Anúncios de empregos podem apresentar elementos de opressão de raça, ainda que sutilmente, em expressões como ‘boa aparência’ e ‘boa higiene’, perpetuando um ideal de trabalhador branco. Como contrapartida positiva, há iniciativas de empregabilidade que pensam ações afirmativas para homens e mulheres negros. A observação é de estudo publicado na sexta (26) na revista “Cadernos EBAPE.BR”.
Os pesquisadores buscaram anúncios que continham, entre os requisitos, a expressão “boa aparência”, considerada por estudos anteriores como um eufemismo para negar características presentes no fenótipo negro, como cabelos crespos e traços negroides. Ao todo, encontraram 285 anúncios de empregos publicados nas plataformas LinkedIn, Catho, Vagas.com e Trovit que caracterizavam, de alguma forma, que se prefere os brancos em detrimento dos negros. A partir da teoria decolonial e da problematização de estigmas sociais da população negra, sintetizaram de que maneira algumas expressões podem mascarar o racismo.
Com o trabalho, os autores reafirmam a discriminação racial no mercado de trabalho e destacam movimentos de Resistência, apresentando quatro iniciativas de empregabilidade negra. O estudo foi publicado em chamada especial para os artigos científico dentro da temática “Debatendo a escravidão negra nos Estudos em Gestão e Organização”, a partir de perspectivas decoloniais e afrodiaspóricas.
“A teoria decolonial fala que, além de compreendermos como o colonialismo se manifesta nas nossas relações, também precisamos pensar sobre as formas de resistência, para que assim possamos avançar em prol de uma sociedade menos discriminatória”, explica Ana Flávia Rezende, docente da Universidade Federal de Ouro Preto e uma das autoras do estudo. A pesquisadora, que assinou o estudo enquanto era docente da Fundação Dom Cabral, juntamente com o professor Luís Fernando Silva Andrade, que assinou o estudo pela Unesp, observam que, se por um lado a teoria decolonial desumaniza com base na diferença de raça, gênero e outros marcadores, essa mesma diferença pode ser mobilizada para gerar igualitarismo.
Como exemplos, o trabalho traz quatro iniciativas de empregabilidade negra: EmpregueAfro, Indique, Afro Presença e Afro Oportunidades. “Temos aqui um ponto interessante para análise, porque muitas empresas falam ‘Ah, eu não contrato porque eu não acho profissional qualificado’ e agora elas podem mudar esse discurso, porque tem empresas especializadas em fazer o mapeamento dos profissionais qualificados”, pontua a pesquisadora.
Rezende acredita que o artigo contribui para fortalecer as discussões sobre o tema na academia dentro da área de Administração e para apresentar possibilidades de mudança, o que, segundo ela, fomenta políticas públicas e de mercado. Ela identifica que alguns movimentos já estão sendo feitos por empresas, ainda que o cenário esteja longe do ideal. “Seja por pressão externa, políticas institucionais ou para atender o discurso de responsabilidade social corporativa, elas começam a criar esses programas, o que eu particularmente acho fantástico”, afirma. Os autores continuam pesquisando temas que envolvem a população negra e o direito à cidade e trabalham agora em um projeto que pensa na formação de pessoas egressas do sistema prisional e seu reingresso ao mercado de trabalho. “E aí o recorte racial também aparece, porque as pessoas que mais são presas no Brasil são as negras”, conclui.
(Fonte: Agência Bori)