Albuquerque. Estão na exposição ícones tanto de origem brasileira, como o chinelo da marca Havaianas, como que não são originais do país mas foram reconhecidos como parte da cultura nacional. Assim, abre-se caminho para discussões sobre a incorporação de um produto estrangeiro por nossa cultura, sendo percebido, então, como “brasileiro”. Como se dá esse o processo de tornar algo portador da iconicidade de um país é uma das questões que vem à tona. “A noção de brasilidade começou a ser formada no Modernismo, quando artistas daqui se juntaram para pensar em nas características culturais e estéticas deste território e reafirmá-las em suas obras”, diz Caru.
Um exemplo é a caixa de fósforos da empresa Fiat Lux, a mais antiga (e famosa) do Brasil. Apesar da origem sueca, ela se tornou um ícone brasileiro ao ser apropriada pelo samba e revertida em instrumento musical-símbolo estilo. Em Made In Brazil É Nóis, a caixa de fósforos (ou instrumento musical) está superdimensionada e forrada com espelhos dourados. Na imagem do reflexo, as pessoas se veem inseridas em um ambiente amarelo – uma das cores usadas na representação do país. A obra, assim, sugere que a brasilidade surge tanto de ícones que são reflexo de nossa cultura como que as pessoas se espelham nesses ícones, o que ativa o sentimento de pertencimento.
Em alguns momentos, Gosling lança mão de uma poética que se apoia na comicidade. Um exemplo são as tiras de chinelo que aparecem sozinhas, sem as solas, com um prego, como o conserto ou “gambiarra” que os brasileiros fazem quando ela arrebenta.
A obra Lembrança de… traz oito palitos de fósforo agigantados produzidos em peroba com cabeças feitas em metal. Cada um recebeu uma inscrição feita com a mesma fonte das fitas do Nosso Senhor do Bonfim, pulseira baiana de tecido que acredita-se realizar pedidos quando solta do pulso. A inscrição une expressões idiomáticas brasileiras que possuem certo atributo de comicidade, como pagar o pato ou afogar o ganso, com os dizeres do souvenir mais icônico do país formando frases como Lembrança de Pagar o Pato. “A alegria, as crendices populares, a espiritualidade, irreverência e a capacidade de rir na desgraça podem ser vistas nesta obra”, afirma a curadora.
As obras Amor, Havaianas e Nossa Senhora de Nazaré são fotografias que registram assemblages feitos pelo artista. A paçoca Amor foi recriada com pedras pintadas. Lançada em 1959, ela traz no rótulo original o nome do fabricante, Sing’s, mas na obra de Gosling lê-se Love Songs. Também recriado a partir de pedrinhas, aparece o calçadão de Copacabana alocado na palmilha de um chinelo de dedo na obra Havaianas. Já a Nossa Senhora de Nazaré tem o manto reproduzido com pétalas de rosas. Para a vestimenta da santa, as pétalas foram congeladas para possibilitar que fossem despedaçadas sem murchar. Ervilhas e açaí em pó completam os materiais.
O TÍTULO
Made In Brazil é Nóis faz referência à frase escrita em produtos exportados produzidos em território nacional, sendo ‘Brazil’ a grafia com a qual o país é conhecido além dos países de língua portuguesa. “É uma expressão usada para descrever o país visto pelos olhos do estrangeiro, um Brasil que não é o país que os brasileiros vivem diariamente, mas que se resume a estereótipos culturais e materiais que são exportados para o resto do mundo”, diz Gosling. “A expressão ‘é nóis’ é muito popular nas periferias das grandes cidades brasileiras e significa uma afirmação de uma força coletiva”, finaliza o artista.
COVID-19
Respeitando todos os protocolos de vigilância sanitária no estado, o vernissage terá um formato inovador, como período de realização de uma semana. O artista e a curadora receberão o público em 3 horários diferentes por dia. Os interessados devem agendar previamente a visita, pois serão recebidas 4 pessoas no máximo por horário. Com uso de álcool em gel e auferindo a temperatura dos convidados, todos deverão usar máscaras e não permanecerão no recinto por mais de uma hora.
Sobre o artista
Renato Gosling, 44, é um artista paulista que trocou a carreira de administrador de empresas pela de artista. Multidisciplinar e autodidata, sua observação da vida mundana gera obras que ressignificam os ícones. A partir dessa interpretação do cotidiano, Gosling altera o sentido e o lugar original das coisas, criando novas narrativas e deflagra questões sobre nossa maneira de lidar com o que nos rodeia. O artista possui trabalhos em coleções dos Estados Unidos e Suíça.
Sobre Caru Albuquerque
Caru Albuquerque é uma curadora brasileira baseada em Nova York com 20 anos de carreira, mestre em Semiótica da Cultura e pós graduada em Comunicação e Semiótica. Caru fez exposições no Mube, Oca, Fiesp-Sesi e Caixa Cultural RJ, dentre outros espaços.
Serviço:
Vernissage estendida
De: 12 a 19 de novembro de 2020 em horário a agendar
Horário previamente agendado no link http://bityli.com/RmxXG ou no site www.renatogosling.com.br
Local: No atelier do artista Renato Gosling, na Rua Belini, 126 – Alto de Pinheiros –São Paulo/SP
Período expositivo: de 21 de novembro a 31 de janeiro de 2021.