Com quase 100 anos de existência, o Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira foi contemplado pelo edital do ProAC (Programa de Ação Cultural) para a estruturação dos acervos museológicos do Museu Vivo Cândido Ferreira, que será aberto à população como um tesouro carregado de preciosidades.
Ao longo deste ano, dois profissionais de museologia irão trabalhar na organização do material, que conta com aproximadamente 22 mil itens, e retrata as inúmeras atividades culturais desenvolvidas como processos terapêuticos e de inclusão social.
Do extenso acervo, 500 itens serão disponibilizados em plataforma virtual para o acesso do público em geral. Ao final do projeto, a comunidade terá uma diversidade de ações interativas, com rodas de conversa e workshops sobre o envolvimento entre arte, saúde mental e Museologia Social, além de uma exposição presencial no Museu Vivo com parte do acervo.
Cuidado em saúde mental e cultura: as bases do processo terapêutico | O Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira é uma instituição filantrópica de saúde mental inaugurada como hospital psiquiátrico em 1924, no distrito de Sousas, em Campinas/SP. “Desde a Constituição Federal de 1988 e dos valores encampados pelo Movimento Antimanicomial, a instituição buscou reformular-se no cuidado digno e no respeito pela diversidade das pessoas com sofrimento mental”, explica Bianca Vitullo Bedin, coordenadora geral do projeto. “As inúmeras atividades no campo da saúde, da convivência da diversidade humana e da cultura desenvolvidas como processos terapêuticos e de inclusão social resultaram na produção continuada de um variado e rico acervo, que constitui um patrimônio de valor histórico e artístico representativo dos movimentos pelos direitos humanos e da luta antimanicomial”, destaca.
Desde 1991, quando a instituição passou por transformações fundamentadas nessas novas concepções de cuidado em saúde mental, fechando alas de internação e abrindo unidades de tratamento e convivência baseadas nos direitos humanos e na arte, suas ações iniciaram um caminho sem volta, que agrega amplo espectro de terapeutas, coletivos culturais, artistas, educadores e agenciadores da própria comunidade, entre outros colaboradores comprometidos com esses mesmos princípios.
A rede congrega artistas periféricos e acadêmicos, da cultura popular e das galerias de arte, passando por movimentos como a arte postal e o grafitti e manifestações como o carnaval e a capoeira. Essa comunidade produtora de uma cultura crítica, inclusiva e afetiva estende-se para além da cidade de Campinas, alcançando laços regionais e nacionais. “Ainda podemos ressaltar o valor artístico das obras produzidas por usuários do Serviço de Saúde, que hoje integram o acervo do Museu Vivo. Dezenas de artistas já participaram de exposições, salões e concursos de arte fora do contexto terapêutico, tendo recebido prêmios, além de reconhecimento e visibilidade nacional e internacional. A organização do acervo e sua disponibilização para pesquisas no campo da arte propiciará a ampliação da circulação dessas obras, bem como do reconhecimento de seu valor artístico e de seus autores”, pontua Gal Soares De Sordi, responsável pela gestão do projeto.
Nos últimos anos, a partir de uma série de conversações e cooperações estabelecidas com profissionais da Museologia Social, o Serviço de Saúde se reconheceu como um Museu Vivo e, em 2018, constituiu oficialmente um dispositivo institucional dedicado à preservação de seu patrimônio integral – material e imaterial, cultural e natural – nomeado como Ponto de Cultura pelo edital 49/2018. Sua sede, localizada em área de proteção ambiental do município, conta, ainda, com dois edifícios tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas – Condepacc.
Referência | Também nos campos da psiquiatria e da saúde mental, a instituição tem uma incidência relevante, tanto na assistência quanto na pesquisa e na formação de novos profissionais.
Quase uma centena de trabalhos acadêmicos já foi produzido nas universidades da região, como Unicamp, PUC-Campinas e Unesp, tendo a instituição e seus procedimentos como objeto de estudo. Além disso, o Serviço de Saúde também oferece formação por meio do Programa de Residência Médica em Psiquiatria, que funciona desde 2006. “Com a estruturação dos acervos a ser propiciada por este projeto, novas parcerias com as universidades poderão ser estabelecidas, permitindo explorar mais sistemática e profundamente os registros da instituição e fazendo avançar o conhecimento sobre a história da psiquiatria, da reforma psiquiátrica brasileira e do movimento da luta antimanicomial”, salienta Gal.
No campo da cidadania, o Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira se destaca pela existência de 40 unidades de atendimento, cuidado e convivência, localizadas em todas as regiões do município de Campinas. Por elas, passam mensalmente 6.500 usuários, além de seus familiares e de uma comunidade constituída de clientes e compradores dos produtos artesanais produzidos nas oficinas de trabalho e renda, geridas de maneira cooperada pelos usuários. “A organização e disponibilização dos acervos artísticos e históricos da instituição tem, junto a esse público, o potencial de valorizar as pessoas em tratamento de saúde mental, reafirmando sua dignidade e seus direitos e promovendo uma sociedade mais consciente, inclusiva e disposta à convivência na diversidade, alimentando uma cultura de paz e respeito”, compartilha Bianca Bedin.
Museu Vivo em números | A memória institucional do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, que integra a história da saúde mental no país, pode ser recontada a partir dos acervos documentais e museológicos, que abrangem 4228 objetos de arte, 90 objetos de valor histórico e 17.993 documentos audiovisuais, entre fotografias e vídeos.
Por sua importância, os acervos que materializam o trabalho desta instituição quase centenária têm sido objeto de estudo de centenas de pesquisadores, sobretudo das áreas de saúde, direitos humanos, arte e história.
Com a realização do projeto de estruturação, todo esse rico patrimônio museológico será preservado e valorizado para que o museu permaneça dinâmico, pulsante. Vivo.