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[Artigo] É preciso mudança da cultura no topo da pirâmide, caso contrário não conseguiremos combater os incêndios florestais

Belo Horizonte, por Kleber Patricio

Foto: Matt Palmer/Unsplash.

Nesta última semana de agosto, foi noticiado pelos principais veículos de comunicação que o Brasil precisa reduzir em 92% as emissões de gases do efeito estufa até 2035, para contribuir de forma justa com a proposta de limitar em 1,5 graus Celsius (ºC) o aquecimento global. Quem diz isso é o Observatório do Clima, que fez um estudo a respeito. Para esta meta ser atingida, os pesquisadores que participaram do estudo apontam que o país precisará atingir outras ambições. Desmatamento zero até 2030, recuperação de 21 milhões de hectares de vegetação nativa, combate à degradação e aumento da proteção de seus biomas, bem como investir nas transições energéticas e na prática de agropecuária de baixa emissão, além de uma gestão adequada dos resíduos no país. Essas são as principais ambições que os pesquisadores se referem. O percentual tem como base as emissões de 2005 e avança limitando em 200 milhões de toneladas líquidas a emissão anual, que era de 2,4 bilhões de toneladas líquidas há 19 anos.

Paralelamente, nos deparamos na mesma última semana de agosto com outra notícia que, infelizmente, vai para o lado oposto: a grande quantidade de queimadas que aconteceram em diversas localidades do território nacional. O clima está muito seco porque faz muito tempo que não chove. Porém, vale reforçar que existe entre os especialistas a concordância de que a seca prolongada não justifica tantos focos de incêndio.

Curiosamente, desta vez o foco não foi a floresta Amazônica. A região Centro-Oeste e o interior do Estado de São Paulo foram as áreas mais afetadas. Vale lembrar que o interior paulista praticamente não tem mais floresta nativa – apenas alguns poucos resíduos de mata selvagem que sobraram e que são importantes para a tentativa de recuperação do bioma. Infelizmente, parte foi queimada junto com plantações de cana-de-açúcar e de laranja, principalmente. O que também chama a atenção porque fazendas são áreas já desmatadas.

É provável que o Observatório do Clima tenha de refazer seus estudos. A quantidade de incêndios é tão grande que não só a meta de redução de desmatamento ficou mais difícil como é fato que o que foi consumido pelas chamas são justamente as plantas que contribuiriam para a absorção do carbono na atmosfera. Aliás, ao serem queimadas, elas próprias se transformaram em gases nocivos à saúde e responsáveis pelo aquecimento global.

Em um mundo que é importante dar cada vez mais importância para o ESG, o que está acontecendo no Brasil é catastrófico. Embora, algumas empresas, entidades e cidadãos busquem, individualmente, soluções para mitigar emissões e frear as mudanças climáticas, no conjunto da nossa sociedade acontece o contrário. Emitimos mais fumaça ao mesmo tempo em que destruímos o verde que ainda resta, a ferramenta de descarbonização mais eficiente que existe.

Considerando o contexto das ocorrências, em que a maioria dos focos são resultado da ação humana, parte por criminosos e parte por pessoas irresponsáveis, fica evidente que a solução depende de uma mudança radical na forma como o Estado brasileiro gerencia seus recursos naturais. Também é preciso uma forte mudança na visão de negócios dos donos do agronegócio, o mais importante segmento econômico do Brasil. Muitos desdenhavam do trabalho contra o desmatamento, mas agora eles próprios se tornaram vítimas do mesmo fogo que destruiu gigantescas áreas de florestas nativas.

O que mais chama a atenção nisso tudo é que o Congresso brasileiro se mostra totalmente indiferente ao problema. Pior que isso: eles trabalham justamente para destruir o pouco que resta. Não bastasse perder tempo para aprovar projetos que autorizam a jogatina eletrônica e a comercialização de cigarros eletrônicos, os congressistas trabalham para aprovar o ‘pacote da destruição’ formado por mais de 25 projetos de lei três propostas de emendas à Constituição (PECs), que permitem absurdos com derrubada de mata nativa em áreas de preservação permanente e redução de 80% para 50% a reserva legal na Amazônia, entre outros.

Projetos que visam beneficiar economicamente os donos do agronegócio – muitos deles, agora vítimas desses incêndios, mas que não enxergam além de seus próprios bolsos. Isso tem que mudar antes que seja tarde. Poder público e agropecuaristas precisam se reunir, se entenderem e, juntos, criarem um plano em prol da sustentabilidade. Os governos municipais, estaduais e o federal, assim como os legislativos nas três esferas, devem avaliar os gargalos que dificultam a fiscalização para corrigi-los, assim como deve haver mudança na legislação para que a punição passe a ser verdadeiramente temida.

Já os proprietários das fazendas precisam melhorar procedimentos e criar meios de monitorar toda a área produtiva e os resquícios de florestas que restaram em suas propriedades. As perdas não são só deles e nem são apenas animais selvagens que estão morrendo e perdendo seus habitats. O lucro deles está sendo queimado. Compaixão com o primeiro grupo é respeito com o próprio bolso ou conta bancária. É respeito com a sociedade como um todo.

O conceito ESG tem de ser mais bem disseminado na sociedade. Mas isso só será possível se os que estão no topo da pirâmide política e econômica aprenderem e a aceitarem que é preciso mudar. Querendo ou não, eles são o exemplo para a sociedade. Se a cultura lá em cima não mudar, na base também não mudará. E aí o Brasil perderá a batalha para o aquecimento global. Todos nós seremos penalizados. Vai mais um aviso: para a natureza não existe classe social nem cargo de maior importância. Quando ela revidar, ninguém vai se salvar com ‘carteirada’.

Roberto Gonzalez é consultor de governança corporativa e ESG e conselheiro independente de empresas. É autor do livro ‘Governança Corporativa – O Poder de Transformação das Empresas’.

(Fonte: Com Caíque Rocha/Compliance Comunicação)