Desde sua criação em 1988, com seu primeiro relatório publicado em 1990, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (sigla em inglês: IPCC) vem avaliando e sintetizando o avanço do conhecimento científico sobre a mudança do clima, seus impactos e demandas para adaptação e soluções para a estabilidade do sistema climático global. Em agosto de 2021, foi publicada a primeira parte do sexto ciclo de avaliação do IPCC, que sintetizou as bases físicas da mudança do clima, o estado atual e as projeções de mudanças em médio e longo prazo. Em março de 2022, tivemos acesso à segunda parte da avaliação que apresentou as informações atualizadas sobre os impactos que já se fazem sentir em todas as partes do mundo, acentuando vulnerabilidades e inequidades.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, no lançamento dos dois relatórios, referiu-se ao primeiro como um “alerta vermelho para a Humanidade” e ao segundo como um “atlas do sofrimento humano”. Tais comentários precisos sobre a dimensão do quadro atual e o que se configura para o futuro próximo sobre a mudança do clima colocam agora os holofotes sobre a terceira parte da avaliação, a ser lançada na primeira semana de abril e que dirá qual espaço de soluções está disponível para manter uma trajetória de enfrentamento do aquecimento global condizente com a meta consensuada no Acordo de Paris.
A urgência de abordar soluções está claramente documentada nas contribuições do Grupo Consultivo para Crise Climática (CCAG), que reúne cientistas de diferentes regiões e áreas do conhecimento. O CCAG elucida uma estratégia baseada inicialmente em três ‘R’: reduzir emissões, remover CO2 da atmosfera e reparar componentes do sistema climático próximos a um ponto de não-retorno (por exemplo, com a conservação da Amazônia, manutenção das superfícies congelados no Ártico). A estratégia foi acrescida por um quarto ‘R’: resiliência. Como construir sociedades cujo desenvolvimento seja baseado em sustentabilidade e resiliência frente aos impactos de um clima em transição.
O CCAG também reforça a necessidade de reconstruir a confiança entre os países no âmbito das negociações internacionais. A última Conferência das Partes (COP) da Convenção do Clima, em Glasgow, em 2021 avançou em alguns aspectos, mas também demonstrou fraturas significativas, como financiamento para uma transição justa e apoio aos países e grupos sociais mais vulneráveis, que precisam urgentemente avançar em soluções concretas para com uma crise de tal magnitude. Já temos décadas de debates e negociações e o tempo que nos resta é exíguo para moldar a transformação que é necessária.
Um novo modelo de governança que reconheça os nossos desafios como humanidade, mas também, os diferenciados contornos locais para enfrentar este cenário deve ser estruturado. Os próximos anos – não mais décadas – serão definidores, em larga escala, do legado que passaremos aos mais jovens.
Sobre a autora | Mercedes Bustamante é bióloga professora e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) e membro brasileira do Grupo Consultivo para Crise Climática (CCAG).
(Fonte: Agência Bori)