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“Persona – Som”, trilha sonora do “Jogo das Mutações”, de Roberto Campadello, é relançada no Brasil e Europa

São Paulo, por Kleber Patricio

Fotos: divulgação.

Todos os mistérios ao redor de um dos discos mais intrigantes da música brasileira estão prestes a ser revelados. Persona – Som, a trilha sonora do Jogo das Mutações, será relançada simultaneamente no Brasil e na Europa pelos selos Discos Nada, dedicado à música experimental brasileira, e Black Sweat Records. Acompanhando a trilha completa em vinil e incluindo duas faixas bônus, também será lançada uma edição limitada de um box contendo um livreto de 24 páginas com fotos da época, poster, espelho Persona e suportes, velas e protetor. A pré-venda online já está ativa, mas a venda oficial é a partir de 8 de junho.

O Persona, como um todo, foi concebido pelo artista plástico Roberto Campadello, que nasceu na Itália, passou a infância na Venezuela e a juventude no Brasil. Um artista multimídia que foi apresentado ao I Ching em Londres. Encantado, começou a traduzi-lo para o português e, mergulhado nessa filosofia, iniciou a criação dos Steps, desenhos mágicos cujas imagens formam um baralho que servia como método alternativo de consulta ao I Ching.

Em 1973, ele montou uma instalação na XII Bienal de São Paulo onde as paredes eram espelhos dourados, semi-reflexivos, representando a divisão – ou o limite – entre o mundo material e o espiritual. A Casa Dourada, como foi batizada, apresentava o conceito: uma nave espacial “intronáutica”, tendo Campadello como capitão. O I Ching era o computador de bordo e Steps, o sistema de programação visual. No interior da instalação, Roberto ficava esperando as pessoas e, quando alguém perguntava a proposta, a resposta era: “Senta e sente”.

Foi dançando através do espelho que Roberto conheceu a cantora Carmen Flores. Eles se casaram durante a mesma Bienal, e comemoraram em cima da Oca.

Esta é a primeira reedição do disco Persona. O álbum, agora em 12 polegadas, foi remasterizado na Europa a partir das masters originais e contém duas faixas bônus. Esta reedição, lançada no Brasil como estreia da Discos Nada, vem ainda acompanhada de uma réplica do poster original e um livreto de 24 páginas repleto de imagens inéditas e recortes de artigos da época, além de textos da família de Roberto e do músico e jornalista Ayrton Mugnaini.

Como escreve Ayrton no encarte, Campadello percebia múltiplas dimensões em seus trabalhos. Ouvindo o disco, hoje, é possível visualizar e escutar muitas dessas dimensões a cada nova audição. Este é o cerne do projeto Persona, um mundo infinito e eterno de possibilidades e sensações.

A venda é pelo site da Nada Nada Discos, tendo apenas 500 cópias disponíveis. O box completo terá o valor de R$430,00 e apenas o vinil será R$140,00 (https://www.nadanadadiscos.com).

Do conceito ao lançamento | Foi dançando através do espelho que Roberto conheceu a cantora Carmen Flores. Eles se casaram durante a mesma Bienal e comemoraram em cima da Oca. Carmen relembra aquele momento mágico na vida do casal. Durante a montagem da Casa Dourada, enquanto os montadores carregavam os espelhos, Roberto percebeu que os rostos deles se misturavam e dai veio a ideia do Persona – O Jogo das Mutações.

No ano seguinte, Roberto, a convite do SESC Pompeia (ainda em seus primórdios), monta a Casa Dourada em um dos galpões da Rua Clélia. Foi lá que conheceu Luis Carlini, na época guitarrista do Tutti Frutti, banda de Rita Lee. O guitarrista, que vinha experimentando com o LSD desde os primórdios daquela década, estava retornando de sua fase mais lisérgica, psicodélica e progressiva: “Eu estava muito envolvido com a cultura hippie e a cena underground vivia um momento bem criativo. Nesse embalo, comecei a misturar sons: linhas melódicas, ruídos, câmara de eco, guitarra, despertador, violão, falas, percussão… Cheguei até a quebrar um vidro, para criar um clima”.

“A Casa Dourada” apresentava o conceito: uma nave espacial “intronáutica”, tendo Campadello como capitão. O I Ching era o computador de bordo e STEPS, o sistema de programação visual. No interior da instalação, Roberto ficava esperando as pessoas e quando alguém perguntava a proposta, a resposta era: “Senta e sente”.

Foi assim que Roberto e Carlini passaram para a criação de uma trilha sonora para o jogo Persona baseada nos oito elementos do I-Ching (Monte, Céu, Terra, Fogo, Água, Vento, Lago e Trovão).

Para a gravação, Carlini convocou seus parceiros do Tutti Frutti: o baixista Lee Marcucci e o baterista Franklin Paolillo. Roberto chamou uma trupe de intronautas para participar das gravações; entre eles, Carmen, que canta as duas músicas não instrumentais da trilha. Sem nenhum ensaio, entraram no Estúdio Mídia, destinado à locução para publicidade, e registraram um dos trabalhos mais experimentais e misteriosos já lançados no Brasil.

Persona | O Jogo das Mutações é composto pelo Espelho Persona, dois apoios, duas velas, instruções e uma trilha sonora exclusiva. Na primeira edição, a trilha vinha em uma fita cassete e apenas mil cópias foram lançadas. A segunda saiu com a capa da “mulher gato”, um poster com instruções e a trilha sonora prensada em um vinil de 10 polegadas. Com isso, algumas músicas ficaram de fora por falta de espaço e ambas as versões são bem raras.

O conceito Persona ainda rendeu outra Bienal, muitas exposições, eventos e um lendário bar/centro cultural no bairro boêmio do Bixiga, na região central de São Paulo. Roberto faleceu em 2014 e hoje o Persona compreende dois estúdios fotográficos; um em Visconde de Mauá (RJ) e outro itinerante, dentro de uma Kombi – projetos tocados por Carmen e os filhos.

Discos Nada | Sub-selo da Nada Nada Discos, projeto de Mateus Mondini, a Discos Nada é dedicada à música experimental brasileira e Persona é seu primeiro lançamento. O próximo álbum a entrar para o catálogo ainda este ano é o primeiro LP de Jocy de Oliveira, gravado em 1959. Como próximos projetos entram dois LPs do Alcides Neves, o Fragmentos da Casa de Marco Bosco, além de álbuns completos de bandas que na época foram lançados apenas em coletâneas como o Chance e o AKT (com Sandra Coutinho, das Mercenárias, e Biba Meira, do Defalla).

A Nada Nada Discos, existente desde 2009, permanece focada em lançar bandas contemporâneas como Rakta e Deafkids, assim como reeditar clássicos e discos perdidos de bandas do Punk e Pós-Punk nacional, como Mercenárias, Ratos de Porão, Fellini, Cólera, Inocentes e Replicantes.

(Com Bento Araújo)