O período do governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, marcou o desmonte de dois programas federais para a segurança alimentar e nutricional: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa de Cisternas. Já o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) demonstrou resiliência graças a fatores como a descentralização de seu funcionamento e a distribuição de recursos a governos locais via Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A análise está em artigo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) publicado na segunda (13) na revista científica “Brazilian Political Science Review”.
A integridade do Pnae pode ser explicada pela divisão de responsabilidades entre a União, os estados e os municípios. O FNDE, uma autarquia relativamente autônoma em relação ao governo federal, realiza repasses automáticos a estados e municípios sem necessidade de firmar convênios. A execução das atividades ocorreu em diferentes âmbitos da gestão pública, com o envolvimento de secretarias de educação e de saúde, por exemplo, para garantir o abastecimento das escolas.
Por outro lado, o Programa de Cisternas, restrito ao semiárido, dependeu de envolvimento próximo da sociedade civil para manter as atividades diante da diminuição de repasses do governo federal. O PAA, focado em fomentar pequenos produtores e associado a modelos de produção ecológicos, também perdeu espaço ao longo dos anos. Para fins de comparação, os recursos alocados para o PAA foram de mais de 1 bilhão de reais em 2011 para pouco mais de 230 milhões em 2018. Em 2021, período em que o programa foi denominado Alimenta Brasil, foram executados cerca de 58 milhões de reais.
Os pesquisadores utilizaram métodos qualitativos para identificar eventos e entidades envolvidos no desmonte e na resiliência do Pnae, criado em 1979, e dos Programas de Cisternas e de Aquisição de Alimentos, criados a partir de 2003 durante o primeiro governo Lula. Além de identificar processos, os autores também realizaram pesquisa documental, observação participante e entrevistas com 25 servidores públicos e representantes de organizações da sociedade civil engajados na agenda de segurança alimentar e nutricional, realizadas entre 2019 e 2023.
O objetivo da pesquisa foi compreender o que resulta na resiliência de políticas públicas a partir de elementos como descentralização e grau de institucionalização. “A ideia é que, diante de crises, as iniciativas não sejam desmobilizadas. É preciso que o trabalho feito e os objetivos das políticas continuem sendo perseguidos e que elas consigam se adaptar à nova realidade”, explica a pesquisadora da UnB Marina Lazarotto de Andrade, uma das autoras do trabalho.
A dimensão e a força do Pnae surpreenderam os cientistas. Segundo Andrade, trata-se de um programa estruturante que permite abarcar outras diversas iniciativas: “A sociedade civil entendeu isso porque criou um observatório para acompanhar a alimentação escolar e conseguiu aprovar medidas consideradas progressistas, que ressaltam o direito humano à alimentação adequada, mesmo indo diretamente contra os interesses de quem apoiava o governo Bolsonaro”, relata a pesquisadora.
Para Andrade, a análise dos fatores que contribuem para a grande resiliência do Pnae é fundamental para amparar discussões sobre como garantir que políticas públicas sobrevivam a períodos de crise. “As pessoas não podem ficar desamparadas e, no cenário de desigualdade como o que temos em nosso país, quem é afetado pelas crises e pela falta de políticas públicas é sempre quem tem mais dificuldade de acesso”, conclui.
(Fonte: Agência Bori)