Notícias sobre arte, cultura, turismo, gastronomia, lazer e sustentabilidade

SESC Digital antecipa álbum ‘Mar Anterior’ do Grupo ANIMA

São Paulo, por Kleber Patricio

O Grupo ANIMA em foto de Daniel Bittar.

Como se um livro de História viesse acompanhado de páginas pautadas de harmonias, arranjos e melodias, nos últimos 30 anos, o Grupo ANIMA trafega pelos meandros de origens indígena, africana e ibérica da tradição oral brasileira. Conexões mitológicas, políticas e sociológicas tecidas a partir de pesquisas e sonoridades da Idade Média e da cultura renascentista também movimentam os encontros da música antiga e popular em uma expressão musical historicamente orientada.

Desde 2010, o conjunto de música de câmara celebra a trilogia do Imaginário Sonoro Brasileiro. Ao lado do Selo SESC, três álbuns ganharam forma como parte da identidade musical do Brasil, por meio de instrumentos e da mistura de sons provenientes de outras culturas e de outros tempos. Inspirado no livro homônimo de Walnice Nogueira Galvão, o álbum Donzela Guerreira (2010), apresenta um intenso estudo sonoro cujas obras abordam arquétipos da heroína que oscila entre características masculinas e femininas. A segunda parte da série percorre o espaço imaginário entre a mitologia e a história de Encantaria (2017), ao traçar um roteiro dramatúrgico musical sobre o mito milenarista do sebastianismo (desaparecimento do Rei Dom Sebastião, na batalha de Alcácer Quibir, no Marrocos, em 1578).

Por fim, o último volume do tríptico, intitulado Mar Anterior (2020), chega ao SESC Digital no dia 5 de junho e às plataformas de streaming em 10 de junho. Com 19 faixas, o disco físico – ainda sem data de lançamento por causa da Covid-19 – acompanha um livreto de 112 páginas que conta com obras da artista visual Rosana Paulino, também responsável pela ilustração da capa, texto de autoria do medievalista português Manuel Pedro Ferreira, fotos de Daniel Bittar e comentários do ogã Leandro Perez (músico convidado), de Luiz Fiaminghi, Paulo Dias e Valeria Bittar sobre o encontro da música dos povos conquistados e apartados de suas origens e, em especial, dos povos africanos escravizados, com cantigas e danças da Idade Média.

Disco dá sequência aos projetos ‘Encantaria’ (2017) e ‘Donzela Guerreira’ (2010) ao abordar saudade, separações pelos oceanos e o trauma da escravidão a partir da diáspora africana.

Dentro do contexto de colonização e dos relatos históricos da tradição oral popular, este novo trabalho ressoa as perdas e o sentimento de saudade, fazendo-se ouvir por meio dos tambores dos orixás do candomblé junto às lembranças saudosistas encontradas na poesia medieval portuguesa, presente nas cantigas de amor do Rei Trovador Dom Dinis (1261-1325). Essa peregrinação de musicalidades destacam as polirritmias dos tambores dos orixás e toques de linhas-guias em contato com danças e cantigas da Idade Média, evidenciados nos arranjos tecidos num roteiro dramatúrgico.

Para o professor e doutor em estudos musicológicos da Universidade NOVA de Lisboa, Manuel Pedro Ferreira, o ANIMA abraçou a pluralidade ao construir o diálogo intramusical entre Dom Dinis e o candomblé. “Sobrepor cantigas medievais e música de candomblé sinaliza mais a compatibilidade do que a diferença, lembrando que a continuidade histórica dos contatos entre a cultura europeia e as culturas africanas quer a desejável comunicabilidade entre gêneros e esferas sociais. Esta abordagem é, em suma, uma ousadia artística e uma afirmação política; uma visão da alma brasileira e uma concepção de harmonização social”, afirma.

Na qualidade de mestre-residente da música do candomblé Ketu e integrante do projeto, o ogã Leandro Perez conta que o rito africano precisa ser entendido como uma identidade e musicalidade relacional. “Falar do candomblé não é só tocar atabaque, é entender o contexto da cantiga durante o canto, a dança, as festividades, a culinária, as vestes… Tudo está integrado. É uma cultura, não só um ritmo. Nas músicas do ANIMA (tendo aqui como fonte o diálogo entre os tambores da cultura do candomblé), o Rum (tambor) dialoga com o Rumpi, com a cantiga, com outros instrumentos e arranjos. Um dos significados do Rum é fala, é o tambor que fala”.

