“O gay idoso é mais solitário. Os heterossexuais ficam mais tempo casados; têm filhos e netos. Nós somos mais sozinhos. Sobre a idade, sofro mais preconceito por ser idoso do que pela homossexualidade”, afirmou José Victor, empreendedor, criador da Blue Space, em uma entrevista concedida em 2018 ao programa Chá dos Cinco. Como pesquisadora de Longevidade e Economia Prateada, estou sempre alerta a temas que permeiam o universo do envelhecimento populacional, sobretudo, os que envolvem análises de comportamentos sociais. E esse depoimento dá margem para muitas reflexões relevantes para o país.
Há anos tenho pensado sobre as velhices ignoradas. Quando analisamos o Brasil, vemos que o ageísmo – preconceito baseado na idade e que atinge, especialmente, os 60+ – tem comprometido a qualidade de vida, a saúde (física e mental), a empregabilidade e as políticas públicas voltadas aos maduros. Temos um contingente considerável de excluídos pela nossa fixação, como sociedade, pela juventude. Enquanto gastamos um tempo precioso de vida e de planejamento, falando sobre os Millennials, o mundo envelhece. E, nesse contexto, há os que são ainda mais prejudicados por essa miopia social. Estou falando dos LGBTQIA+.
Hoje, a população LGBTQIA+ reúne 3,1 milhões de brasileiros sessentões. Muitos, inclusive, vivem o que chamam de “a volta para o armário”. Depois de lutarem arduamente por direitos e serem aceitos na sociedade, ao envelhecer, esses indivíduos precisam se calar. Para se ter uma ideia da gravidade da situação, existem residenciais que não os aceitam; há famílias que os abandonam e serviços públicos que não os entendem. O criador da série Corpos que Resistem, Yuri Fernandes afirma, em entrevista à Folha de S. Paulo, que as gerações mais novas tendem a se afastar. “A juventude, tão cultuada, coloca a população idosa à margem dos círculos sociais. Ironia. Logo o grupo pioneiro na luta pelos direitos LGBT+ no Brasil e que, justamente por estar focado na própria sobrevivência, pouco pode pensar no futuro. Viveram uma ditadura. E, hoje, vivem outra velada”.
Em contrapartida, há os que saem do armário justamente na maturidade. A inglesa Barbara Hosking é um desses casos. Ela decidiu assumir a homossexualidade aos 91 anos. Funcionária pública durante décadas, ela viveu os tempos do conservadorismo e optou por se esconder; por viver uma vida que não era a dela para não sofrer ainda mais. O exemplo que oferece ao mundo, hoje, é extremamente poderoso e corajoso. Isso porque o idoso LGBTQIA+ sofre um duplo preconceito: são vistos como imorais e incapazes de realizar tarefas pela sociedade conservadora. Sofrer com esse preconceito é devastador de diferentes maneiras – o impacto é direto na saúde física e emocional. A solidão é a companheira de muitos diante desse cenário.
Ressalto que os homossexuais idosos estão assimilando crenças sociais negativas causadas pela opressão de desvalorização da sociedade. Em um momento de profundo questionamento social, temos o dever de repensar esses mecanismos de exclusão. Espero, em 2021, que a Hype50+ – empresa que fundei – possa trazer para o centro do debate as velhices excluídas, assim como outros atores do ecossistema. Como cidadã, espero pessoalmente contribuir para um debate propositivo que aponte caminhos inovadores e luminosos para uma nova geração de idosos LGBTQIA+ que vai surgir. A longevidade é para todos.
Layla Vallias | eleita, em 2020, pela Forbes Under 30 como uma das jovens brasileiras mais influentes com menos de 30 anos – é cofundadora do Hype50+, consultoria de marketing especializada no consumidor sênior e da Janno – startup agetech que tem como missão apoiar brasileiros 50+ em seu novo plano de vida. Foi coordenadora do Tsunami60+, maior estudo sobre Economia Prateada e Raio-X do público maduro no Brasil e diretora do Aging2.0 São Paulo, organização de apoio a empreendedores com soluções para o envelhecimento em mais de 20 países. Mercadóloga de formação com especialização em marketing digital pela Universidade de Nova York, trabalhou com desenvolvimento de produto na Endeavor Brasil.