Um estudo publicado na quinta-feira (24) na Science mostra que o pastejo pode ter efeitos positivos nos serviços ecossistêmicos, particularmente em pastagens ricas em espécies, mas esses efeitos tornam-se negativos em um clima mais quente. A pesquisa foi liderada por pesquisadores do Dryland Ecology and Global Change Lab da Universidade de Alicante (UA) e realizado com mais de 100 instituições parceiras – dentre elas, as universidades estaduais de Feira de Santana e de Santa Cruz, na Bahia, Universidade Federal de Mato Grosso e Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA).
Essa é a primeira avaliação científica global dos impactos ecológicos do pastejo em terras secas, feita com análise de 326 terras áridas localizadas em 25 países dos seis continentes. No Brasil, a análise foi feita na Caatinga, um dos sistemas áridos com maior riqueza de espécies vegetais e temperaturas elevadas.
Os pesquisadores utilizaram protocolos padronizados para avaliar impactos no aumento da pressão de pastejo na capacidade das terras secas de fornecer serviços ecossistêmicos essenciais, como fertilidade e erosão do solo, produção de forragem/madeira e regulação do clima. “Isso nos permitiu caracterizar como os impactos do pastejo dependem do clima, do solo e das condições de biodiversidade locais e obter informações adicionais sobre o papel da biodiversidade no fornecimento de serviços ecossistêmicos essenciais para garantir a subsistência humana”, explica Fernando Maestre, que é Investigador Ilustre na UA e diretor do Laboratório de Ecologia de Terras Secas e Mudanças Globais.
As relações entre clima, condições do solo, biodiversidade e serviços ecossistêmicos variavam com a pressão do pastejo. “Os estoques de carbono diminuíram e a erosão do solo aumentou à medida que o clima se tornou mais quente sob alta pressão de pastejo, algo que não foi observado sob baixa pressão de pastejo. Esses resultados sugerem que a resposta das terras áridas às mudanças climáticas em curso pode depender de como as administramos localmente”, indica Nicolas Gross, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa para Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente (INRAE, França) e coautor do estudo.
Os impactos do aumento da pressão de pastejo mudaram de ‘preferencialmente positivos’, em terras secas mais frias com menor sazonalidade de chuvas e maior riqueza de espécies de plantas, para ‘negativos’, em terras secas mais quentes com menor diversidade de plantas e maior sazonalidade de chuvas. “Não existe um tamanho único quando se trata de pastagem em terras secas. Quaisquer efeitos do pastejo, particularmente o sobrepastejo, variam em todo o mundo, tornando importante considerar as condições locais ao manejar os animais de criação, como caprinos e bovinos e os herbívoros selvagens”, diz David Eldridge, da Universidade de New South Wales (Austrália) e coautor do estudo.
Os autores também observaram que a diversidade de plantas vasculares e de mamíferos herbívoros estava positivamente ligada ao fornecimento de serviços essenciais, como o armazenamento de carbono, que desempenha um papel fundamental na regulação do clima. “Nossos resultados destacam claramente a importância de preservar a biodiversidade das terras secas globais em sua totalidade, não apenas para conservar sua capacidade de fornecer serviços essenciais para os seres humanos, mas também para mitigar as mudanças climáticas”, aponta Yoann Pinguet, do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, França) e coautor do estudo.
O pesquisador da Universidade Estadual de Santa Cruz e coautor do estudo Frederic Hughes avalia que se faz necessário compreender mais detalhadamente os efeitos negativos do pastejo na biodiversidade na região da Caatinga em um contexto de crise climática. “Cerca de 12% da população brasileira convive no nosso semiárido, população que está sujeita a níveis altíssimos de exclusão social e degradação dos espaços naturais”.
Abel Conceição, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia, que também participou do estudo, complementa: “nesse cenário de elevação de temperatura global, nosso estudo ressalta o grande desafio que será aumentar a produção de alimento destinado às populações pobres de regiões secas e degradadas sem que haja intensificação do pastejo e colapso nos serviços ecossistêmicos dessas regiões”.
As conclusões deste estudo podem auxiliar uma gestão mais sustentável das pastagens, bem como para estabelecer uma gestão eficaz e ações de restauração destinadas a mitigar os efeitos da mudança climática em curso e a desertificação em terras secas globais.
(Fonte: Agência Bori)