Quando se fala em altas de taxas de triglicérides (TGs), a primeira preocupação que surge, geralmente, é com a saúde do coração. Porém, o excesso de gordura no sangue pode danificar outros órgãos importantes para o funcionamento do corpo, como o pâncreas. Hoje, a hipertrigliceridemia já é a terceira causa de pancreatite, representando de 1 a 4% dos casos, precedida por etiologia biliar e alcoólica. Em estágios iniciais, a inflamação no pâncreas pode ser tratada de forma clínica, mas em situações graves, necessita de monitoramento contínuo e, muitas vezes, apresenta prognósticos com altos índices de letalidade [1].
Geralmente, os principais motivos para o acúmulo de gordura no sangue são a alimentação inadequada e o excesso de peso. Entretanto, quando os resultados dos exames são muito maiores do que os valores de referência, é preciso investigar a possibilidade de uma doença rara, que afeta de uma a duas em cada milhão de pessoas no mundo [2], chamada síndrome da quilomicronemia familiar (SQF).
Normalmente, depois de ser absorvida pelo intestino e transportada no sangue, a gordura dos alimentos é decomposta com a ajuda de uma enzima chamada lipase lipoproteica. Em pessoas com SQF, essa enzima está disponível apenas em quantidades muito pequenas ou não funciona adequadamente, fazendo com que as gorduras dos alimentos não sejam metabolizadas e os TGs se acumulem no sangue [3].
Com isso, nesses pacientes, as taxas de triglicerídeos podem chegar a concentrações de até 10.000 mg/dL ou mais, quando os níveis normais não deveriam passar de 150 mg/dL [3]. Outros sinais da doença são o aparecimento de xantomas (depósitos de gordura na pele), a lipemia retinalis (aparência leitosa dos capilares da retina) e o aumento do fígado e baço [3].
Além de prejudicar os órgãos e causar manifestações físicas, como dor abdominal generalizada, fadiga e alterações gastrointestinais, entre outras [4], a SQF pode atingir também o sistema cognitivo, gerando dificuldade de concentração, perda de memória ou dificuldade para lembrar dos acontecimentos e julgamento prejudicado.
Afeta, ainda, o emocional do paciente, que tem que lidar com a incerteza constante sobre ter dores, cólicas ou pancreatite aguda, entre outros, podendo causar depressão, ansiedade e isolamento social. “Como na maioria das doenças raras, a jornada para o diagnóstico pode ser longa. Por ter os mesmos sintomas aos de outras doenças mais conhecidas, a tendência é de investigar patologias mais comuns, antes de seguir para uma investigação genética mais aprofundada”, Ana Maria Pita Lottenberg, Doutora e Mestre em Ciências dos Alimentos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP). O diagnóstico pode ser feito por meio do exame clínico ou laboratorial. No primeiro caso, o médico consegue identificar sinais como hepatomegalia, que é o aumento anormal do tamanho do fígado; depósito de gorduras na pele e, em alguns casos, na retina [5].
“Os pacientes com SQF, geralmente precisam consultar vários profissionais de saúde e fazer exames médicos laboratoriais frequentes, ao mesmo tempo em que realizam mudanças drásticas no estilo de vida, principalmente na alimentação, para conseguirem controlar os níveis de triglicerídeos”, finaliza a especialista.
SQF: saiba mais sobre essa doença rara | A SQF é uma doença genética de herança recessiva, ou seja, é necessário que tanto o pai quanto a mãe de um indivíduo afetado tenham um gene alterado; portanto, o risco de recorrência para a prole (os filhos) de pais portadores (do gene alterado) é de 25% para cada gestação do casal. Além disso, estima-se que a prevalência seja entre uma e duas em cada milhão de pessoas [3].
O diagnóstico da síndrome pode ser feito por meio do exame clínico ou laboratorial. Em um exame de sangue é possível avaliar a ausência ou deficiência da enzima LPL, assim como os níveis de triglicérides. Além disso, pode ser solicitado também um exame genético [5]. Em geral, o diagnóstico é feito tardiamente por conta dos sintomas bastante comuns e pela doença poder se manifestar em qualquer idade. Logo, é importante que a população tenha conhecimento sobre ela e fique atenta aos sinais.
Referências:
[1]Maria Clara Fajardo Lima, Allysson Lucas Martins, Aléxia Patrício Matoszko,Marcos Taveira Moura, Joaquim Ferreira de Paula3 e Carlos Augusto Marques Batista. PANCREATITE AGUDA POR HIPERTRIGLICERIDEMIA: RELATO DE UM CASO COMPLICADO. Disponível em: site
[2]Falko JM. Familial chylomicronemia syndrome: a clinical guide for endocrinologists. Endocr Pract. 2018;24(8):756-763
[3]Mohandas MK, Jemila J, Ajith Krishnan AS, George TT. Familial chylomicronemia syndrome. Indian J Pediatr. 2005 Feb;72(2):181
[4]Davidson M, Stevenson M, Hsieh A, et al. The burden of familial chylomicronemia syndrome: interim results from the IN-FOCUS study. Expert Rev Cardiovasc Ther. 2017;15(5):415‐423.
[5]Sugandhan S, Khandpur S, Sharma VK. Familial chylomicronemia syndrome. Pediatr Dermatol. 2007;24(3):323-325
(Fonte: LLYC São Paulo)