Com Mar Anterior, o Grupo ANIMA também denota a importância de trazer à tona repertórios afastados e adormecidos da memória musical do país que foram registrados por Mário de Andrade na Missão de Pesquisas, de 1929 e por uma equipe organizada por ele na Missão de Pesquisas Folclóricas, de 1938, cujo material foi relançado recentemente pelo Selo SESC e a Secretaria Municipal de São Paulo em forma de coletânea. Em 1937, sob direção do escritor modernista, o Departamento de Cultura de São Paulo enviou a Salvador o compositor e maestro Camargo Guarnieri para participar do II Congresso Afro-Brasileiro com a finalidade de recolher melodias populares, cânticos de orixás, cantos das Nações Ketu e Angola e do candomblé de Caboclo. Pesquisador de música tradicional popular, Guarnieri foi o responsável pela transcrição de aproximadamente 300 cantigas da cultura do candomblé, publicadas posteriormente em 1947. Agora, após serem apartadas pelo tempo, podem ser revividas nos arranjos do disco.

Repertório do álbum Mar Anterior – Grupo ANIMA

1 – IBARABÔ – Luiz Fiaminghi (1958), com base em cantiga da tradição oral afro-brasileira, candomblé ketu, Salvador, BA

2 – NON SEI COMO ME SALV’A MHA SENHOR – IBARABÔ – Dom Dinis (1261-1325), cantiga 6 – cantiga de tradição oral afro-brasileira, candomblé ketu, Salvador, BA

ANIMA – Liduino Pitombeira (1962), com base nas cantigas 7, Quix Ben e 2, A tal estado m’adusse, senhor, de Dom Dinis, e nas cantigas de tradição oral afro-brasileiras, candomblé ketu, BA: Ogum Já Vai, Ogum Tinô Já e Agô Agô Lonã

3 – QUIX BEN

4 – OGUM

5 – IN PRO – Estampie, LBM add. 29987 (séc. XIV)

6 – TAMANQUÊRO COM “MARTELO” – ROMANCE DA LAGOA ENCANTADA – tradição oral brasileira, João Pessoa, PB

7 – O BENDITO DE CATOLÉ DO ROCHA – tradição oral brasileira, Catolé do Rocha, PB

SUÍTE OXUMARÊ – Luiz Fiaminghi (1958), com base em cantiga da tradição oral afro-brasileira, candomblé ketu, Salvador, BA

8 – Lori ọrun (céu colorido ou arco íris)

9 – Solo de percussão, voz e coro – tradição oral afro-brasileira, candomblé ketu

10 – Takará (arma de Oxumaré: transmutação para a renovação)

11 – Ejó (serpente)

12 – LAMENTO DO MATEUS: SÒDADES – tradição oral brasileira, Natal, RN

13 – BARREADO – José Eduardo Gramani (1944-1998)

14 – POIS QUE VOS DEUS, AMIGO, QUER GUIZAR – Acácio Piedade (1961), com base na cantiga 1 de Dom Dinis

15 – QUE MUI GRAN PRAZER QUE EU HEI, SENHOR – É TI Ó- IMPROVISAÇÃO SOBRE É TI Ó – Dom Dinis (1261-1325) – tradição oral afro-brasileira, candomblé ketu, Salvador, BA

Improvisação sobre cantiga da tradição oral afro-brasileira, candomblé ketu, Salvador, BA e estampies do LBM add. 29987 (séc. XIV)

16 – SEREIA DO MAR – Catimbó, tradição oral brasileira, Natal, RN

17 – YEMANJÁ ÔTÔ – Luiz Fiaminghi (1958), com base em cantiga da tradição oral afro-brasileira, candomblé ketu, Salvador, BA

18 – YEMANJÁ SÓBA – tradição oral afro-brasileira, candomblé ketu, Salvador, BA

19 – O FONDO DO MAR TAN CHAO – OFULU LORÊRÊ Ê – Luiz Fiaminghi (1958), com base em Cantiga de Santa Maria (383), atribuída a Dom Afonso X, o sábio (1221-1284), de tradição oral afro-brasileira-candomblé nagô, Salvador, BA

Ficha Técnica

Direção Musical: Gisela Nogueira, Hugo Pieri, Luiz Fiaminghi, Paulo Dias, Silvia Ricardino, Valeria Bittar

Dramaturgia Musical (Grupo ANIMA): Gisela Nogueira, Hugo Pieri, ogã Leandro Perez, Luiz Fiaminghi, Paulo Dias, Silvia Ricardino, Valeria Bittar

