A pandemia tem afetado de diferentes maneiras profissionais de saúde de todo o país que estão na linha de frente do combate à Covid-19 — e, nesse grupo, as mulheres negras têm sido as mais afetadas. Pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV Eaesp) mostra que são elas que mais sofrem assédio moral, sentem-se menos preparadas para exercer suas funções e têm a saúde mental mais afetada pela crise sanitária. O relatório do estudo, feito em parceria com a Fiocruz e com a Rede Covid-19 Humanidades, será publicado na quarta (16).
Os dados fazem parte de um survey online sobre impactos da pandemia realizado entre os dias 15 de setembro e 15 de outubro com profissionais de saúde de todo o país — como médicos, profissionais de enfermagem e agentes comunitários. Foram analisadas as respostas de 1.264 respondentes, que traziam informações sobre gênero e raça (de um total de 1.520 profissionais de saúde entrevistados).
Os dados evidenciam maior vulnerabilidade das mulheres negras. No outro extremo, os homens brancos têm os menores índices de impacto da pandemia. Elas são as que mais demonstram medo de contaminação pelo novo coronavírus (84,2% contra 69,7% para os homens brancos), sensação de despreparo para lidar com a crise (58,7% em comparação a 33,5%, dos homens brancos) e declaram ter sofrido mais assédio moral durante a pandemia (38%, em comparação a 25% dos homens brancos). Também são menos testadas (26%) e têm menos suporte de supervisores (54% contra 69%).
Em alguns aspectos, homens e mulheres declarados amarelos, indígenas, transexuais e não binários é ainda mais crítica do que a das mulheres negras. Nesse grupo, apenas 40,3% recebeu treinamento — contra 44% no caso de mulheres negras e 58,7% dos homens brancos. “Os dados evidenciam como, embora todos os profissionais estejam sujeitos a condições ruins, alguns estão em situação pior. E isso reforça desigualdades estruturais vinculadas à raça, ao gênero e à renda, já que as mulheres negras em geral estão em profissões menos valorizadas, como de agentes comunitárias de saúde”, aponta Gabriela Lotta, da FGV Eaesp, uma das coordenadoras da pesquisa.
No que diz respeito à saúde mental durante a crise sanitária, as mulheres (brancas e negras), em geral, declaram-se mais suscetíveis às emoções negativas do que os homens: 83% delas disseram que sua saúde mental foi impactada durante a pandemia frente a 69% deles. Entre amarelos, indígenas, mulheres ou homens transexuais e não binários, essa porcentagem foi a 89% — evidenciando piora desproporcional não só nas condições de trabalho, como visto acima, mas também nas condições emocionais desses profissionais. “Sabemos o impacto da pandemia nas práticas e vivências de profissionais de saúde. No entanto, há poucos estudos que olham para as questões de gênero e raça dessas dinâmicas”, comenta Denise Pimenta, pesquisadora da Fiocruz e parceira da pesquisa.
A especialista lembra que, no Brasil, as mulheres representam quase 70% do total de profissionais no setor — portanto, falar “dos” profissionais de saúde é tratar essencialmente das mulheres profissionais. “Precisamos produzir dados e análises para melhor compreender a situação das mulheres negras, suas condições físicas e emocionais nesse quase um ano de pandemia.”
Os resultados são frutos de uma amostra coletada a partir de respostas voluntárias ao questionário – o que não permite fazer generalizações para todo o universo de profissionais de saúde do país. O trabalho integra a terceira rodada de entrevistas sobre impactos da pandemia nos profissionais da saúde pública do Brasil, que teve resultados gerais apresentados em novembro. As edições anteriores foram publicadas em maio e em julho.
(Fonte: Agência Bori)