Na última década, a ciência vem apontando o aumento da compra de alimentos industrializados, especialmente os ultraprocessados, no Brasil e no mundo, muitas vezes com estratégias de marketing voltadas a crianças. Usualmente, esses produtos têm, entre seus ingredientes, aditivos alimentares, que são substâncias adicionadas para alterar sabor, cor, aroma e para aumentar a duração dos alimentos, entre outros fins tecnológicos. Para entender o que a ciência sabe, até o momento, sobre o consumo de aditivos por crianças e adolescentes, pesquisadoras do Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições da Universidade Federal de Santa Catarina (NUPPRE-UFSC) fizeram uma revisão sobre o tema, publicada na “Revista de Saúde Pública” na quinta-feira (28).
Para fazer o estudo, as cientistas revisaram artigos publicados a partir de 2000, além de documentos oficiais sobre o consumo de aditivos na infância e suas consequências à saúde e regulamentações acerca do uso de aditivos em alimentos industrializados. Ao todo, foram analisados mais de 30 estudos de cerca de 20 países.
A partir da revisão, as autoras registraram um possível consumo elevado de aditivos na infância — especialmente corantes. Não foi encontrado, no entanto, nenhum artigo que analisasse o consumo simultâneo de vários aditivos e cumulativo de aditivos por crianças ao longo do tempo. “É preciso avaliar o impacto que o consumo de mais de um aditivo em uma mesma refeição pode gerar à saúde”, alerta Mariana Kraemer, primeira autora do estudo. “Ao longo dos dias, indivíduos consomem porções de diversos alimentos que podem ser fontes de vários aditivos”.
Embora o uso dessas substâncias siga critérios globais definidos pelo programa Codex Alimentarius, da FAO e da OMS, há limitações na avaliação da segurança do consumo dessas substâncias: a maioria dos estudos é feita com modelos animais ou in vitro, nem sempre sendo possível extrapolar os resultados para seres humanos. “Sabe-se que as substâncias reagem de maneiras diferentes em cada organismo”, diz Rossana Proença, pesquisadora que também assina o artigo. “Além disso, existem limitações metodológicas nos estudos de avaliação de segurança, como o uso de amostras pequenas para considerar que a substância não tem efeitos tóxicos ou a não consideração da combinação de aditivos de naturezas distintas.”
Um exemplo dessa questão é citado no estudo. Um dos estudos analisados pelas cientistas apontou que conservantes dos tipos benzoatos e sorbatos, quando isolados, não apresentam efeitos tóxicos em mamíferos. Contudo, quando chegam ao estômago e entram em contato com outros aditivos, podem formar substâncias potencialmente carcinogênicas.
A ausência de dados sobre a segurança do consumo de aditivos alimentares é especialmente crítica para as crianças, visto que o limite máximo de adição dessas substâncias em cada alimento é definido por quilo de peso corporal, levando-se em conta o peso médio de adultos — e a população infantil tem peso menor. Além disso, proporcionalmente ao seu peso, as crianças bebem mais água e ingerem mais alimentos do que um adulto médio. “É importante lembrar que crianças têm mais tempo para desenvolver doenças crônicas ligadas à exposição de aditivos”, comenta Kraemer.
Para as pesquisadoras, a revisão ressalta a importância de se promover um debate técnico-científico ampliado com o objetivo de estabelecer parâmetros rigorosos de consumo e toxicidade de aditivos voltados especificamente ao público infantil. “Diante da constatação do risco à saúde dos consumidores, espera-se que sejam promovidas medidas que permitam aos consumidores identificar com clareza a adição de aditivos aos alimentos, incluindo a quantidade, de modo que possam fazer escolhas conscientes e informadas”, reflete Cecília Cury, advogada, coautora do estudo e líder do Põe no Rótulo, projeto que atua por regras mais claras para a rotulagem de alimentos. “Tendo como base o princípio constitucional da precaução, é dever do Estado promover medidas de proteção da saúde do consumidor”.
(Fonte: Agência Bori)