Ao longo de seis décadas, o Brasil tem reduzido as populações de peixes que habitam a costa do país, por conta do impacto das pescas em recifes. A constatação foi feita pelo grupo ReefSyn, que reúne pesquisadores de nove universidades públicas brasileiras, entre elas, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a partir da análise de um banco de dados de pesca em recifes de 1950 e 2015. Os principais diagnósticos da pesca predatória no Brasil estão descritos em artigo científico publicado no dia 2 de janeiro na revista “Reviews in Fish Biology and Fisheries”.
O trabalho identificou 110 espécies de ecossistemas de recifes no desembarque de pescarias neste período. Só em 2015, aproximadamente 50 mil toneladas de peixes de espécies com valor comercial foram pescadas, entre elas, budiões (gênero Sparisoma), vermelhos e guaiubas (gênero Lutjanus). A região Nordeste foi a que mais capturou peixes recifais no período, seguida pelas regiões Sudeste e Norte. A falta de gerenciamento e de fiscalização da atividade pesqueira, segundo os pesquisadores, provocou o declínio de várias populações de peixes principalmente a partir dos anos 2000, momento em que houve um pico de capturas destas espécies.
O estudo também identificou que, ao longo dos anos, cada vez mais espécies passaram a ser capturadas pelos pescadores. “Elas têm as mais variadas funções e importância dentro dos ecossistemas”, alerta Mariana Bender, bióloga do Departamento de Ecologia e Evolução da UFSM e autora sênior do artigo.
Os pesquisadores também identificaram, nas quatro regiões estudadas, de norte a sul do país, um processo conhecido no meio científico como pesca através da cadeia alimentar – onde se capturam desde organismos predadores de topo até os que ocupam níveis inferiores na teia alimentar. “Ao longo desses 65 anos, as pescarias atingiram também peixes herbívoros, como é o caso dos budiões no Nordeste, além de peixes de tamanho pequeno”, comenta a autora. “Estamos explorando uma grande variedade de espécies, consumindo praticamente todo e qualquer recurso marinho, sem reconhecer os efeitos da perda da biodiversidade”.
O impacto da pesca predatória no Brasil tende a ser pior do que o abordado pela pesquisa, pois não há dados governamentais atualizados sobre a atividade após 2015. Sem eles, é impossível entender, por exemplo, o fluxo comercial da pesca em recifes. “Sabemos que o mercado internacional tem impulsionado o aumento da atividade pesqueira e a quantidade de espécies pescadas. Um dos principais países importadores são os Estados Unidos, mas não temos detalhamentos importantes, como as espécies mais exportadas em cada região”, pontua Bender. O número de pescadores associados diretamente aos ecossistemas recifais também não está disponível.
O Brasil possui mais de oito mil quilômetros de costa heterogênea e 4,5 milhões de quilômetros quadrados de Zona Econômica Exclusiva (ZEE), um recorte territorial de domínios marítimos mantidos sob soberania territorial nacional conhecido como “Amazônia Azul”. Apesar da extensão territorial e da importância dos recursos marinhos para a população que vive nas regiões costeiras, o país não tem, tradicionalmente, uma continuidade de investimentos para a proteção oceânica. Estimativas de estudos recentes apontam que apenas 4% desse território conta com algum grau de proteção ambiental.
O estudo alerta para a necessidade urgente de políticas regionais para o gerenciamento da pesca, já que os recifes brasileiros possuem características distintas em cada área do país. Segundo os pesquisadores, dados atualizados sobre a pesca recifal no Brasil são fundamentais para a gestão da atividade – e, consequentemente, para a proteção da biodiversidade dos recifes. Por isso, eles enfatizam a necessidade de investimento por parte do governo na obtenção, sistematização e integração destas informações em todo o país.
(Fonte: Agência Bori/Coleção Ressoa Oceano)