Reconhecer a brutalidade que vem constituindo a história do Brasil como nação não faz parte da trajetória do dito “povo cordial”, mito que caiu por terra com a eleição de um governo que institucionalizou o discurso de ódio e a impunidade dos agentes de Segurança Pública. A partir de uma farta documentação histórica, a pesquisadora Viviane Gouvêa publica, em lançamento pela Editora Planeta, “Extermínio: duzentos anos de um estado genocida”, livro que analisa o caráter historicamente arbitrário das nossas leis e a limitação das nossas democracias.
Desde a Independência do Brasil, há duzentos anos, o povo brasileiro vive as barbaridades perpetradas por um Estado que deveria garantir seu bem-estar. No livro, Viviane apresenta trechos de documentação oficial e registros de testemunhas contemporâneas aos levantamentos históricos analisados, para que se possa recuperar o que foi registrado, descrito e carimbado por aqueles que infringiram tais violências, os que as testemunharam e os que as sofreram.
Morte, crueldades e diversas outras formas de ilegalidades fazem parte da construção da história do país, que teve a tortura como prática comum, aceita e mesmo prevista pela sociedade e pela ambiguidade das leis em diferentes contextos. Do dispositivo legal no período imperial que liberava chicotadas e fazia vista grossa para outras atrocidades, passando pelo massacre dos cabanos, dos povos indígenas, sindicalistas, até subir os morros do Rio de Janeiro e mostrar que as diversas chacinas – Vigário Geral (1993), Complexo do Alemão (2007), Jacarezinho (2021) – não são exceção, a autora denuncia como forças públicas e privadas de segurança sempre obedeceram às tarefas que grupos no topo da hierarquia política e econômica consideravam necessárias para que o povo voltasse a ser um povo ordeiro.
A partir de uma investigação minuciosa, Viviane ilustra como as ações de violências exacerbadas são perpetradas tanto por parte das elites, que defendem seus privilégios ancestrais, como dos agentes públicos, mesmo quando as instituições democráticas estão funcionando. A ilusão de que o nascimento do Brasil se deu de forma pacífica é parte de uma falácia que acompanha a banalização da violência, que sempre se deu às claras. “Ao chegar ao final deste livro, talvez os leitores tenham menos estranhamento diante do descalabro de um país em que linchamentos de negros e macumbeiros são vistos quase com tolerância pelo cidadão comum, que consegue (com a consciência tranquila) eleger políticos que defendem tortura, estupro e assassinato se a pessoa merecer”, pontua a autora.
Trecho: “Quando o Estado não pune um dos seus agentes por práticas ilegais e, nesse caso, que violam direitos humanos, a mensagem é clara: não tem problema arrancar unha de detento ou esfregar a cara do pivete no asfalto a uma temperatura de 55 °C. Faz parte do jogo e nossas leis não precisam ser aplicadas para todo mundo.
Um sem-número de cidadãos do bem partilha dessa visão de mundo e essa mensagem recebe apoio incondicional daqueles que se acham a salvo. Mas a verdade é que, se os agentes do Estado agem contra a ordem estabelecida pelo próprio, sem medo de represálias, torna-se difícil controlar o grau de violência utilizado e mesmo seus alvos. Apesar de a violência policial ter alvo certo (a população preta e pobre), o descalabro da nossa impunidade atualmente permite que fiscais do Ministério do Trabalho que denunciam trabalho escravo, juízas e vereadoras que investigam milícias, jornalistas estrangeiros e servidores públicos que denunciam desmandos e assassinatos na floresta sejam assassinados por pessoas direta ou indiretamente ligadas às forças de segurança (públicas ou privadas) e a serviço de sabe-se-lá-o-quê. Tais soldados algumas vezes pagam a conta dos seus mandantes, demasiado no topo da hierarquia para sofrerem sequer arranhões. Mas o estrago já está feito.”
Ficha técnica:
Título: Extermínio: duzentos anos de um estado genocida
Autora: Viviane Gouvêa
256 páginas
Livro físico: R$61,90 | E-book: R$42,90
Editora Planeta
Sobre a autora | Viviane Gouvêa é formada em Ciências Sociais e mestre em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É pesquisadora do Arquivo Nacional desde 2006.
Sobre a editora | Fundado há 70 anos em Barcelona, o Grupo Planeta é um dos maiores conglomerados editoriais do mundo, além de uma das maiores corporações de comunicação e educação do cenário global. A Editora Planeta, criada em 2003, é o braço brasileiro do Grupo Planeta. Com mais de 1.500 livros publicados, a Planeta Brasil conta com nove selos editoriais, que abrangem o melhor dos gêneros de ficção e não ficção: Planeta, Crítica, Tusquets, Paidós, Planeta Minotauro, Planeta Estratégia, Outro Planeta, Academia e Essência.
(Fonte: Editora Planeta)