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Exposição no Inhotim aborda a trajetória de Abdias Nascimento como artista visual no exterior

Brumadinho, por Kleber Patricio

Abdias Nascimento, “O Vale de Exu”. Nova Iorque, EUA, 1969. Crédito da foto: Ipeafro.

Em curadoria conjunta com o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), o Inhotim sedia um museu dentro de seu espaço e traz, ao longo de dois anos (2021-2023), a iniciativa idealizada por Abdias Nascimento (1914–2011) no começo da década de 1950: o Museu de Arte Negra. Como parte desse projeto, a exposição “Terceiro Ato: Sortilégio”, que inclui em seu título o nome da primeira peça teatral escrita por Abdias, em 1951, e marca o princípio de sua produção artística ligada às tradições afrodiaspóricas, será inaugurada no dia 18 de março de 2023, sábado, na Galeria Mata. “Terceiro Ato: Sortilégio” aborda o período de exílio do artista, entre 1968 e 1981, evidenciando a difusão da arte negra brasileira no exterior.

Como dramaturgo e depois pintor, Abdias Nascimento desempenhou um papel político e social que estabeleceu uma mudança de paradigma para a reconstituição de uma ordem epistêmica africana, usando linguagem e símbolos das tradições afrodiaspóricas. Neste sentido, “Terceiro Ato: Sortilégio” se organiza em cinco núcleos temáticos (Símbolos ritualísticos contemporâneos; Nova York: início do exílio; Professor universitário; Artistas afro-brasileiros; e Orixás: concepção da vida e filosofia do universo) concentrados na maciça produção de Abdias como pintor, que se dá, sobretudo, fora do Brasil.

Abdias Nascimento, “Raízes n. 2 – Tributo a Aguinaldo Camargo”. Rio de Janeiro, 1988. Crédito da foto: Ipeafro.

“Nascimento continuou seu interesse por uma pesquisa que tinha a ancestralidade africana como base para sua produção artística. Assim, essa comunicação constante com a epistemologia das religiões afrodiaspóricas está no cerne de seu pensamento enquanto intelectual e artista”, pontua Deri Andrade, curador assistente do Inhotim.

Parte das obras expostas na mostra é de artistas brasileiros(as) que marcavam presença na cena artística estrangeira, principalmente nos EUA, em Nova York, no mesmo período em que Abdias Nascimento esteve no país, interagindo com a sua paisagem e com o seu entorno e mostrando um reconhecimento dos territórios por onde passaram. Os núcleos da exposição buscam reafirmar a ideia do Museu de Arte Negra como um museu coletivo, feito por pessoas que cruzaram a vida de Abdias. A sala de vídeo exibe ainda o documentário “Exu Rei – Abdias Nascimento” (2017), de Bárbara Vento, que salienta as características de grande expressividade e comunicação de Abdias Nascimento, bem como seu dinamismo e ativismo, dialogando com o arquétipo de Exu enquanto figura de transformação e a sua influência na cultura negra e na arte brasileira.

Constituída por peças de empréstimos e de aquisições recentes do Inhotim, “Terceiro Ato: Sortilégio” traz ao público mais de 180 obras, com trabalhos de Abdias Nascimento e de outros artistas como Mestre Didi, Rubem Valentim, Melvin Edwards, Regina Vater, Manuel Messias, Emanoel Araujo, Hélio Oiticica, Anna Bella Geiger, Anna Maria Maiolino, Iara Rosa, Romare Bearden e LeRoy Clarke, além de livros e documentos de pesquisa de Abdias sobre o Candomblé e os Orixás.

Abdias Nascimento, “Sankofa n. 2 – Resgate” (Adinkra Asante). Rio de Janeiro, 1992. Crédito da foto: Ipeafro.

A exposição apresenta um núcleo dedicado a Exu, Orixá presente em um grande número obras de Abdias. Exu é o Orixá da comunicação, guardião dos caminhos. “Abdias pensa os Orixás, os símbolos ritualísticos e a linguagem ancestral como ponto de conexão pan-africanista. Ele resgata em seu trabalho o sentido do Candomblé como uma concepção de vida e filosofia do universo”, explica Douglas de Freitas, curador do Inhotim.

Em maio de 1968, nas comemorações pelos 80 anos da abolição da escravidão, o Teatro Experimental do Negro realizou a exposição inaugural da coleção Museu de Arte Negra no Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro. Ao longo daquele ano, Abdias Nascimento teve forte interlocução com artistas nacionais e internacionais e o projeto Museu de Arte Negra ganhou destaque na mídia, em especial no Correio da Manhã, veículo que fazia oposição ao Regime Militar. No final do mesmo ano, Abdias Nascimento recebe uma bolsa de intercâmbio cultural nos Estados Unidos. Com a promulgação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, inicia-se a fase de maior rigidez da ditadura militar no Brasil e ele se torna alvo de vários inquéritos policiais militares.

Sob o risco de ser perseguido, torturado e assassinado pelo governo brasileiro de então, o pintor se vê impedido de retornar ao seu país de origem. O fato limita as atividades do Museu de Arte Negra em solo brasileiro, mas não as do artista, que continua produzindo e coletando obras durante o seu exílio. É neste período que Abdias intensifica sua atividade como pintor, em cidades como Nova York e Buffalo, dialogando com as paisagens e com os círculos artísticos desses lugares – que podem ser vistos em sua obra como representações desses espaços e também como homenagens a outras figuras de seu convívio, como Rubens Gerchman. A presença da religiosidade de matriz africana em seu trabalho também se consolida.

