O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está colaborando para a promoção de um novo modelo de luta pela democratização do acesso à terra que leva em conta as necessidades de adaptação geradas pela crise climática. A conclusão é de uma pesquisa realizada por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) publicado nesta sexta (15) na revista científica “Desenvolvimento & Meio Ambiente”.
Para investigar as possíveis influências das mudanças climáticas nas disputas sociais e políticas, os cientistas realizaram um estudo de caso no assentamento Mário Lago, em Ribeirão Preto, São Paulo, regulamentado como assentamento de reforma agrária desde 2008. Em abril de 2022, foram entrevistadas 16 pessoas que habitam o local ou atuam em projetos no assentamento há mais de cinco anos, além de um promotor de justiça envolvido com o processo de ocupação da área onde antes operava a Fazenda da Barra.
As perguntas envolveram motivações, experiências e pretensões dos assentados e acampados quanto à terra ocupada. “Em certos momentos, os entrevistados mobilizaram argumentos vinculando as necessidades sociais e econômicas do município à proposta de reforma agrária popular, enquanto, em outros, se colocaram como defensores da natureza, expressando formas de afeto pela terra e a necessidade de protegê-la”, pontua José Caio Quadrado Alves, pesquisador e autor do estudo.
De acordo com os relatos e documentos oficiais investigados pelos autores, as preocupações de cunho ecológico com a área que viria a se torna o assentamento estão presentes desde dos anos 1990, quando o Ministério Público constatou diversas irregularidades ambientais na área então ocupada pela Fazenda da Barra – incluindo supressão de vegetação e risco de contaminação do Aquífero Guarani, recurso importante para o abastecimento hídrico do município. Segundo o artigo, esse contexto pode ter tido papel decisivo para a concessão das terras ao MST.
O discurso de preservação ambiental foi transformado em ação desde o início das atividades do movimento social no local, com implementação de práticas agroecológicas e de proteção do Aquífero Guarani e criação de áreas de reserva legal para preservar a vegetação nativa.
Segundo Alves, casos como o estudado demonstram a relevância do MST na renovação do debate por distribuição justa de terras e direitos em tempos de crise climática. “Ao reivindicar a terra não como simples apropriador de recursos, mas como protetor dos bens naturais, preservando um bem-comum de interesse global e das populações locais, o MST instaura o debate da conservação em todo território nacional. Ele proporciona, assim, maior protagonismo às pautas ambientalistas nas diversas arenas políticas”, complementa o pesquisador, salientando o alcance nacional do MST, movimento que luta pela democratização do acesso à terra desde 1984.
O trabalho ilustra o impacto que as emergências climáticas têm tido sobre as lutas sociais e, inclusive, traz efeitos positivos na discussão política. “Ao permitir que aqueles que mais sofrem com o modelo econômico capitalista e as mudanças climáticas tenham voz, talvez possamos ver o ambientalismo ou o ecologismo se tornar central na forma como escolhemos nossos representantes, na estruturação de políticas públicas e na maneira como pensamos o futuro”, reflete Alves.
Os próximos passos da pesquisa envolvem entender a interação dos assentados e acampados com a biodiversidade local e a atuação do MST na formação de alianças e na construção de políticas municipais.
(Fonte: Agência Bori)