Por Rosângela Hilário, Maria Ribeiro e Valdenia Menegon
A pobreza, no Brasil, tem um recorte de território e de raça, atingindo predominantemente mulheres negras e periféricas. Foram elas as que mais sofreram as consequências da pandemia de Covid-19, como a falta de emprego, de alimento e de condições mínimas para protegerem suas famílias do novo coronavírus. Foram elas também que conseguiram criar formas de sobrevivência à nova realidade, a partir de redes solidárias.
A pandemia da Covid-19 escancarou a desigualdade social existente no país e as distâncias existentes entre dois Brasis: o Brasil privilegiado e o Brasil invisível. De um lado, temos um Brasil alimentado, cuidado e protegido por leis e normas, que há décadas mantém privilégios como direitos para nacos da população. A elite brasileira que pertence a esse Brasil goza de vivências plenas, porque universais, e têm seus direitos garantidos, porque nasceram brancas.
Do outro lado, temos o Brasil invisível, da falta de acesso aos mínimos direitos possíveis – lugar das mulheres negras e periféricas. O número de pessoas infectadas pelo coronavírus em favelas e subúrbios não contemplados por políticas públicas — assim como territórios quilombolas, indígenas e aqueles onde se encontram pessoas em situação de rua —, só não foi maior em função do extraordinário protagonismo de mulheres negras e mulheres não brancas, pobres e periféricas. Municiadas de solidariedade e compromisso social, elas se reuniram a entidades como a Central Única das Favelas (CUFA) e a Coalização Negra por Direitos, entre outras, para impedir que o saldo letal fosse ainda maior entre vulneráveis.
As experiências de mulheres negro-brasileiras de territórios periféricos guardam importantes semelhanças com as experiências de mulheres africanas cujos relatos nos alcançam. As lições do matriarcado africano acenam para o fortalecimento de todas as pessoas vinculadas àquele determinado grupo, inclusive, reforçando a importância da escuta — ilustrada pela relação também iniciática entre pessoa jovem e pessoa anciã — como recurso para transmissão de saberes ancestrais.
É de se perguntar que espécies de saídas para conflitos instalados se podem encontrar nas narrativas das mulheres negro-brasileiras, há cinco séculos convocadas a cuidar dos seus mais novos, das suas mais velhas, da sua comunidade e de si mesmas. A partir de dimensões educativas e formativas, é possível começar a desenhar estratégias de enfrentamento às situações adversas que a nova realidade impõe.
As estratégias de enfrentamento incluem inserir temas tornados “de recorte étnico-racial” na agenda de debates públicos e, também, reconhecer práticas de sobrevivência implementadas por mulheres negras em seus territórios. São estratégias fundamentadas no cooperativismo, na solidariedade e na proteção da família comunidade.
As mulheres negro-brasileiras exercem protagonismo entre os seus e as suas não porque o perseguiram, mas por sobrevivência. Para elas – as que mais trabalham, menos dormem e mais cuidam das pessoas que esbarram – a resistência não é apenas uma escolha política; é uma estratégia de sobrevivência.
Sobre as autoras:
Rosângela Aparecida Hilário é pesquisadora da Universidade Federal de Rondônia, Líder do Grupo de Pesquisa Ativista Audre Lorde e faz parte da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas.
Maria Ribeiro é pesquisadora da Universidade São Paulo/USP e faz parte da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas.
Valdenia Menegon é pesquisadora do Instituto Valdenia Menegon e faz parte da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas.
(Fonte: Agência Bori)