A partir da premissa que iniciativas locais são importantes para uma planejar uma Amazônia sustentável, pesquisadores revisam a literatura acadêmica sobre as transformações dessas iniciativas na região durante os últimos 50 anos. As observações estão em estudo publicado em maio na revista Current Opinion in Environmental Sustainability.
O estudo foi feito por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em parceria com pesquisadores das universidades de Indiana e do Colorado, nos Estados Unidos, da Universidade de Ciências Agrárias da Suécia, da Universidade de Amsterdã, na Holanda, e da Universidade de Estocolmo, na Suécia. Eles classificaram as transformações destas cinco décadas ocorridas na região em três diferentes fases: o desenvolvimentismo de fronteira, o socioambientalismo e o mercado e corporativismo verde.
Ao longo dos últimos 50 anos, os modelos de desenvolvimento acabaram atendendo interesses de diversos setores e fomentaram, em maior ou menor grau, o desmatamento, a exploração madeireira, a mineração e invasões de terras indígenas. Ainda assim, o estudo mostra que organizações da sociedade civil conseguiram se estruturar, nos últimos 30 anos, para reagir a estas pressões.
Os chamados “facilitadores” de inclusão e iniciativas locais tiveram um papel primordial nestas reações, ressaltam os pesquisadores. Programas como o movimento da Teologia da Libertação, entre as décadas de 70 e 80, o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, entre os anos 1990 e 2000, e um conjunto de políticas socioambientais estruturadas entre 2000 e 2010 consolidaram a ideia de uma Amazônia sustentável.
O estudo busca, justamente, dar visibilidade e voz às populações locais responsáveis por essas iniciativas e ações de sustentabilidade, segundo resume a pesquisadora Célia Futemma, coautora do artigo. “Expandidas desde 2000, essas iniciativas visam não só melhorar as condições sociais e ambientais de onde essas populações vivem, mas também querem contribuir para uma trajetória mais sustentável para a região amazônica”, destaca Célia, que é bióloga e antropóloga da Unicamp.
Um banco de dados e mapa preliminar das iniciativas mostra que elas estão localizadas em todo tipo de sistema fundiário, incluindo terras comunitárias, privadas, unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas e assentamentos rurais. “São milhares de iniciativas individuais e de ação coletiva que estão expandindo sistemas agroflorestais altamente produtivos e rentáveis, criando viveiros de mudas para produção agrícola e para regeneração de áreas degradadas e pastagens improdutivas”, destaca o pesquisador Eduardo Brondizio, da Unicamp e Universidade de Indiana, também coautor do estudo. Através do corporativismo, essas iniciativas se desenvolvem e procuram agregar valor a produtos locais para conseguir um melhor acesso ao mercado.
O pesquisador Fábio de Castro, da Universidade de Amsterdã, que também contribuiu com o estudo, comenta que essas iniciativas têm grande potencial de contribuir para a sustentabilidade da região, apesar de sofrerem um processo de invisibilidade nos últimos anos. “A narrativa de desenvolvimento regional está mais focada em uma expansão baseada no desmatamento e na mineração e exportação de matérias primas e, neste sentido, dá pouco espaço para iniciativas locais de pequena escala”, afirma. Essas últimas são fundamentais para a produção de alimentos, empregos e melhoria ambiental da região.
Covid-19 e a Amazônia | Outro alerta feito pelos autores remete à delicada confluência de crises que vem afetando uma região já marcada pela precariedade e desigualdade. “Temos, ao mesmo tempo, o colapso do sistema de saúde e de setores econômicos, o aumento do desmatamento e incêndios, a violência e invasão de terras indígenas e áreas de conservação”, aponta Brondizio. Em contraponto, o caminho para um futuro mais sustentável e justo, conclui, depende tanto de políticas coordenadas e inclusivas quanto dos sucessos emergentes das iniciativas locais.
(fonte: Agência Bori)