Direção Executiva: Luiz Fiaminghi, Valeria Bittar

Produção: Luiz Fiaminghi, Valeria Bittar

Pesquisa de Repertório: Gisela Nogueira, ogã Leandro Perez, Luiz Fiaminghi, Paulo Dias, Silvia Ricardino, Valeria Bittar

Fotos: Daniel Bittar

Criação do Lettering: Karla Wanderley, Mickael Jacques

Projeto Gráfico: Alexandre Calderero

Acompanhamento Gráfico: Valeria Bittar, Paulo Ramon

Gravação: Carlos (KK) Akamine

Assistente de Gravação: Silvio Romualdo

Edição: Carlos (KK) Akamine

Assistentes de Edição: Luiz Fiaminghi, Paulo Dias, Valeria Bittar

Mixagem e Sound Design: Carlos (KK) Akamine

Masterização: Ono Seigen – Saidera Mastering, Tokyo, Japão

Coordenação de Estúdio: Shen Ribeiro

Identidade Visual Grupo ANIMA: Paulo Ramon

Versão para o português das cantigas do candomblé ketu: Babá Edson de Osun

Versão para o inglês das cantigas de Dom Dinis: Rip Cohen

Tradução Inglês: Marco Alexandre de Oliveira, Jesse Dylan Marsden, Sean Michael Mcintyre

Gravado no Estúdio Sala Viva – Espaço Cachuera!, em São Paulo, entre os meses de janeiro, fevereiro e março do ano 2019

Sobre Grupo ANIMA

Criado em 1988, o ANIMA nasceu como resultado de reflexões sobre a interpretação musical e a memória sonora brasileira. A estrutura inicial do grupo teve como base o movimento de música antiga e a performance musical historicamente orientada. Esses princípios interpretativos norteiam até hoje o grupo, e foram ampliados e transformados por meio de múltiplas formações pelas quais passou e que ocasionou a conquista de prêmios como: APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), Prêmio Funarte de Música Brasileira e Prêmio Carlos Gomes. O grupo é formado pelos músicos Gisela Nogueira (viola de arame), Hugo Pieri (barítono), Luiz Fiaminghi (rabecas brasileiras), Ogã Leandro Perez (canto e percussão afro-brasileira), Paulo Dias (percussão e órgão portativo), Silvia Ricardino (harpa medieval) e Valeria Bittar (flautas doces). Após a montagem e gravação de cinco espetáculos e CDs, em 2010 lançou o álbum homônimo Donzela Guerreira. Em 2017, deu sequência à trilogia de lançamentos pelo Selo SESC com o disco Encantaria, cujo mito do sebastianismo dá unidade narrativa e musical do projeto. O Grupo ANIMA apresenta-se da Floresta Amazônica ao Theatro Municipal de São Paulo; em festivais internacionais em países da Europa, Estados Unidos, Canadá, México, Bolívia, Uruguai e Argentina.

Selo SESC

Criado há 16 anos, o Selo SESC tem o objetivo de registrar o que de melhor é produzido na área cultural. Recentemente, foram lançados no mercado digital os álbuns: Sessões Selo SESC #6: Rakta + Deafkids e Sessões Selo SESC #7: João Donato + Projeto Coisa Fina. O CD-livro São Paulo: paisagens sonoras (1830-1880) da pesquisadora e cantora Anna Maria Kieffer; o DVD Exército dos Metais, da série O Som da Orquestra, O Romantismo de Henrique Oswald (José Eduardo Martins e Paul Klinck) e os CDs Dança do Tempo (Teco Cardoso, Swami Jr. e BB Kramer), Espelho (Cristovão Bastos e Maury Buchala), Eduardo Gudin e Léla Simões, Recuerdos (Tetê Espíndola, Alzira E e Ney Matogrosso), Música Para Cordas (André Mehmari), Estradar (Verlucia Nogueira e Tiago Fusco), Tia Amélia Para Sempre (Hercules Gomes), Gbó (Sapopemba), Acorda Amor (Letrux, Liniker, Luedji Luna, Maria Gadú e Xênia França), Copacabana – um mergulho nos amores fracassados (Zuza Homem de Mello) e Tio Gê – O Samba Paulista de Geraldo Filme (vários artistas).

Serviço:

Lançamento do álbum Mar Anterior – Grupo ANIMA

A partir de 5/6 no SESC Digital

A partir de 10/6 nas plataformas de streaming

Selo SESC nas redes

SESCsp.org.br/seloSESC

facebook.com/seloSESC

twitter.com/seloSESC

youtube.com/seloSESC

SESCsp.org.br/zumbido.