A Nara Roesler São Paulo tem o prazer de apresentar “Voarei com as asas que os urubus me deram”, primeira individual de André Griffo na galeria, com texto de Agnaldo Farias. A mostra apresenta trabalhos inéditos do artista fluminense, já conhecido por suas composições que privilegiam a representação de espaços nos quais se inserem elementos que visam questionar aspectos presentes na cultura do Brasil. Griffo apresenta também pela primeira vez, duas instalações elaboradas especialmente para a ocasião. A mostra abriu no dia 2 de abril, na ocasião da SP-Arte Weekend, integrando a programação oficial da feira, e segue em exibição até 21 de maio de 2022.
Nos últimos anos, André Griffo tem se firmado no cenário artístico pela excelência de seu trabalho pictórico, em que espaços arquitetonicamente ou socialmente intrigantes são apresentados com a presença de imagens, figuras e construções em miniatura. De fato, o artista tem entendido os espaços como lugares em que diferentes temporalidades podem se sobrepor de modo a evocar os mais diferentes elementos que compõem nossa realidade. Os espaços de Griffo acabam por se tornar verdadeiros veículos para um discurso que vê na justaposição de objetos anacrônicos uma estratégia para falar da permanência de estruturas de poder na formação do Brasil.
A partir desse processo singular, Griffo apresenta um novo corpo de trabalho, que não depende diretamente da representação arquitetônica, caracterizando-se também pelo uso de folhas de ouro e pelo entrelaçamento entre o presente e o passado, dado às referências a artistas consagrados da história da arte, tais como Michelangelo, Cranach e Van Eyck. Um exemplar dessa nova série é “Antônio agredido pelos demônios”, que faz referência a “Sant’Antonio battuto dai diavoli”, do renascentista Stefano di Giovanni (Siena, 1392–1450), também conhecido como Sasseta. O uso pouco usual que o artista faz do ouro em suas pinturas, aplicando-o sobre os rostos e partes íntimas dos demônios que agridem o santo, chamou a atenção de Griffo, que então refez a composição, incluindo, no entanto, elementos e personagens contemporâneos, aproximando, mais uma vez, diferentes tempos e nos levando a refletir sobre as provações dos santos e quais são adversidades pelas quais passamos nos dias de hoje.
Já na série “O vendedor de miniaturas”, Griffo cria composições em estações de metrô, lugares de passagem que, devido ao grande fluxo de pessoas, é escolhido por muitos vendedores informais para disporem seus produtos. Todavia, as miniaturas comercializadas pela personagem ali retratada são figuras representativas do sistema de poder territorial no Rio de Janeiro, tais como líderes religiosos, políticos, santos, milicianos e policiais, transformados em objetos que tanto evocam o sagrado, quanto o lúdico, podendo ser tomados como figuras de ação. Na ocasião da exposição, Griffo confeccionou miniaturas tridimensionais dessas personagens que serão dispostas no espaço da galeria, usando estruturas e modos de organização similares às empregadas pelos ambulantes, tais como a disposição sobre lonas e o uso de ganchos.
O artista assim, revisita um desejo inicial de criar projetos instalativos que fossem meios de reflexão e crítica sobre determinados aspectos sociais e políticos. Em “A materialização do canto da mãe da lua”, outra instalação inédita apresentada na mostra, o artista ocupa o espaço tridimensional com imagens e objetos que oferecem uma reflexão sobre mecanismos patriarcais que seguem moldando nossa sociedade. Nesse sentido, o próprio observador, tornado uma espécie de ator na cena criada pelo artista, é convidado a perceber como atua na manutenção dos costumes e princípios herdados.
“Voarei com as asas que os urubus me deram” apresenta uma síntese da pesquisa recente de André Griffo, ao mesmo tempo em que suscita reflexões sobre questões políticas e sociais atuais fazendo uso de elementos de outros períodos históricos. Ao serem conectadas, por meio das pinturas e instalações, as diferentes temporalidades podem nos auxiliar a compreender como chegamos até o momento presente.
