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Gretta Sarfaty apresenta panorama de sua obra em mostras no IAB e na Central Galeria

São Paulo, por Kleber Patricio

‘Mãe Impersonificação’ (2019), Gretta Sarfaty. Foto: divulgação.

Intimidade familiar, trivialidades e reconexão após um longo período de afastamento – é deste enredo que nasce a produção recente da artista greco-brasileira Gretta Sarfaty. Ela extrai da banalidade dos dias uma perspectiva existencial de continuidade, reflete sobre sua origem e sobre o lugar que ocupa no seio familiar. O desfecho da história pode ser visto na exposição Reconciliações, individual que a artista exibe até 25 de janeiro, no IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), com realização de Luli Hunt.

Após mais de três décadas fora do Brasil – período em que Gretta viveu entre Nova York e Londres – o resgate familiar revela a intimidade de um convívio marcado por encontros e turbulências, principalmente na relação da artista com sua mãe. Do mergulho no passado, Sarfaty emergiu com séries de fotos antigas de sua família – principalmente as que registram a mãe –, como numa tentativa de lidar com suas próprias cicatrizes. “Nesses trabalhos emergem o afeto, expressão relevante e substantiva de sua poética atual”, pontua Fábio Magalhães, curador da mostra. É a forma que artista encontrou para ressignificar suas memórias, ideia recorrente na série Mãe Impersonificação (2019), que traz registros de gerações em volta da mesa e Reconciliações (2019), conjunto homônimo à mostra, que traz imagens fotografadas no dia a dia, retiradas do esquecimento e da brevidade do cotidiano. Fotografias retrabalhadas pelo artista no computador e transportadas para tela com acréscimos de pintura, grafismos e colagens.

A exposição reúne também The Myth of Womanhood (2001), composta por autorretratos em momentos íntimos triviais, como no ritual de se maquiar e Youth Versus Gravity (2005), que traz registros de férias em família: a artista fotografa seu neto, expondo as particularidades familiares e a convivência das relações.

Em ambas, Gretta desenvolve sequências e desdobramentos de uma única imagem fotográfica que, ao ser repetida em série, cria efeito caleidoscópio. “Ela retrabalhou conceitos de criação digital estabelecidos pelo filósofo norte-americano Timothy Binkley e, partir disto, explorou possibilidades de espelhamentos a fim de ampliar o campo de visão das imagens nas matrizes fotografadas e tirou proveito dos efeitos de contraste e de densidades cromáticas para acentuar o efeito caleidoscópico”, explica o curador.

‘Reconciliações II’ (2019), Gretta Sarfaty. Foto: divulgação.

A intimidade é uma constante na obra de Gretta Sarfaty. A contragosto de sua família, ela iniciou ainda muito jovem no circuito das artes plásticas e logo se destacou como artista de vanguarda, com trabalhos em que usava o corpo como suporte e linguagem. No início da década de 1970, já mãe de três filhos, em um Brasil que atravessava as represálias da ditadura militar e via crescer movimentos pela libertação sexual e lutas de gênero, Sarfaty dava vida à uma obra intensa, disruptiva e singular, associada principalmente à Body Art e ao feminismo. Conviveu com Cildo Meirelles, Artur Barrio e Rubens Gerchman (1942-2008), entre outros expoentes da arte contemporânea, propôs novos suportes e formatos para expor seu trabalho e buscou a emancipação de amarras sexistas impregnadas na época.

Em meados de 1980, em meio à sua ascensão artística – e às desavenças familiares –, a artista muda-se para Nova York e intensifica os experimentos que tomam o corpo como suporte e a intimidade como linguagem. É nessa fase que seu trabalho ganha espaços em instituições mundo afora, a exemplo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris, a portuguesa Fundação Calouste Gulbenkia, o Palazzo Dei Dei Diamanti, Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) e outros.

Mas se antes o corpo e sua intimidade eram atrelados às suas questões individuais, agora, revelam-se espaços de reconstrução de laços, têm necessidade do outro, já não se expressam sozinhos.

Sobre a artista

Nascida em 1947 em Atenas, na Grécia, Gretta Sarfaty atualmente vive e trabalha em São Paulo. Também conhecida como Gretta Alegre Sarfaty, Gretta Grzywacz e Greta Sarfaty Marchant, é pintora, desenhista, gravadora, fotógrafa e artista multimídia que ganhou reconhecimento internacional no final dos anos 1970, a partir de seus trabalhos artísticos relacionados à body art e ao Feminismo.

