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Obra experimental entre teatro e vídeo, “Porco Solidão” aborda inquietudes e angústias dos tempos atuais

Brasil, por Kleber Patricio

Espetáculo Porco Solidão. Fotos: divulgação/Marcelo Miyagi.

Com o avanço da pandemia, o meio digital passou a acolher as mais diversas manifestações artísticas, impactando significativamente no fazer artístico e também no formato das produções, além de possibilitar novos estilos de criação. É neste contexto que nasce a obra Porco Solidão: uma montagem criada exclusivamente para a internet, que transita entre o teatro, a performance, o vídeo e a possibilidade de interação com o espectador. A temporada de estreia da montagem, criada pelos artistas Aline Andrade, Jeane Doucas, Marcelo Miyagi e Roberson Nunes, será realizada nos dias 25, 26 e 27 de fevereiro em formato digital – por meio da plataforma Streamyard.

Nesta obra, o grupo transita entre a presença ao vivo e as cenas-imagens gravadas, em um formato híbrido entre o teatro, o audiovisual e a veiculação digital, que permite a interação do público. A plataforma que será utilizada na transmissão possibilita a edição ao vivo dos acontecimentos, que se sucedem como num caleidoscópio de significados. Assim, Porco Solidão já não é mais o teatro como tal, nem cinema e nem vídeo, mas uma cooperação entre estas formas de expressão, possibilitando uma recriação e ressignificação da linguagem artística.

Linguagem e desafios artísticos | Criada exclusivamente para a internet – o que por si só já foi um grande desafio para a equipe – a montagem trata da condição transitória e solitária do ser humano frente às situações que parecem comuns, mas que revelam a estranheza e as angústias que atravessam o nosso turbulento cotidiano atual. Com essa percepção, os artistas se lançaram em uma espécie de redemoinho de ações, sentimentos e pensamentos, procurando reinventar a solidão existencial de cada um, sobretudo neste momento histórico da humanidade, marcado por uma pandemia mundial. “Nós somos da mesma geração de teatro físico. Já trabalhamos em projetos comuns desde o final dos anos 90. Diante do isolamento social, nós passamos a nos reunir virtualmente, como uma alternativa de convivência. Logo percebemos a possibilidade de trabalharmos à distância e o potencial dessa linguagem para a criação de um espetáculo virtual. Assim, o processo foi sendo criado a partir de exercícios e improvisações de ocupação dos espaços da nossa casa. Foi um período de experimentação, onde cada um dos artistas trouxe ideias e propostas durante os ensaios. Criamos vídeos, textos, realizamos pesquisas sonoras e mergulhamos nas ações cotidianas de maneira dilatada e absurda”, destaca Roberson Nunes, performer e co-criador da obra.

Partindo de indagações profundas e pessoais, os artistas e criadores deste trabalho mergulharam fundo no processo de pesquisa e construção dramatúrgica que deu origem ao espetáculo. “A peça foi construída a partir de uma dramaturgia da poética das imagens. É um trabalho que apresenta outro tipo de demanda para o ator, porque ele tem que atuar (performar), sem um público presente e, ainda, lidar com toda a operação tecnológica, já que, além das edições que fazemos, cada um de nós opera um computador e um celular”, destaca Marcelo Miyagi, que atua como criador e provocador audiovisual.

A obra é fruto da surpreendente situação a qual todos fomos acometidos. Ou seja, estarmos todos “presos” involuntariamente, por um motivo de força maior, completamente inesperado, um vultoso tormento, que nos fez voltar literalmente para dentro. Dentro de nossas próprias casas, dentro de nós. Em contato muito próximo com quem vive conosco. Ou completamente sozinho, para quem vive só. Um exagero daquilo que você mesmo é. Uma sobrecarga de trabalho remoto para muitos – situação na qual o trabalho vem para dentro de casa e não há mais distinção entre os tempos e espaços. Em outros milhões de casos, pessoas sem condições de trabalhar ou de sobreviver frente a tanta ausência. Ausência do outro. Ausência de trabalho. De dinheiro. De comida muitas vezes. Ausência de lar. Ausência de si mesmo. Ausência de sentido.

Com a ausência de tantas coisas, a obra Porco Solidão se apresenta como uma iniciativa que busca a desconstrução como proposta de se ver e ver o outro sob óticas diferentes (por vezes divergentes), reinventando o dia-a-dia. A obra busca abrir as entranhas das solidões dos performers, de modo curioso e inusitado, entre a trágica realidade e a comicidade. Como escapar? Furando um buraco na parede? Pulando pela janela? Através de uma ação inventiva e alucinatória da mente? Permitindo-se a um salto profundo nos abismos infinitos da literatura, da música, da cena, do cinema, da arte de todos os tempos? Este “espetáculo virtual” ou “teatro digital” apresenta-se ao receptor, espectador ativo, como um reflexo de identificação, a partir da possibilidade de se rir de si mesmo, sem medo do ridículo ou da revelação de nossas próprias fragilidades humanas, pois se faz importante reconhece-las e, por que não, se divertir, jogar com elas.

O próprio nome do espetáculo passou por essa relação de ressignificação e de revelação ao longo do processo. “O nome surgiu como brincadeira. É um nome que o Roberson sempre se referiu fazendo alusão à música Porto Solidão, de Jessé. Mas durante o processo, entendemos que o nome se relacionava diretamente com o que estávamos propondo: o porco como metáfora da condição animal do ser humano, encarcerado e visto como um produto, e a solidão frente às situações aparentemente comuns, mas que revelam a estranheza e os absurdos que atravessam nosso cotidiano atual”, conta a atriz e co-criadora Jeane Doucas.

Outro aspecto muito presente na apresentação é a própria tecnologia da informação, que se faz tão presente e onipotente no comportamento e nas relações humanas contemporâneas. A linguagem midiática tomou conta de tudo como a única maneira de se comunicar com o mundo. O lazer só se realiza pela tela. O trabalho pela tela. O contato com o planeta só se da pela tela. Tela do computador. Tela do celular. Tela da TV. Tela do notebook. Do Tablet.

Para a diretora e pesquisadora Aline Andrade, “a edição e a não linearidade foram os elementos mais conclusivos na elaboração do espetáculo e os limites da tela se expandiram ao propormos a interatividade com o espectador. O streamyard, aplicativo de transmissão digital, nos permite operar a alternância de telas, a simultaneidade e superposição entre imagens e o YouTube, onde o espetáculo pode ser acessado pela plataforma Sympla, possibilita a interação com a audiência através do chat de conversa. Os espectadores se confundem entre o que é ao vivo e o que é gravado, misturando os tempos reais e virtuais na experiência compartilhada”.

Toda essa proposta arrojada, tanto de temática quanto narrativa e artística, estará disponível para o público conferir ao vivo nos dias 25, 26 e 27 de fevereiro, sempre às 20 horas.

Serviço:

Temporada de estreia do espetáculo Porco Solidão

Data: 25, 26 e 27 de fevereiro

Horário: 20h

Ingressos no site:

https://beta.sympla.com.br/eventos?s=Porco+Solid%C3%A3o&tab=eventos

O acesso para as apresentações é gratuito, mas por se tratar de um espetáculo criado de forma independente, existe a possibilidade de contribuir com valores a partir de R$10 para custear a montagem.

Criação coletiva: Aline Andrade, Jeane Doucas, Marcelo Miyagi e Roberson Nunes

Duração: 45 minutos

Classificação: 14 anos

Canal PORCOSOLIDÃO do Youtube: https://www.youtube.com/channel/UC7dDv8VU0xRXj-NEwIXZzqQ.