A temática de deslocamento, seja de lugares físicos ou imaginados, norteia a curadoria da nova exposição do Instituto Inhotim: a coletiva Deslocamentos, em cartaz a partir de 4 de dezembro na Galeria Fonte. A mostra reúne obras dos artistas Cerith Wyn Evans, Gordon Matta-Clark, Jorge Macchi, Laura Lima, Matheus Rocha Pitta, On Kawara, Raquel Garbelotti, Rivane Neuenschwander, Rodrigo Matheus, Rubens Mano e Sara Ramo e trata, também, de questões relativas à ocupação, ao compartilhamento e à migração em diferentes territórios.
“As mazelas e contradições do capitalismo global e o desenho geopolítico das desigualdades sociais são centrais a alguns dos trabalhos reunidos aqui. A inquietação em relação à exploração e transformação da natureza e a consequente escassez de recursos naturais, assim como a crítica ao consumismo e à obsolescência programada, conectam diferentes perspectivas dos artistas”, explica Douglas de Freitas, curador do Inhotim.
A partir da ideia de um deslocamento sensorial e também ideológico, o britânico Cerith Wyn Evans traz a instalação Cleave 02 (The Accursed Share), 2002. A obra, que foi criada para a Documenta XI de Kassel (2002), traz uma crítica ao eurocentrismo e ao imperialismo nas artes. No trabalho, trechos do livro The Accursed Shared (1949), do escritor francês Georges Bataille – autor que propôs análises socioeconômicas sobre o consumismo desenfreado – são traduzidos em código Morse, um recurso de comunicação codificada utilizado durante períodos de guerra. Os trechos são convertidos por software em padrões de acendimento de um refletor de luz, por sua vez, direcionado a um globo de espelhos.
Já na obra Conical Intersect, 1974, do artista americano Gordon Matta-Clark, há o registro histórico, testemunho de uma icônica intervenção do artista ao lado do Centre Georges Pompidou, na França, na época em construção. O trabalho faz parte da série de building cuts (cortes de edifícios), desenvolvidos pelo artista entre 1974 e 1978 e apresentado pela primeira vez na IX Bienal de Paris (1975). Trata-se de um registro audiovisual do processo de criação de uma intersecção cônica, na qual cortes tridimensionais foram feitos por Gordon ao longo de duas edificações datadas do século XVIII.
Em um segundo vídeo também exibido na mostra, Days End, 1975, Matta-Clarck ocupou um antigo galpão industrial no Píer 52, em Manhattan, com o objetivo de transformar uma propriedade privada e de acesso restrito em um espaço público. Tais ações são reflexo do pensamento presente em seus trabalhos, de romper os limites do público com o privado em prol de espaços para o bem comum.
O argentino Jorge Macchi, artista que traz em sua obra questões sociopolíticas, integra a mostra com duas pinturas. Em uma delas, American Dream, 2021, um óleo sobre tela que traz uma grande mancha escura sob o mapa-múndi, o artista reflete como, mesmo nos países mais desenvolvidos, ainda há pessoas vivendo sob a sombra da fome e da miséria.
A artista Laura Lima participa com a obra Nômades, 2007, composta 15 máscaras em acrílica, óleo sobre tela e madeira. O trabalho foi desenvolvido a partir da subversão da lógica da pintura e seus suportes tradicionais e, apesar das máscaras corresponderem a objetos a serem manuseados e utilizados, permanecem restritas a apreciação, fixadas a parede como quadros. Também de sua autoria, Puxador-paisagem (H=c/M=c), 1998 – 2021, suscita questões sobre o corpo como matéria e parte integrante da obra.
Já Matheus Rocha Pitta traz um trabalho que revela aspectos da tensão entre tempo, memória e esquecimento no contexto da experiencia urbana. Trata-se de Drive in, 2005-2006. A obra possui forte relação com o local onde foi exibida pela primeira vez: o interior do estacionamento de um dos shoppings centers mais antigos da capital fluminense, marcado por diversos sinais de abandono e decadência. O artista levou um Ford Belina 79 ao lugar que remetia à experiência de um drive-in, cinema ao ar livre onde as pessoas assistem filmes de seus automóveis, e, no interior do carro, exibiu uma série de recortes de reportagens que relatam ocorrências, por vezes inusitadas, de cavalos em ambientes urbanos. Em paralelo, o artista registrou em vídeo a presença de três cavalos levados até o mesmo estacionamento a partir de uma perspectiva que induz a sensação de estar dentro do automóvel.
