Quando o tradicional chá das cinco tem início em solo inglês, os ponteiros em Registro, no interior paulista, ainda marcam duas da tarde. Parece inusitado, mas a Inglaterra está para o chá assim como Registro está para São Paulo. Desde 1984, por meio da Lei nº 4.067/84, a Alesp reconhece o município do Vale do Ribeira com o título honorário de “Capital Estadual do Chá”.
“A cultura do chá é muito importante para Registro”, afirma Nilton Hirota, prefeito da cidade. De acordo com o mandatário, o chá não só é uma atividade econômica sustentável, como representa, também, enorme valor histórico para o município. “A história do chá remete à imigração japonesa na região e tem o seu papel no desenvolvimento local”, diz Hirota.
Registro é um dos poucos municípios do Estado de São Paulo a receber não um, mas dois títulos honorários reconhecidos por Lei. Além de “Capital do Chá”, a cidade é oficialmente “Marco da Colonização Japonesa”, nos termos do Decreto nº 50.652/2006. Chá e cultura japonesa, como veremos em seguida, cruzam-se e se complementam na história do município do Vale do Ribeira.
Origens do chá no Brasil
Apesar do estereótipo de que os ingleses são aficionados por chá, quem levou a bebida para a Inglaterra, na verdade, foi Catarina de Bragança, filha de um rei português que, por arranjo aristocrático, casou-se com Carlos II. Partindo de Portugal, em 1662, Catarina fez questão de levar folhas de chá na embarcação.
Anos depois, já no século XIX, a corte portuguesa desembarcava no Brasil. E, mais uma vez, os portugueses tentaram emplacar o chá num solo estrangeiro. Em Portugal, vale dizer, o hábito do chá foi incorporado em razão da colonização portuguesa na Ásia. O intercâmbio comercial e cultural com os chineses explica a existência de mudas de chá e o apreço pela bebida entre portugueses.
“O chá no Brasil chegou pelos portugueses, quando Dom João VI instituiu o governo provisório. Ele trouxe mudas de chineses e fizeram uma experiência no jardim botânico do Rio de Janeiro. Só que não vingou. O chá só veio a vingar no Brasil quando chegaram os japoneses, 100 anos depois”, explica Carla Saueressig, presidente da Associação Brasileira do Chá (abChá).
Chá e cultura japonesa
É com a imigração japonesa que a história do chá no Brasil se encontra com a tradição de Registro. De acordo com o prefeito Nilton, os caminhos se cruzam a partir da chegada de Torazo Okamoto, imigrante japonês, em 1913. “Regressando de uma viagem a navio, ele trouxe do Sri Lanka as primeiras mudas de chá da variedade Assam”, explica Hirota.
Ao se instalar em Registro, Torazo inaugurou uma cultura que viria a crescer vertiginosamente com o passar das décadas. “Registro chegou a ter quarenta fábricas de chá. Era um grande exportador das commodities para chá gelado”, diz Carla Saueressig.
Honrando o título honorário de “Marco da Colonização Japonesa”, Registro mantém vivas as raízes do Japão. “Os eventos de tradição japonesa se fazem presentes na cidade há décadas, como os festivais de Bon Odori, Tooro Nagashi e a Festa do Sushi”, destaca o prefeito Hirota.
Realizado no feriado de Finados, em 2 de novembro, o festival de Tooro Nagashi ocupa um espaço especial no folclore local. “Com dois dias de evento, [o Tooro Nagashi] atrai cerca de 25 mil visitantes por noite e acontece há mais de 60 anos no município”, destaca Nilton.
Tradição adormecida
Por uma série de fatores, no entanto, a cidade começaria a perder seu espaço na produção das mudas de chá. A competição com mercados estrangeiros, como a Argentina, começou a pesar. “O chá teve uma participação significativa na economia local entre as décadas de 70 e 80, decaindo na década de 90”, diz o prefeito Hirota.
Hoje, a bem da verdade, o chá não é sequer a principal produção agropecuária de Registro. De acordo com o Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), a banana e o palmito são os principais produtos do município.
Apesar de a cultura e produção do chá terem arrefecido, o trono de Registro no ramo não foi desbancado por nenhum outro concorrente nacional. Conforme apurado pela reportagem, Registro exportou mais de 68 milhões de dólares em chá entre 1997 e 2023, período disponível na base de dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Com o montante, a cidade permanece como a maior produtora de chá do país.
O chá no mundo
Segundo o balanço comercial da Secex, Estados Unidos, Chile e Reino Unido foram os principais destinos dos chás produzidos em Registro. A demanda mundial pela bebida é enorme. De acordo com um levantamento do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IIDS), o chá é simplesmente a segunda bebida mais consumida do mundo depois da água: são três bilhões de xícaras consumidas diariamente.
Ao redor do globo, cada cultura o incorporou com características próprias. Apesar do estereótipo, os ingleses sequer são os maiores consumidores de chá do mundo: segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Turquia é o maior consumidor global per capita; os indianos, por sua vez, são os maiores consumidores em termos absolutos, seguidos pela China.
Quanto aos brasileiros, a cultura do chá ainda busca se estabelecer. Segundo um estudo do Sebrae, o brasileiro consome, na média, 10 xícaras de chá por ano. De acordo com a consultoria Euromonitor, entretanto, o mercado tem potencial de crescimento, dado que o consumo de chás no Brasil cresceu 25% entre 2013 e 2018. Segundo a consultoria, em 2019, o segmento movimentou mais de R$2 bilhões.
(Fonte: Juliano Galisi, sob supervisão de Cléber Gonçalves/Alesp)