A escalada de exploração predatória vem impactando a construção e as características da meteorologia de povos e comunidades tradicionais da Amazônia. É o que aponta estudo publicado no Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Humanas na segunda (15). A pesquisa baseia-se em entrevistas e observação participante com a população agricultora e pescadora do quilombo Mocambo, em Ourém, no estado do Pará, a fim de avaliar sua percepção sobre variabilidade e mudanças climáticas no local.
Além da indústria de mineração de seixo, o intenso fluxo de caminhões e carretas para o escoamento da produção tem gerado uma reação em cascata: a destruição de nascentes, a contaminação de igarapés e o assoreamento do rio Guamá impactam o modo de vida no território quilombola. Esses são também lugares de memória, de convívio entre humanos e não humanos, como insetos e vegetais, cujo comportamento pode inclusive se relacionar a determinado padrão atmosférico, sendo uma referência para as observações meteorológicas.
A meteorologia popular é uma expressão da conexão dos povos de Ourém (PA) com a natureza. Ela também expressa, além de crenças religiosas, conhecimentos baseados em aspectos meteorológicos, fotometeorológicos, astronômicos, hidrológicos e pedológicos. Segundo a pesquisadora Lene da Silva Andrade, especialista em Gestão em Sistemas Agroextrativistas para Territórios de Uso Comum na Amazônia (GESAM) da Universidade Federal do Pará (UFPA), mestranda no Programa de Pós-Graduação em Diversidade Sociocultural (PPGDS) do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e uma das autoras do estudo, esses conhecimentos, apoiados no convívio e na acurada observação do meio ecológico e atmosférico, garantiram e garantem a manutenção das diversas formas de vida e das atividades produtivas da comunidade.
“Em muitas atividades produtivas, como no caso da agricultura ou pesca de subsistência, extremamente dependentes do tempo e clima, esse ‘tempo ambiental’ (e observado) pauta muitas das atividades realizadas no decorrer da preparação da terra, plantio e colheita da mandioca, por exemplo”, afirma. Andrade também pontua que as comunidades locais são integradas por pessoas pretas, procedentes da diáspora africana, trazidas para Amazônia para o trabalho forçado, sobretudo para o duro trabalho agrícola, e tiveram que conhecer e se adaptar ao tempo e clima amazônico talvez bastante distinto de suas terras natais.
De acordo com Andrade, compreender outras formas de interpretação da dinâmica dos fenômenos atmosféricos, oriundos de pessoas pretas, cuja existência e saberes são frequentemente desconsiderados, é um passo importante para a valorização dessas comunidades. As questões climáticas, que têm um vínculo direto com os impactos ambientais antrópicos, estão no centro dos debates internacionais. Neste sentido, a diversidade de conhecimentos, sejam sistemáticos ou oriundos da tradição dos povos locais, pode representar um importante papel no gerenciamento dos efeitos do tempo e do clima, bem como na mitigação e adaptação a impactos provocados por variações e mudanças atmosféricas.
O estudo também apresenta como a meteorologia popular pode ainda inspirar e nutrir a busca por novas pesquisas. O conhecimento local é uma boa ferramenta e fonte de estudos, com grande importância também no monitoramento climático da Amazônia. No entanto, ainda há poucos dados observacionais procedentes de estações meteorológicas que abastecem a modelagem do tempo e clima na região. “Essas ausências de dados influenciam nos resultados de análises e predições desses modelos atmosféricos matemáticos. O conhecimento empírico local, mais do que validar resultados de modelos, é uma forma de análise e previsão do tempo e clima. Talvez ele necessite da devida valorização e conhecimento nos meios de pesquisa e acadêmicos para assumir o devido protagonismo, inclusive em debates que pautam essa temática”, aponta a pesquisadora.
(Fonte: Agência Bori)