Depois de oito meses de crise sanitária, os profissionais da área da assistência social continuam sem suporte e condições adequadas para realizarem seu trabalho. Diretamente envolvidos no enfrentamento da pandemia, ao atender grupos tradicionalmente mais vulneráveis e afetados pela crise — como famílias em situação de pobreza, mulheres vítimas de violência doméstica, idosos e LGBTI+ –, eles relatam a falta de testes, de treinamento e de equipamentos de proteção individual (EPI). Como consequência, 78% tiveram impactos negativos na saúde mental.
Esse é o cenário retratado pela terceira fase da pesquisa A pandemia de Covid-19 e os (as) profissionais da assistência social no Brasil, realizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB FGV-Eaesp) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Os resultados foram divulgados na terça (24).
Para mostrar os impactos da Covid-19 no trabalho e na qualidade de vida desses profissionais, foi aplicado um survey online entre 15 de setembro e 15 de outubro de 2020 com 53 perguntas de múltipla escolha e abertas. Elas foram respondidas por 612 profissionais, entre assistentes sociais, psicólogos, orientadores e educadores sociais, além dos que atuam na gestão desses serviços, de todos os estados brasileiros. Nesta terceira rodada da survey, foram incluídas novas perguntas sobre expectativas futuras, gênero e raça para compreender melhor os impactos da Covid-19 na vida de mulheres, populações LBGTI+ e outros grupos minoritários.
A comparação das três rodadas da pesquisa (abril, julho e outubro) revela que a situação é muito estável e precária. Os únicos indicadores com alguma melhora são acesso a EPI (aumentou de 38,5% para 60,6%) e treinamento (aumentou de 13% para 22,8%). Mas os indicadores de medo, sensação de preparo, acesso a testes e saúde mental permanecem ruins. “O cenário mostra um avanço muito pequeno nesses oito meses de pandemia, o que é uma situação muito triste para esses profissionais. Aqueles que cuidam da população mais vulnerável não estão sendo devidamente cuidados e protegidos pelo Estado”, afirma Giordano Magri, um dos coordenadores da pesquisa.
No que se refere às condições de trabalho, a pesquisa revelou que 63,8% dos entrevistados não receberam testagem em nenhum momento da pandemia, sendo que apenas 6,1% foram testados de forma contínua durante esse período. O treinamento para lidar com a crise não foi fornecido a 77,7% desses profissionais — entre assistentes sociais, esse percentual chega a 81,7% e, na região Norte, a 95%. Equipamentos de proteção individual (EPI) não chegaram a 39,4% dos profissionais em nenhum momento. Sobre o medo de contaminação, 86,6% dizem ter esse temor (índice que alcança 100% entre os respondentes da região Centro-Oeste) e 71,4% afirmam não se sentir preparados para lidar com a situação de crise, porcentagem ainda alta se considerado o prolongamento da crise sanitária.
A porcentagem de profissionais que afirmam que a saúde mental foi abalada pela pandemia também sofreu um leve aumento com relação à segunda rodada do estudo, passando de 74% para 78%. Apesar desse quadro crítico, apenas 20% dos respondentes disseram ter recebido algum apoio nesse sentido. Emoções como medo, empatia, estresse e cansaço são prevalentes entre os entrevistados e motivadas pela possibilidade de infectar colegas, o aumento da disseminação do vírus, a possibilidade de se infectar, as incertezas, a exaustão psicológica, a falta de ação dos governos e a sobrecarga de trabalho. Mais de um quarto dos entrevistados afirmam, ainda, ter sofrido assédio moral no trabalho durante a pandemia — um aumento de 5% em comparação com a rodada anterior. Em relação às perspectivas para os próximos meses, 85% dos profissionais de assistência social têm uma visão negativa, atrelada ao caráter estressante do trabalho na pandemia, às incertezas, inseguranças, medos e tensões causados pelo coronavírus.
No que diz respeito ao suporte governamental, mais da metade dos entrevistados diz não receber esse apoio nas esferas municipal (50,7%) e estadual (57,6%), chegando a 80,4% no nível federal. “Esses dados mostram como temos profissionais atuando na linha de frente da assistência em condições muito vulneráveis. Eles estão sem acesso a recursos, sem apoio, sem treinamento e sem suporte governamental durante todo esse período. A consequência é que este profissional está em sofrimento, sente medo, estresse e ansiedade e tem sua saúde mental abalada”, afirma Gabriela Lotta, uma das coordenadoras da pesquisa.
(Fonte: Agência Bori)