Análise elaborada pelo GeoLab, ligado ao Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da USP, em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, indica que a regularização dos imóveis ao Código Florestal poderá também trazer uma contribuição importante para o aumento da vegetação nativa e para a proteção das águas no estado de São Paulo. Porém, isoladamente, não resolverá a situação nas bacias e municípios com maior déficit de vegetação da Mata Atlântica, que é o bioma mais ameaçado do país. Para estes, também será necessária a restauração local das Reservas Legais ou de incentivos para restauração de vegetação nativa fora das áreas exigidas pelo Código Florestal. O estado conta com vegetação de dois biomas – além da Mata Atlântica, tem ocorrência de Cerrado.
O Programa Agro Legal regulamenta o Código Florestal no Estado de São Paulo. O governo estadual estima que para a adequação ambiental será necessário restaurar ou compensar 800 mil hectares entre Áreas de Preservação Permanente (APPs) que precisam ser restauradas nos imóveis, como as matas ciliares, e de Reserva Legal, que podem ser restauradas nos imóveis ou compensadas fora das propriedades. Tanto nas APPs dos imóveis menores do que quatro módulos fiscais como nas Reservas Legais pode haver exploração sustentável da vegetação, permitindo a geração de renda para o produtor rural.
Os estudos do GeoLab apontam outros números, indicando que São Paulo tem um déficit estimado de 768.580 hectares de APPs que precisam ser restaurados no local, sendo 111.785 hectares no Cerrado e 656.795 hectares na Mata Atlântica. O déficit de Reserva Legal foi estimado em 367.403, que podem ser restaurados no local ou compensados fora das propriedades. No total, precisam ser restaurados e/ou compensados 1,14 milhão de hectares.
“O ganho de vegetação nativa com a restauração somente de APPs será muito maior do que aquele que São Paulo teve ao longo dos últimos 10 anos, se compararmos com os dados do Inventário Florestal de 2020”, afirma Kaline de Mello, bióloga, doutora em Ciências e pós-doutoranda do GeoLab. Segundo o inventário, esse ganho foi de 4,9% em uma década (214 mil hectares de vegetação nativa).
São Paulo possui cerca de 5.670.532 hectares de vegetação natural. A restauração da faixa mínima de APP – que foi instituída no novo Código Florestal (Lei 12.651/12 no seu Artigo 61-A), de 2012, com a chamada “Regra da Escadinha” – levaria ao aumento de 14% da vegetação nativa do estado. Já se a APP fosse recuperada integralmente (sem aplicar a Regra da Escadinha), haveria um incremento de 22% em relação à vegetação nativa atual. No total, 768.580 hectares seriam acrescidos à vegetação nativa existente se fosse restaurada a faixa mínima de APP ou 1.228.026 hectares, no caso da recuperação de toda a APP – um incremento de 60% no total a ser restaurado (459.446 hectares). “Observamos que faz muita diferença restaurar toda a APP, em vez de recuperar somente a faixa mínima. E isso garantiria maior proteção dos recursos hídricos”, ressalta Luis Fernando Guedes Pinto, diretor de Conhecimento da SOS Mata Atlântica. “Restam somente 12,4% de Mata Atlântica em bom estado de conservação no país. Em SP, a situação é um pouco melhor, mas a vegetação está distribuída desigualmente, com regiões de cobertura natural muito baixa. A recuperação das APPs pode atenuar esta situação em algumas bacias hidrográficas e municípios. Mas, para outras, o estado precisa ir além para alcançar o mínimo necessário e dar um exemplo para os demais estados”, complementa ele.
Kaline concorda e reforça que essa análise é uma contribuição da Academia e da área científica para melhorar a implementação de políticas públicas.
Água e floresta | O trabalho também avaliou a situação das bacias hidrográficas do Estado e de cada um dos 645 municípios paulistas. Das 21 Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHIs) de São Paulo, atualmente apenas 6, localizadas em região costeira, possuem cobertura de vegetação nativa maior ou igual a 30% – que é o recomendado para manter o equilíbrio ecológico e garantir a conservação da biodiversidade. As UGRHIs do oeste paulista possuem as porcentagens mais baixas de vegetação nativa, sendo que Baixo Tietê, Baixo Pardo Grande e Turvo Grande estão próximas de 10%. No total, 13 UGRHIs possuem porcentagem de cobertura de vegetação nativa abaixo de 20%.
De acordo com o estudo, com a restauração da faixa mínima de APP, nenhuma UGRHI atingirá os 30%; porém, a bacia do Pardo alcança mais de 20%. Com a restauração total da APP, a bacia do Alto Paranapanema passaria a ter 30,5% de cobertura de vegetação, sendo que atualmente possui 25% e algumas bacias do oeste paulista passariam a ter ao menos 20% de cobertura de vegetação
A bacia do Paraíba do Sul é a que possui o maior déficit de APP e a restauração, tanto de APP mínima como total, representa o maior ganho em vegetação entre todas as bacias, passando de 33% para 40% e 45%, respectivamente.
Em relação aos municípios paulistas, hoje apenas 104 (16% do total) possuem vegetação nativa maior ou igual a 30%. Esse número passaria para 134 com restauração da faixa mínima de APP e 160 com restauração total da APP. Ou seja, 30 municípios (4,7% do total) alcançam os 30% apenas com restauração da faixa mínima, e 56 (8,7%) alcançam essa porcentagem com restauração total de APP.
Novamente a região do oeste paulista se destaca de forma negativa. Os municípios atualmente com vegetação nativa abaixo de 10% – que são considerados totalmente desflorestados segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) – se concentram na região de Ribeirão Preto, Piracicaba e Paranapanema. Entretanto, grande parte dos municípios conseguirá atingir mais de 10% de vegetação nativa apenas com a restauração de APP.
Na Mata Atlântica, 117 (18%) possuem atualmente vegetação nativa maior ou igual a 30% – esse número passaria para 147 (23%) com a restauração de faixa mínima de APP e 176 (28%) com a restauração de APP total. No Cerrado, o cenário é mais preocupante, com apenas 10 municípios de 192 (5%) com vegetação nativa maior ou igual a 30%. Esse número passaria para 17 (9%) apenas com a restauração de APP mínima, e 28 (15%) com a restauração de APP total.
“Os municípios possuem realidades muito distintas de cobertura de vegetação nativa e na geografia dos déficits de APP. Diferentes estratégias de adequação ambiental precisam ser adotadas de acordo com essa realidade. Para alguns municípios, a restauração da faixa mínima de APP é suficiente para aumentar a cobertura de vegetação nativa de forma satisfatória, chegando a 20% ou 30%. Para outros, isso não é suficiente para melhorar o cenário de baixa cobertura de vegetação nativa, por isso a importância de compromissos voluntários e incentivos de recuperação de APP total”, ressalta Gerd Sparovek, coordenador do Geolab.
Segundo ele, o Protocolo Etanol mais Verde, assumido por parte do setor sucroenergético, é um bom exemplo de como compromissos voluntários podem contribuir na solução de problemas ambientais. “Como a restauração da Reserva Legal localmente não é obrigatória e a compensação fora da propriedade pode não gerar benefício ambiental local ou regional algum, incentivar a restauração com florestas multifuncionais, que permitem atingir os objetivos ambientais, ao mesmo tempo que podem ser exploradas de forma sustentável para fins econômicos nas propriedades, é outro exemplo que concilia o aspecto econômico e ambiental da adequação das propriedades. No entanto, os compromissos voluntários e incentivos existentes atualmente ainda são muito tímidos para o enorme desafio de garantir o mínimo de vegetação natural em todo estado”, conclui Sparovek.