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Pesquisa descobre que resíduo tóxico do cérebro ativa neurônios e pode ser novo alvo terapêutico para doenças neurodegenerativas

Rio Grande do Sul, por Kleber Patricio

Foto: Robin Weermeijer/Unsplash.

A glicose, considerada o principal substrato para fornecimento de energia e sustentação da atividade cerebral e função neuronal, tem seu protagonismo questionado nas últimas décadas. No entanto, um passo importante para que este mecanismo fosse demonstrado in vivo (em ratos adultos) foi dado por pesquisadores de universidades francesas, em colaboração com pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os resultados estão em artigo publicado na segunda (15) na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)”. O estudo demonstra o papel fundamental desempenhado pelos astrócitos na sustentação de funções cognitivas. A descoberta coloca o lactato produzido pelos astrócitos como novo alvo terapêutico contra doenças neurodegenerativas.

O bioquímico e farmacologista Eduardo Zimmer, grantee do Instituto Serapilheira e coautor do estudo, explica que, embora inúmeras evidências tenham sido fornecidas nas últimas décadas apoiando a existência desse mecanismo de acoplamento energético, este é um tópico que segue controverso. Com a proposta de fornecer essa prova em falta, os pesquisadores diminuíram a quantidade de transportadores de lactato em astrócitos ou neurônios em uma região do cérebro de ratos adultos envolvida no reconhecimento de objetos por meio de suas vibrissas (“bigode”, que serve como órgão sensorial para os roedores).

A redução da expressão desses transportadores diminuiu os sinais de ativação detectados por meio de exame de ressonância magnética funcional nesta região do cérebro e teve impacto no comportamento dos animais. “Observamos que a capacidade dos animais de reconhecer e distinguir objetos usando suas vibrissas foi fortemente prejudicada, enquanto suas outras funções comportamentais permaneceram intactas”, explica Zimmer, que é professor adjunto do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ICBS/UFRGS).

Os dogmas no campo da neuroenergética | Desde a década de 1950, com trabalho publicado por Henry McIlwain, bioquímico especializado no sistema nervoso central, seguido de estudos do neurocientista Louis Sokoloff, a glicose tem sido reconhecida como o principal substrato energético capaz de sustentar a atividade dos neurônios e, por extensão, manter funções cognitivas, como aprendizado e memória.

Este dogma no campo da neuroenergética permaneceu indiscutível até meados dos anos 1990, quando Pierre Magistretti e Luc Pellerin mostraram evidências científicas de um mecanismo alternativo surpreendente. “Eles mostraram que os astrócitos, células cerebrais com múltiplas funções, têm a capacidade não apenas de detectar a atividade neuronal, mas também de fornecer lactato como substrato energético para manutenção dos neurônios”, conta Anne-Karine Bouzier-Sore, coautora do estudo, da Universidade de Bordeaux, França.

Outro grande avanço, comenta a bioquímica, foi a demonstração de que o lactato, até então considerado um resíduo metabólico, ou mesmo um composto potencialmente tóxico para o cérebro, poderia ser um substrato energético valioso e útil para os neurônios. A partir dessas observações surgiu o modelo da Lançadeira de Lactato do Astrócito para o Neurônio (ANLS, na sigla em inglês), que propõe que o lactato produzido pelos astrócitos seja transferido para os neurônios para sustentar sua atividade.

(Fonte: Agência Bori)