Na fotografia A clareira, 2000, de Raquel Garbelotti, o visitante vai se deparar com o registro de uma clareira, espaço localizado no interior de uma mata ou floresta e caracterizado por uma vegetação menos densa. Na imagem não é possível determinar a localização, mas trata-se de um registro de Inhotim antes de se tornar um Instituto.
Em 2000, Gaberlotti foi convidada pelo empresário Bernardo Paz para conhecer a propriedade onde ele almejava criar espaços para expor sua coleção de obras de arte e o convite também incluía a realização de uma obra comissionada para o espaço. Na trajetória da artista é possível notar sua particular predileção pela questão do espaço, a atenção às suas transformações e à forma como é representado. Os registros feitos por Garbelotti em 2000 passaram então a documentar não o espaço material em si, mas o conjunto de projetos, anseios e intenções a ele associados. A obra de Gabriela traz a representação do Inhotim a partir de uma imagem que o antecede e apresenta o museu não como um território físico, mas como terreno fértil para a imaginação.
A passagem e marcação do tempo são questionamentos centrais no trabalho One Million Years, 1999, do artista japonês On Kawara. O artista transcreveu todos os algarismos correspondentes a um intervalo de dois milhões de anos em uma gravação em 4 CDs transferidas para o digital. O visitante não vê o objeto físico em que se encontram os registros temporais, mas ouve o som captado através da leitura deles.
Rivane Neuenschwander integra Deslocamentos com duas obras. Trata-se de Diários de Pangaea, 2008, obra criada para a 55ª Carnegie International na qual a artista aborda a metamorfose de Pangaea, mostrando os deslocamentos terrestres em diferentes estágios, como uma espécie de diário das transformações do planeta. Para alcançar tal efeito, Rivane usou fatias finas de carne crua para representar os contornos das massas continentais que eram então movimentadas e devoradas por uma colônia de formigas. Já em Mapa Múndi BR (postal), 2007, a artista traz fotografias clicadas por suas viagens pelo Brasil e transformadas em cartões postais. São registros de estabelecimentos comerciais que se apropriaram de nomes de países e cidades, como China, Nova York, Madri e outros. Como desdobramento, o visitante é convidado a pegar um postal pra si, subvertendo a lógica original do consumo de um cartão postal, normalmente relacionado ao desejo de guardar uma recordação de um lugar visitado.
Rodrigo Matheus exibe seis quadros, nos quais resgata a linguagem publicitária que alude aos antigos anúncios de filmes dos anos 1940. O artista parte dos letreiros, recursos visuais bastante utilizados em estabelecimentos comerciais, como bares e restaurantes, antes da difusão dos outdoors de LED e lona. Matheus fez uso desse aparato informativo para criar imagens cujos temas aludem ao universo imaginário da astronomia.
Interessado em deslocar a percepção dos indivíduos sobre o espaço urbano, por cerca de três dias Rubens Mano realizou, no final da década de 1990, uma série de intervenções efêmeras no bairro do Bom Retiro (São Paulo). Cada um dos trabalhos recebeu o nome do local onde as ações foram realizadas (calçada, porão, telhado, parede e bueiro), indicando também os percursos do artista. Na mostra, o público é convidado a observar o registro fotográfico deste último, um equipamento urbano usado para o escoamento de águas pluviais, que teve seu interior preenchido por luz artificial, evocando um conjunto de dualidades: claro e escuro, vazio e cheio, visível e invisível.