André Griffo
A pesquisa de André Griffo é voltada para a pintura e suas relações históricas com a representação da arquitetura. Longe dos grandes discursos panfletários, o artista nos convida a dar atenção aos mínimos detalhes de suas imagens que refletem as muitas violências que dão corpo às narrativas relativas às histórias do Brasil e suas ruínas. Nesse sentido, suas telas são complexos arquivos visuais onde coexistem os mais diversos elementos, cujas relações são capazes de ressignificar e aprofundar as críticas ali presentes. O trabalho de Griffo volta-se para a crítica das estruturas de poder, em especial sobre as ficções por elas criadas para a manutenção do controle dos indivíduos. Entre elas, o artista volta-se às permanências dos efeitos da economia escravocrata na formação histórica brasileira, assim como aos mecanismos das instituições religiosas na fundação de imaginários que visam a submissão dos fiéis.
Griffo utiliza sua formação em arquitetura para elaborar espaços em que coexistem referências históricas e contemporâneas. Seus espaços, usualmente vazios, são habitados por rastros, símbolos e signos que destacam a permanência e influência do passado em problemáticas socioculturais atuais de modo fantasmático. Sua produção entrelaça o documental e o ficcional, explorando a conexão entre as disciplinas da História da Arte e da Arquitetura às questões sociais, brasileiras e mundiais. Ao sobrepor diversas temporalidades e suas complexas realidades, os trabalhos de Griffo expõem elementos constitutivos da sociedade de modo a criar relatos sobre a permanência das coisas.
André Griffo nasceu em 1979, em Barra Mansa, Brasil. Atualmente, vive e trabalha no Rio de Janeiro, Brasil. Dentre suas principais exposições individuais destacam-se “A quem devo pagar minha indulgência?”, na Galeria Athena (2019), no Rio de Janeiro, Brasil; “Objetos sobre arquitetura gasta”, no Centro Cultural São Paulo (CCSP) (2017), em São Paulo, Brasil; “Intervenções pendentes em estruturas mistas”, no Palácio das Artes (2015), em Belo Horizonte, Brasil e “Predileção pela alegoria”, na Galeria Athena (2015), no Rio de Janeiro, Brasil. Principais coletivas recentes incluem: 21ª Bienal de Arte Contemporânea SESC Vídeo Brasil (2019), em São Paulo, Brasil; “Intervenções”, no Museu da República (2016), no Rio de Janeiro, Brasil; “Ao amor do público”, no Museu de Arte do Rio (MAR) (2015), Rio de Janeiro, Brasil e “Aparições”, na Caixa Cultural (2015), no Rio de Janeiro, Brasil. Foi contemplado com uma bolsa para realizar a residência artística do Vermont Studio Center (Johnson, E.U.A.). Suas obras integram várias coleções, tais como Instituto Itaú Cultural, São Paulo, Brasil; Instituto PIPA, Rio de Janeiro, Brasil e Museu de Arte do Rio (MAR), Rio de Janeiro, Brasil.
Nara Roesler
Nara Roesler é uma das principais galerias brasileiras de arte contemporânea, representando artistas brasileiros e internacionais fundamentais que iniciaram suas carreiras na década de 1950, bem como artistas consolidados e emergentes cujas produções dialogam com as correntes apresentadas por essas figuras históricas. Fundada por Nara Roesler em 1989, a galeria tem consistentemente fomentado a prática curatorial, sem deixar de lado a mais elevada qualidade da produção artística apresentada. Isso tem sido ativamente colocado em prática por meio de um programa de exposições criterioso, criado em estreita colaboração com seus artistas; a implantação e estímulo do Roesler Curatorial Project, plataforma de iniciativas curatoriais; assim como o contínuo apoio aos artistas em mostras para além dos espaços da galeria, trabalhando com instituições e curadores. Em 2012, a galeria ampliou sua sede em São Paulo; em 2014, expandiu para o Rio de Janeiro e, em 2015, inaugurou um espaço em Nova York, dando continuidade à sua missão de oferecer a melhor plataforma para seus artistas apresentarem seus trabalhos.
André Griffo – “voarei com as asas que os urubus me deram”
Nara Roesler São Paulo
Exposição: 2 abr –21 mai, 2022.
(Fonte: Ju Vilela Press)