Na mesma década, cursou a escola PanAmericana de Arte em São Paulo e foi aluna de Ivald Granato e Walter Lewy. Em 1973, inicia-se em gravura em metal sob orientação de Mário Gruber e edita suas próprias gravuras. Cursa a escola de Arte Documenta, em 1973 e, a partir deste período, participa de exposições envolvendo vídeo e performance em diversos países, como Itália, França, Bélgica e Alemanha. Em meados de 1980, a artista muda-se para Nova York e depois para Londres e é nessa fase que seus trabalhos ganham espaço em instituições como o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo(MAC/USP), Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), Museu de Arte de São Paulo (MASP), Pinacoteca do Estado de São Paulo, Instituto Moreira Salles (SP/RJ), Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, Centre Georges Pompidou, Le Bal Musée d’Art Paris, Museum of Modern Art of New York (MoMa), The Art Institute of Chicago e Palazzo Dei Diamanti, entre outros.

Gretta Sarfaty apresenta experimentações com o corpo em mostra da Central Galeria

‘Body Works’ (1976), Gretta Sarfaty. Foto: divulgação.

Disruptiva e multidisciplinar, a artista Gretta Sarfaty faz de seu corpo espaço para experimentação artística, política, campo de transformação. Em sua obra, o corpo feminino é território tanto para questionamentos internos quanto sociais. Expoente da body art no Brasil, a artista traz ao público séries de trabalhos emblemáticos na mostra Dos nossos espaços vazios internos, individual em cartaz até 2 de fevereiro na Central Galeria. “A obra de Gretta Sarfaty transborda as narrativas da subjetividade do ser mulher enquanto sujeito político coletivo, inventado para atravessar problemáticas identitárias e ampliar os limites daquilo que se espera da nossa existência”, reflete Catarina Duncan, curadora da mostra.

O corpo artístico de Gretta é livre, não se limita a paredes ou a um único espaço. A série A woman’s diary (1977), um dos destaques da exposição, é apresentada agora em lambe-lambes que vão para além do espaço expositivo da Galeria e se expandem para as ruas do Centro da cidade de São Paulo. São autorretratos preto e branco nos quais ela convida o público a adentrar um diário de seu próprio corpo. “A ação desenvolve um novo sentido do que é público e transforma assim o significado da arte na sociedade”, pontua Duncan.

Os trabalhos eleitos pela curadoria datam de 1973 a 1981 e são documentações de performances e autorretratos, fotografias nas quais a artista divaga sobre a representação do feminino na arte e traz ao público experimentos artísticos com o próprio corpo, a exemplo das séries Body Works (1976) e da notória Evocative Recollections (1979), que traz registros da performance em que a artista colocava seu corpo nu em atrito ao de um gato em alusão à sensualidade feminina.

‘Body Works I’, Gretta Sarfaty. Foto: divulgação.

O título da mostra surge de uma citação da crítica e historiadora de arte americana Linda Nochlin, em análise sobre o motivo pelo qual obras de tantas mulheres artistas se mantiveram anos a fio sem reconhecimento. “As coisas como estão e como foram antes, nas artes e em centenas de outras áreas, são estupidificantes, opressivas e desestimulantes para todos aqueles que, como as mulheres, não tiveram a boa sorte de nascer brancos, preferencialmente de classe média e, sobretudo, homens. A culpa não é dos astros, dos nossos hormônios, dos nossos ciclos menstruais, dos nossos espaços internos vazios, mas das instituições e da nossa educação”, afirmou Nochlin.

Sarfaty passou mais de três décadas longe do Brasil e do circuito de arte do País e, agora, a atual mostra resgata sua obra e busca sua reinserção no contexto artístico atual. “Trazer para a atualidade a quebra de um regime de controle sobre o corpo da mulher, onde não mais se permite a servidão ao outro e sim a si mesma promove uma nova visualidade de prazer. Nas palavras da artista, o que interessa é ‘ser obra aberta aos avessos’ e isso já é uma estratégia revolucionária”, afirma a curadora.

Serviço:

Dos nossos espaços vazios internos, individual de Gretta Sarfaty

Local: Central Galeria

Curadoria: Catarina Duncan

Período expositivo: até 2 de fevereiro

Endereço: Rua Bento Freitas, 306, Vila Buarque – São Paulo/SP

www.centralgaleria.com.

Reconciliações, individual de Gretta Sarfaty

Local: IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil

Curadoria: Fábio Magalhães

Período expositivo: até 25 de janeiro

Endereço: Rua Bento Freitas, 306, 4º andar, Vila Buarque – São Paulo/SP

Visitação: segunda a sexta-feira, das 11h às 19h e sábado, das 11h às 17h

http://www.iabsp.org.br/.