Para Hanayrá Negreiros, pesquisadora de moda e colunista da Elle Brasil, as roupas são como dispositivo de memória, história e cultura. As vestimentas carregam narrativas, sejam elas religiosas, políticas, culturais – a roupa conta uma história, seja de quem a faz, seja de quem a usa. Os consumidores procuram uma identidade e compram valores simbólicos.
Hoje, a moda passou a ser um consumo de objetos com valores por trás da roupa, um produto cultural, criativo e manufatureiro. No entanto, já foi historicamente palco de muitas proibições, como a proibição de usar calças para mulheres (proibições em razão do sexo) ou de proibições políticas, quando, por exemplo, as forças de ocupação britânicas proibiram os escoceses de usar kilts.
A partir de 1800, a produção e o consumo em massa cresceram e estes adquiriram gradualmente um caráter simbólico estável. A famosa “túnica Mao”, abotoada até a gola, com versões mais atuais estreladas por personagens do filme 007, foi usada, em 1949, por Mao-Tsé-Tung, ao proclamar a República Popular da China, para projetar uma China moderna.
Para a museóloga britânica Amy Barnes, o significado dessa túnica representava: “eu rejeito a burguesia e o padrão ocidental de beleza e moda; estou transmitindo uma mensagem de uniformidade e conformidade”. Quanto mais bolsos existissem na túnica, mais status. O tecido também indicava poder, do mais simples (cinza e áspero), ao mais caro (trajes de lã). Na década de 1990, Galliano ressignificou o traje para Dior, usando seda verde e cetim vermelho e Vivienne Westwood o tornou mais sexy. A indumentária conta também a história de quem a confecciona. Em 2015, um projeto em Milão, Itália, capacitou refugiados que trabalhavam com costura em seus países de origem (Afeganistão, Irã, Somália, Gâmbia e Senegal) para tornarem-se alfaiates de grifes famosas na capital italiana da moda.
No Brasil, durante o período de pandemia do novo coronavírus, em grave violação de direitos humanos, imigrantes bolivianos e paraguaios, em São Paulo, recebiam R$0,05 para confeccionar máscaras para intermediários. Na última semana, iniciando o ano de 2021, constatamos mais um símbolo por trás das roupas: o ativismo.
Na posse no novo presidente americano, Joe Biden, o traje das mulheres expressava diversos movimentos sociais. A primeira-dama Jill Baden, a vice-presidente Kamala Harris e a ex- primeira-dama Michelle Obama usaram marcas que apoiam uma moda inclusiva, social e economicamente sustentável. A cor da roupa de Kamala Harris – o roxo –, remete ao movimento feminista e ao símbolo de união (representando a mistura do azul, do partido democrata com o vermelho, do partido republicano), além de ser criação de um estilista negro de Nova York.
De forma singela e poética, Carla Cristina Garcia define um sentido à cor lilás, como “a cor do feminismo, em honra às 129 mulheres mortas dentro de uma tecelagem norte-americana em 8 de março de 1857, cujo incêndio fora criminosamente provocado pelo dono da fábrica após a greve realizada pelas funcionárias, que reivindicavam melhores condições de trabalho. A história conta que os tecidos em que as vítimas estavam trabalhando neste dia eram da cor lilás, sendo esta data considerada, atualmente, o Dia Internacional da Mulher.”
Assim, as diferentes dimensões da moda não estão no ponto de chegada, nem na reta final, mas, sim, em ascendente ressignificação.
Renata Domingues Balbino Munhoz Soares é advogada, professora e coordenadora acadêmica do e-LLM em Fashion Law Mackenzie. Doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Fashion Law pelo Milano Fashion Institute (Itália) e coordenadora do livro Fashion Law – Direito da Moda, editora Almedina.