O segundo turno das eleições na Argentina, recentemente realizado, foi marcado por um espetáculo tecnológico onde a Inteligência Artificial (IA) não apenas desempenhou um papel significativo, mas se tornou a espinha dorsal de estratégias políticas nunca antes vistas. Não se limitando à produção de deepfakes e conteúdos manipulados, a IA foi empregada de maneira abrangente, desde a análise minuciosa do eleitorado até a micro segmentação do público-alvo, incluindo o estudo aprofundado dos movimentos emergentes dos eleitores. Neste contexto, o escândalo da Cambridge Analytica nos EUA e Reino Unido parece ser um mero prólogo diante da magnitude e complexidade dos avanços tecnológicos que influenciaram as eleições argentinas. Este evento, longe de ser apenas uma novidade pontual, representa uma advertência crucial para o Brasil, destacando a necessidade iminente de medidas rigorosas para regulamentar o uso da IA nos processos eleitorais brasileiros. Ignorar essa questão pode representar uma ameaça severa à integridade de nosso frágil sistema democrático.
A utilização da IA nas eleições argentinas transcendeu os limites convencionais de manipulação de conteúdo. Foi um exame minucioso e preditivo das preferências eleitorais, possibilitando uma segmentação ultra precisa do eleitorado. O desenvolvimento de estratégias altamente personalizadas baseadas em dados, combinado com a disseminação de informações manipuladas, sinaliza um novo patamar de influência tecnológica nos processos democráticos. Se não forem implementadas medidas imediatas para regulamentar essa prática no Brasil, enfrentaremos o risco iminente de minar a confiança pública, comprometer a legitimidade do processo eleitoral e, consequentemente, colocar em perigo a saúde de nossa democracia.
A profunda complexidade da regulamentação da IA: alerta do Senado dos EUA
Durante o testemunho no Congresso dos Estados Unidos, o CEO da OpenAI, Sam Altman, alertou enfaticamente que o uso das IAs para comprometer eleições é preocupante. Ele ressaltou que a IA não é apenas uma ferramenta para produzir conteúdo manipulado, mas também, um ecossistema complexo capaz de analisar e manipular dados para influenciar a opinião pública e as decisões políticas. A autonomia dos sistemas de IA na segmentação de eleitores levanta questões éticas profundas, alimentando estratégias personalizadas baseadas em informações muitas vezes enviesadas. O impacto não reside somente na disseminação de informações distorcidas, mas também na manipulação das percepções coletivas – uma verdadeira ameaça à integridade dos processos democráticos.
A necessidade inadiável de regulamentação responsável da IA em processos eleitorais
A discussão sobre a regulamentação da IA nos processos eleitorais não é mais um mero debate acadêmico. É uma necessidade urgente para preservar a integridade dos sistemas democráticos. A falta de regras claras e éticas pode corroer a confiança pública, minar a legitimidade do processo eleitoral e colocar em risco os fundamentos de nossas democracias. É crucial, mais do que nunca, que governos, organizações e a sociedade civil unam esforços para estabelecer estruturas regulatórias sólidas visando um uso ético e transparente da IA em processos eleitorais. Ignorar essa necessidade é arriscar o futuro de nossos sistemas democráticos diante do avanço tecnológico desenfreado.
O chamado à ação após o COMPOL 2023
O último COMPOL 2023, realizado em Belo Horizonte no início de novembro, evidenciou a profunda preocupação e até mesmo uma inquietante apreensão por parte do mercado dos operadores de comunicação política e eleitoral, marketeiros, jornalistas, juristas e da comunidade acadêmica. Durante o evento, ficou claro que há um consenso unânime entre todas as forças atuantes desse mercado: o uso desenfreado da Inteligência Artificial (IA) nas eleições representa um risco real para a democracia brasileira. Essa preocupação levou à concepção das bases para a criação do IRIA – Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial.
O IRIA surge com o objetivo primordial de instigar um amplo debate nacional sobre a regulamentação do uso da IA nos processos eleitorais. Além disso, busca impulsionar a formação de uma força-tarefa composta por especialistas de diversas áreas visando à criação de mecanismos mínimos que garantam a ética nos processos eleitorais. A iniciativa está direcionada não somente para alertar sobre os riscos, mas para propor soluções e promover ações concretas que fortaleçam a integridade e a transparência do sistema democrático brasileiro.
O lançamento da IRIA foi um marco essencial para sensibilizar e mobilizar todos os envolvidos na esfera da comunicação política e eleitoral. É o início de um movimento coletivo para proteger os alicerces da democracia, reconhecendo a urgência de agir diante dos desafios impostos pelo avanço da IA. Resta-nos, agora, avançar em conjunto na construção de um ambiente eleitoral ético e confiável, refletindo a responsabilidade coletiva em preservar os princípios democráticos fundamentais para o Brasil.
Marcelo Senise é idealizador do Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial, sócio fundador da Comunica 360º. Sociólogo e marqueteiro, atua há 34 anos na área política e eleitoral, especialista em comportamento humano, em informação e contrainformação, precursor do sistema de analise em sistemas emergentes e Inteligência Artificial. Instagram: @marcelosenise.
(Fonte: Marcelo Senise)