Como estimular o gosto pela literatura em crianças, ainda mais numa era em que as ferramentas tecnológicas oferecem tantas atrações e distrações? A psicóloga e consultora educacional Carla Jarlicht realiza no próximo dia 10 de dezembro, às 18h, um encontro virtual gratuito sobre como despertar o interesse pela leitura, tendo em vista a escolha de títulos que, por sua qualidade literária, podem ajudar a seduzir novos leitores. “De forma dinâmica, clara e com muitas sugestões, faremos uma introdução sobre a qualidade em livros para crianças e a formação do leitor com gosto pela literatura. Quando o educador conhece com mais profundidade o que a literatura para crianças tem a oferecer, ele consegue encontrar maneiras mais criativas, instigantes e sensíveis de engajar a meninada na leitura”, explica Jarlicht, especialista em Literatura para Crianças (UFRJ) e Mestre em Educação (PUC-RJ).
A inscrição pode ser feita por meio do link https://www.sympla.com.br/literatura-para-criancas-o-que-e-preciso-para-escolher-livros-interessantes__1065217?fbclid=IwAR2fmyivirW8wVmXaoBmGhaG5bi1zeIN2YlviZltU6YyV_JZ4wxx4siL9PY. Abaixo, segue entrevista em que Carla Jarlicht fala sobre a importância de estimular a leitura entre as crianças e o papel central que pais e professores têm neste processo.
Existe alguma fórmula para despertar o interesse da leitura em qualquer criança ou isso varia de caso a caso?
Não há fórmula. Há formas, as mais variadas, de sensibilizar e instigar as crianças para a leitura. Há infinitas formas, porque variadas são as pessoas, seus gostos, interesses e disponibilidades. Porém, há que se ter paciência, resiliência e um interesse genuíno para descobrir o que o outro gosta ou ainda descobrir junto com o outro. Nesse trabalho olho no olho é preciso ouvir a criança, coisa que o adulto não tem por costume. Para despertar o interesse pela leitura, é importante também experimentar diferentes tipos de livros, diferentes enredos, projetos gráficos e ilustrações; conhecer diferentes escritores e ilustradores. Podem-se combinar mais idas aos espaços que convidem à leitura, como bibliotecas e livrarias ou ainda o teatro e cinema, que possibilitam outros desdobramentos. Pode-se começar pelos clássicos ou pelos contemporâneos ou por aquele que já foi adaptado para filme ou virou jogo, não importa. O que faz a diferença é ir buscando conexões com a criança de forma interessada e fazendo da leitura um momento de aconchego, de troca de experiências.
Qual a importância dos pais e dos professores na transformação da criança em parte do público leitor?
É inegável que pais e professores têm um papel bastante importante, tanto como exemplos quanto como provocadores. Digo isso porque talvez não adiante muito os pais dizerem que ler é bom ou importante se a criança não os vê em nenhum momento lendo, se aquela atividade não faz parte da rotina. Então, se a leitura faz parte da vida da família, ou seja, se a leitura é considerada e vivida como um valor, há mais chance da criança ficar curiosa, encantar-se por leitura e tornar-se leitor. É fundamental que o discurso esteja alinhado com a prática porque a criança não é tola.
O mesmo vale para o professor. Por mais desafiadora que seja a rotina da sala de aula (e ela é muito) é fundamental que a leitura ocupe um lugar nobre no dia; não pode ser limitada aos minutos finais da aula. E por leitura aqui falo dos livros literários, porque todos os outros tipos de texto já estão, em alguma medida, presentes em qualquer planejamento. É importante também que o professor seja leitor, que essa atividade faça parte da sua vida e que traga para os alunos propostas instigantes.
Vale dizer que pais e professores têm a grande vantagem de conhecer a criança, seus gostos e interesses, o que pode facilitar muito na hora de apresentar algum livro e estimular o engajamento da criança.
Atualmente e muito por causa das restrições de convívio, jogos eletrônicos, celulares e TV são as principais companhias das crianças em casa. Há espaço para os livros? É necessário estipular regras e horários para o equilíbrio entre eletrônicos e leitura?
É preciso observar a qualidade e da quantidade dessa exposição das crianças às telas e também avaliar a relação que as crianças estabelecem com elas. Sobre esse tema, a Sociedade Brasileira de Pediatria já se posicionou, alertando veementemente quanto ao uso dos eletrônicos pelas crianças e fez recomendações importantes. É preciso dosar sim e diversificar as atividades em casa (e na natureza, quando puder), oferecendo às crianças outras alternativas, principalmente nesse momento em que estamos mais restritos.
Em qualquer tempo, a leitura é uma atividade lúdica espetacular, pois oferece à criança a possibilidade de elaborar suas questões, articulando a narrativa com seus próprios conteúdos internos e, assim, ressignificar o mundo. Por conta disso, a leitura também ajuda a criança a modular o estresse, aspecto que, no contexto atual, é bastante relevante.
No entanto, mesmo entendendo que há espaço para tanto para eletrônicos quanto para os livros, é preciso sim que o adulto ajude a criança a organizar a sua rotina, encontrando equilíbrio entre suas atividades e estabelecendo prioridades juntos. Convém lembrar que os joguinhos eletrônicos não costumam prescindir de mediação, ao passo que o livro, muitas vezes, sim. E isso é muito bacana. O que pode parecer uma desvantagem, na verdade podemos encarar como uma grande oportunidade, um convite ao encontro. É isso que a leitura provoca, encontros do leitor consigo mesmo e com o outro e assim, a possibilidade de aproximação e estreitamento de laços – o que vale cada minuto desse investimento, principalmente, quando falamos da relação entre pais e filhos.
Há uma idade limite para a iniciação à leitura? A criança que passou a primeira infância sem ler ou lendo pouco pode ser resgatada?
Limite é uma palavra que não combina com leitura. Claro que podemos e devemos estimular a leitura das crianças desde o começo da vida, desde bebês. Aliás, esse é um nicho da literatura para bebês tem crescido bastante. Os pequenos têm muita curiosidade, gostam da interação com o livro (e com aquele que lê com ele, claro), estão atentos às imagens, aos ritmos das palavras, ávidos por esse mundo que estão conhecendo. Portanto, é para investir nisso sim (e já existe muita produção de qualidade disponível), pois a criança vai se familiarizando com a leitura desde cedo e essa atividade vai se constituindo como algo prazeroso, acolhedor e orgânico. Mas se por acaso a criança não apresenta pela leitura um grande interesse, isso não é razão para o adulto desmobilizar ou desinvestir seus esforços; muito pelo contrário. Como disse antes, formar leitores é um processo que se dá com convites persistentes e interessados, oferecendo-se diferentes opções para que a criança possa ir descobrindo o que gosta, o que não gosta, para ir tomando gosto. E há de tudo. Às vezes, a criança lia bastante durante uma fase da vida e, depois, deixa a leitura um pouco de lado; outras vezes, a pessoa desperta para a leitura assim como que de repente, na adolescência, porque assistiu um filme e quis ler o livro e acabou fascinada pelo escritor – muitas são as possibilidades. E, mais uma vez, não há regras e, muito menos, finais irreversíveis. Como educadores, precisamos nos questionar e ter um olhar e uma escuta mais atentos para poder fazer convites mais certeiros.