No vídeo Oceano Possível, 2002, Sara Ramo forma um oceano composto por bacias e baldes, todos em tonalidades frias. Além do barulho recorrente do choque das mãos e dos remos na água, a atmosfera do ambiente é invadida pelo ruído de um rádio, que se alterna entre sons agudos e vozes de locutores. Ao abordar o oceano como um “espaço entre”, Sara nos convida a imaginar o percurso, seus obstáculos e encontros. “Alguns artistas se interessam por formas de medir o tempo e o espaço que extrapolam a presença da vida humana no planeta, e se relacionam com períodos geológicos, revelando por contraste a pequena porção do todo ocupada por essa existência”, explica Douglas de Freitas.
A exposição foi pensada a partir do programa Território Específico, eixo de pesquisa que norteia a programação do Inhotim no biênio 2021 e 2022 e busca debater e refletir a função da arte nos territórios a níveis local e global, a relação das instituições com seu entorno e ainda mirar os desdobramentos de um museu e jardim botânico como o Inhotim.
Território Específico | Ao completar 15 anos em 2021, com 140 hectares de visitação ocupados por obras de renomados artistas contemporâneos brasileiros e internacionais e mais de 4,5 mil espécies de todos os continentes – algumas raras e ameaçadas de extinção –, o Instituto se pergunta: como a relação com o território em que está situado, o entorno de Brumadinho, as comunidades rurais e quilombolas da região e a relação com visitantes de todas as partes do mundo moldam a história, o presente e a projeção de futuro da instituição?
Esse foi o ponto de partida para escolha do eixo de pesquisa intitulado Território Específico, que norteia a programação do Inhotim no biênio de 2021 e 2022. Inspirada nos estudos do geógrafo brasileiro Milton Santos, a pesquisa traz o conceito de território a partir de suas diferentes escalas de processos e fronteiras. Segundo a tese defendida por Milton, a existência do território só é dada pela vida que o anima e por suas relações sociais na tentativa de compreender as outras relações que se dão a partir de si. “O conceito de ‘território’ é expandindo de maneira transversal para uma investigação sobre os aspectos ambientais, sociais e artísticos que acontecem dentro do Inhotim como espaço, em seu entorno e na multiplicidade de relações que a partir dele se desdobram”, explica Douglas de Freitas.
Funcionamento | O Instituto Inhotim está funcionando de quinta-feira a domingo e em feriados, com capacidade para mil visitantes por dia. A entrada é gratuita em toda última sexta-feira do mês, exceto em feriados, com o mesmo limite de público. A compra e retirada de ingresso é realizada exclusivamente online e com antecedência pela Sympla, tiqueteira oficial do Inhotim. Em função dos protocolos de saúde, vale lembrar que não está sendo feita operação de venda de entradas na bilheteria do parque.
Os protocolos de saúde estabelecidos no Inhotim, como o uso obrigatório de máscara, por funcionários e visitantes, displays de álcool em gel distribuídos pelo parque e distanciamento entre as mesas nos pontos de alimentação, seguem em vigência.
O Instituto avalia diariamente o cenário da pandemia na região e atua sempre em consonância com as decisões estabelecidas pelos órgãos de saúde. Todas as orientações sobre como chegar ao Inhotim, compra de ingressos, os protocolos adotados e regras de visitação estão disponíveis no site da instituição.
Serviço:
Deslocamentos, mostra coletiva com Cerith Wyn Evans,Gordon Matta-Clark, Jorge Macchi, Laura Lima, Matheus Rocha Pitta, On Kawara, Raquel Garbelotti, Rivane Neuenschwander, Rodrigo Matheus, Rubens Mano e Sara Ramo
Abertura: 4 de dezembro, sábado, das 9h30 às 17h30
Local: Galeria Fonte | Instituto Inhotim
Visitação: de quinta a sexta-feira, das 9h30 às 16h30; e aos sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17h30
Ingressos: R$22 (meia) e R$44 (inteira) no Sympla
Entrada gratuita na última sexta-feira de cada mês, exceto feriados, mediante retirada prévia através do Sympla
***Moradores de Brumadinho cadastrados no programa Nosso Inhotim e Amigos do Inhotim também possuem entrada franca.
(Fonte: Assessoria de Imprensa | Inhotim)