Maria Gabriela Ventura Bizzi é uma jovem cheia de sonhos. Aos 26 anos, recém completados, Gabi, como é carinhosamente chamada, cursa o segundo semestre de Direito, é casada há sete anos e tem um filho de seis anos, o Enzo Gabriel. A história dela seria comum a de tantos outros jovens, se não fosse por um detalhe que faz toda a diferença em sua vida: Gabi é portadora de anemia falciforme.
Desconhecida da população em geral e pouco reconhecida pelos médicos e autoridades, a anemia falciforme, cujo dia mundial de conscientização é comemorado no próximo dia 19, é uma doença genética, hereditária e decorrente de anormalidades na estrutura da hemoglobina, que influencia – e muito – na qualidade de vida dos pacientes, alterando drasticamente a rotina e o cumprimento de tarefas simples, em função de seu principal sintoma: as dores fortes e constantes.
A doença da Gabi foi descoberta logo nos primeiros dias de vida, por meio do teste do pezinho. Seu tratamento teve início em hospitais não especializados e aos quatro anos foi encaminhada para o Centro Infantil Boldrini, hospital infantil filantrópico que é referência na América Latina no tratamento de doenças onco-hematológicas. “Predominante em negros, mas podendo se manifestar em brancos também, a anemia falciforme se caracteriza por uma alteração nos glóbulos vermelhos, que perdem a forma arredondada e elástica e adquirem o formato de foice, dificultando a passagem de sangue pelos vasos, o que causa muita dor”, explica a presidente do Centro Infantil Boldrini, Dra. Silvia Brandalise.
Entre os sintomas estão dores articulares, fadiga intensa, atraso no crescimento, palidez, icterícia, tendências a infecções e problemas cardiovasculares, pulmonares e renais. A descoberta da doença se dá por meio do teste do pezinho. “Infelizmente não existe cura. O tratamento é para amenizar os sintomas como o controle da anemia, a prevenção de crises hemolíticas e das infecções, aumentando consideravelmente a qualidade e o tempo de vida do paciente. Quanto mais cedo começarmos, melhor será o prognóstico”, enfatiza a Dra. Silvia.
E são as dores articulares que mais incomodam Gabi. Ela explica que vivencia situações complicadas, pois “aparentemente somos normais, fisicamente não temos nada que denuncie a doença, mas a dor está ali. E muitos não acreditam”, desabafa. Em 2016, Gabi passou por uma experiência traumática no emprego que tinha até então. “Passei por um trauma trabalhista e entrei em depressão. Me internei do Boldrini e com a ajuda dos profissionais da psiquiatria, psicologia e outros tratamentos, como Reiki, fui me recuperando”, conta, destacando que seu marido e seu filho são essenciais e grandes companheiros na luta contra a doença. “São eles e o curso de Direito que me dão vontade de levantar da cama diariamente.”
A recuperação foi lenta e durou quase 1 ano e meio. Contudo, foi essencial para Gabi voltar a sonhar: “Eu senti no meu coração que queria começar a vida novamente. E entrei na faculdade de Direito no segundo semestre de 2017.”
Muito mais do que estudar para se satisfazer e ter uma profissão, a jovem frequenta as aulas com um propósito muito maior: se formar e poder, por meio do Direito, divulgar, desmitificar a doença e buscar políticas públicas aos portadores da anemia falciforme. “Através do Direito quero fazer esse trabalho que alia Educação à Justiça. Quero chamar a atenção dos governantes para os pacientes e suas necessidades. A doença é silenciosa e vai piorando com o tempo. E, enquanto Deus me permitir, vou estudar e lutar, apesar de muitas vezes chorar de dor. Enquanto ninguém lutar, os pacientes portadores da doença falciforme continuarão sendo invisíveis”, finaliza.
Dados
Segundo o Ministério da Saúde, estima-se que 4% da população brasileira tenha o traço falciforme. “No Boldrini temos cerca de 880 pessoas. Ainda falta muita informação tanto para os portadores e familiares, que quando descobrem a doença precisam entender como conviver com a patologia, mas principalmente para a população em geral que vai empregar esses pacientes ou que terão alunos com essas doenças, e que precisam saber como ela funciona”, reforça Dra. Silvia.
A maior preocupação do Centro Infantil Boldrini em relação aos pacientes não só de anemia falciforme, mas de hemoglobinopatias em geral é, além do tratamento dos sintomas, inseri-los socialmente. “Com o aumento da expectativa de vida dos nossos pacientes, graças ao cuidado e ao avanço da medicina, eles chegam à fase adulta e querem estudar, fazer uma faculdade, ter um emprego e construir uma família. Por conta das idas ao hospital com frequência, muitos acabam desistindo desses sonhos. O nosso pedido é que a sociedade dê a oportunidade desses pacientes de construírem suas histórias”, comenta.
O próprio hospital inaugurou em 2017 uma ala voltada para os pacientes de doenças crônicas: a Ala Azul. O espaço é destinado a pacientes jovens e adultos que continuam seu tratamento no hospital. Gabi participou do projeto desde o começo e foi uma das pacientes a pedir o local exclusivo para os jovens. “Nós tratamos a maioria desses adultos desde quando eles tinham meses de vida. Nossa ideia é que eles continuem o tratamento no Boldrini, pois temos todo o histórico desse paciente, e não tenham que procurar por outros hospitais sempre que precisarem”, finaliza Dra. Silvia.
Sobre o Centro Infantil Boldrini
O Centro Infantil Boldrini é o maior hospital especializado na América Latina, localizado em Campinas, que há 41 anos atua no cuidado a crianças e adolescentes com câncer e doenças do sangue. Atualmente, o Boldrini trata cerca de 10 mil pacientes de diversas cidades brasileiras e alguns de países da América Latina, a maioria (80%) pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Um dos centros mais avançados do país, o Boldrini reúne alta tecnologia em diagnóstico e tratamento clínico especializado, comparáveis ao Primeiro Mundo, disponibilidade de leitos e atendimento humanitário às crianças portadoras dessas doenças. www.boldrini.org.br