Foto: divulgação.

“É no exílio que Abdias Nascimento passa a ser mundialmente reconhecido não só como pintor, mas principalmente como uma das personalidades brasileiras mais preparadas para o enfrentamento ao racismo em suas dimensões estética e estrutural. A experiência acumulada desde a sua participação na Frente Negra Brasileira, nos anos 1930, passando pelo Teatro Experimental do Negro, jornal Quilombo e pela criação do projeto Museu de Arte Negra, contribui para a consolidação de uma biografia que o levou, já próximo do final de sua vida, em 2009, a ser indicado oficialmente ao prêmio Nobel da Paz pelo conjunto da obra”, afirma Julio Ricardo Menezes Silva, pesquisador do Ipeafro e coordenador do Museu de Arte Negra virtual.

“Terceiro Ato: Sortilégio” é o penúltimo dos quatro atos da proposta, representados anteriormente pelo “Primeiro Ato: Abdias Nascimento, Tunga e o Museu de Arte Negra” e pelo “Segundo Ato: Dramas para negros e prólogo para brancos”, partindo do legado multidisciplinar de Abdias Nascimento – poeta, escritor, dramaturgo, curador, artista plástico, professor universitário, pan-africanista e parlamentar com uma longa trajetória trilhada no ativismo e na luta contra o racismo.

Sobre o Museu de Arte Negra

Desde os anos 1940, Abdias Nascimento e seus companheiros do Teatro Experimental do Negro (TEN) trabalhavam com a proposta de valorização social do negro e da cultura afro-brasileira por meio da arte e da educação. O TEN buscava delinear um novo estilo estético e dramatúrgico e, assim, lançava as bases para a fundação do Museu de Arte Negra (MAN). Foi o TEN que, em 1950, no Rio de Janeiro, organizou o 1º Congresso do Negro Brasileiro, em que se discutiu a “estética da negritude” e modos de visibilização e valorização da produção de artistas negros e daqueles que lidavam com a representação da cultura negra em seus trabalhos. Nesse sentido, a plenária do Congresso aprovou uma resolução sobre a necessidade de um museu de arte negra. O TEN assumiu o projeto e assim nasceu o MAN.

A coleção Museu de Arte Negra ganhou forma, sendo composta por pinturas, desenhos, gravuras, fotografias e esculturas, dentre outras, numa pluralidade de suportes e técnicas. Em 1955, o projeto MAN promoveu um concurso de artes plásticas e uma exposição sobre o tema do Cristo Negro. A exposição inaugural da coleção Museu de Arte Negra foi realizada em 6 de maio de 1968, no Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro. Os organizadores aproveitaram, para isso, a comemoração dos 80 anos da abolição da escravatura, ocorrida em 1888. Entretanto, eles tinham plena consciência de que as estruturas que sustentavam o regime escravista de violação de direitos e da dignidade humana se mantinham sob a forma do racismo. Sem medidas reparatórias como acesso ao emprego, à cultura e à educação, a abolição resultou na exclusão social, econômica, política e cultural da população negra recém-libertada.

“Terceiro Ato: Sortilégio” conta com o patrocínio do Itaú Unibanco e da Petrobras, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura – Ministério da Cultura e Governo Federal, União e Reconstrução. Pela Petrobras, o projeto foi contemplado na Chamada Petrobras Cultural Múltiplas Expressões 2022.

Serviço :

Terceiro Ato: Sortilégio – Abdias Nascimento e o Museu de Arte Negra 

Abertura: 18 de março de 2023, sábado, a partir das 9h30

Data: 18 de março a 6 de agosto de 2023

Local: Galeria Mata – Instituto Inhotim.

INFORMAÇÕES GERAIS 

Horários de visitação: de quarta a sexta-feira, das 9h30 às 16h30, e aos sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17h30.

Entrada: R$50,00 inteira (meia-entrada válida para estudantes identificados, maiores de 60 anos e parceiros). Crianças de até cinco anos não pagam entrada.

Localização: O Inhotim está localizado no município de Brumadinho, a 60 km de Belo Horizonte (aproximadamente 1h15 de viagem). Acesso pelo km 500 da BR-381 – sentido BH/SP. Também é possível chegar ao Inhotim pela BR-040 (aproximadamente 1h30 de viagem). Acesso pela BR-040 – sentido BH/Rio, na altura da entrada para o Retiro do Chalé.

Opções de transporte regular:

Transfer – a Belvitur, agência oficial de turismo e eventos do Inhotim, oferece transporte aos sábados, domingos e feriados, partindo do hotel Holiday Inn Belo Horizonte Savassi (Rua Professor Moraes, 600, Funcionários, Belo Horizonte). É preciso comparecer 15 minutos antes para o procedimento de embarque e conferência do voucher. Veja mais informações sobre o transfer clicando aqui. Ônibus Saritur – saída da Rodoviária de Belo Horizonte de terça a domingo, às 8h15 e retorno às 16h30 durante a semana e às 17h30 aos fins de semana e feriados. R$51,75 (ida), R$46,05 (volta), R$97,80 (ida e volta).

Inhotim Loja Design | A loja do Inhotim, localizada na entrada do Instituto, oferece itens de decoração, utilitários, livros, brinquedos, peças de cerâmica, vasos, plantas e produtos da culinária típica regional, além da linha institucional do Parque. É possível adquirir os produtos também por meio da loja online.

(Fonte: Inhotim)