O crânio tomográfico de um peixe fossilizado de 319 milhões de anos, retirado de uma mina de carvão na Inglaterra há mais de um século, revela o exemplo mais antigo de um cérebro de um vertebrado bem preservado. O cérebro e seus nervos cranianos têm cerca de 2,5 cm de comprimento e pertencem a um peixe extinto do tamanho de um lambari, como o lambari-guaçu. A descoberta abre uma janela para a anatomia neural e evolução inicial do principal grupo de peixes vivos hoje, os peixes com nadadeiras raiadas, de acordo com um estudo liderado pela Universidade de Michigan, publicado na quarta-feira (1º) na revista “Nature”.
O principal autor do estudo é o brasileiro Rodrigo Figueroa, aluno de doutorado da U-M que faz o trabalho como parte de sua dissertação, sob a orientação do paleontólogo Matt Friedman, do Departamento de Ciências da Terra e do Meio Ambiente da U-M. A descoberta fornece informações sobre a preservação de partes moles em fósseis de animais com coluna vertebral. A maioria dos fósseis de animais em coleções de museus foi formada a partir de partes duras do corpo, como ossos, dentes e conchas.
O cérebro tomografado e analisado para o novo estudo pertence ao Coccocephalus wildi, um peixe primitivo com nadadeiras raiadas que nadava em um estuário e que provavelmente se alimentava de pequenos crustáceos, insetos aquáticos e cefalópodes (um grupo que hoje inclui lulas, polvos e sépias). Os peixes com nadadeiras raiadas têm espinha dorsal e barbatanas sustentadas por hastes ósseas chamadas raios.
Quando o peixe morreu, os tecidos moles do seu cérebro e os nervos cranianos foram substituídos durante o processo de fossilização por um mineral denso que preservou, com detalhes, sua estrutura tridimensional. “Uma conclusão importante é que essas partes moles podem ser preservadas, e preservadas em fósseis que temos há muito tempo—este é um fóssil conhecido há mais de 100 anos”, disse Friedman, autor sênior do novo estudo e diretor do Museu de Paleontologia.
Para Figueroa, este fóssil superficialmente inexpressivo e pequeno não mostra apenas o exemplo mais antigo de um cérebro vertebrado fossilizado, mas também que as ideias sobre a evolução do cérebro de espécies viventes precisarão ser retrabalhadas. “Com a ampla disponibilidade de técnicas de imagem modernas, eu não ficaria surpreso se descobrisse que cérebros fósseis e outras partes moles são muito mais comuns do que pensávamos anteriormente”, disse Figueroa. “A partir de agora, nosso grupo de pesquisa e outros colaboradores vão olhar para crânios de peixes fósseis com uma perspectiva nova e diferente”.
O fóssil do crânio da Inglaterra é o único espécime conhecido de sua espécie, então apenas técnicas não destrutivas poderiam ser usadas durante o estudo liderado pela U-M.
Figueroa e Friedman trabalham com tomografia computadorizada de crânios de fósseis de peixes com nadadeiras raiadas, incluindo vários espécimes que Figueroa trouxe para Michigan por empréstimo de instituições do Brasil, como o Centro Paleontológico da Universidade do Contestado (Cenpaleo), em Mafra, Santa Catarina. O objetivo do estudo é obter detalhes da anatomia interna que forneçam informações sobre suas relações evolutivas.
No caso de C. wildi, Friedman não estava procurando por um cérebro quando ligou seu scanner micro-CT e examinou o fóssil do crânio. “Eu escaneei o fóssil e notei que havia um objeto distinto e incomum dentro do crânio”, disse Friedman. A bolha não identificada era mais brilhante na imagem da TC — e, portanto, provavelmente mais densa — do que os ossos do crânio ou a rocha ao redor. “É comum ver crescimentos minerais amorfos em fósseis, mas esse objeto tinha uma estrutura claramente definida”, disse Friedman.
O objeto misterioso exibe várias características encontradas em cérebros de vertebrados: possui simetria bilateral, contém espaços ocos com aparência semelhante aos ventrículos. Também possui múltiplos filamentos que se estendem em direção a aberturas na caixa craniana, semelhantes aos nervos cranianos, que viajam por esses canais em espécies viventes.
Embora apenas seu crânio tenha sido recuperado, os cientistas acreditam que C. wildi teria de 6 a 8 polegadas de comprimento. A julgar pelo formato da mandíbula e pelos dentes, provavelmente era um carnívoro, segundo Figueroa. Os cientistas suspeitam que, quando o peixe morreu, ele foi rapidamente soterrado em sedimentos com pouco oxigênio presente. Esses ambientes podem retardar a decomposição de partes moles do corpo. Além disso, um microambiente químico dentro da caixa craniana pode ter ajudado a preservar os delicados tecidos cerebrais e substitui-los por um mineral denso, possivelmente pirita, disse Figueroa.
Figueroa e Friedman disseram que a descoberta destaca a importância de preservar espécimes em museus de paleontologia e zoologia. “Esse fóssil apresenta preservação excepcional de tecidos moles, mas tais estruturas não haviam sido evidenciadas até hoje, mesmo esse fóssil tendo sido estudado por diversos pesquisadores ao longo de mais de um século”, disse Figueroa. “Ainda existe muito a ser descoberto nas gavetas de museus e instituições brasileiras”, ele disse. “É por isso que manter os espécimes físicos é tão importante. Porque quem sabe, em 100 anos, o que as pessoas poderão fazer com os fósseis em nossas coleções agora.”
(Fonte: Agência Bori)