Por Eduardo Bessa — A fuga de cérebros brasileiros para o exterior é um problema conhecido e que retorna regularmente às manchetes dos jornais do país. Estimava-se que o Brasil tenha perdido 6,7 mil pesquisadores entre 2015 e 2022. Pouco se fala, no entanto, que também existe uma migração de cientistas estrangeiros para instituições de pesquisa brasileiras que ajuda a construir a ciência brasileira.
Esse é o caso dos doutorandos Manuel de Jesus Borges, de Cabo Verde, e Perla Bahena, do México. Manuel narra, emocionado, sua partida de Cabo Verde, onde nasceu e passou sua infância e adolescência. “Sempre acreditei no poder da educação, sempre procurei aprender, mesmo perante adversidades”. Em 2016, Manuel deixou família e amigos para trás e foi para o Ceará cursar Biologia na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Hoje, ele está iniciando o doutorado em Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), mesma instituição onde cursou seu mestrado.
A mexicana Perla, doutoranda pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Sorocaba, insistiu por dois anos até vir ao Brasil, em 2018, com uma bolsa Conacyt. Ela queria tanto viajar e conhecer pessoas e culturas novas, quanto explorar metodologias de pesquisa e a biodiversidade brasileira. Sua pesquisa aborda peixes de riacho da Mata Atlântica paulista. A saúde sempre faz Perla pensar em voltar para o México, seja durante a pandemia, seja uma internação por pancreatite em 2022. “Fui tomada pelo medo de morrer longe da minha família”. Perla considera voltar ao México depois que defender seu trabalho na universidade no final deste ano, mas não nega que gostaria de se estabelecer no Brasil. O vínculo dela com o país se aprofundou no início de 2024 com o nascimento de sua filha, Emily.
Semelhante aos emigrados do Brasil para o exterior, pesquisadores que se mudaram para cá sofrem com a saudade de casa e com contrastes culturais. Curiosamente, o que os atrai para o Brasil se parece com o que leva nossos cientistas a ir embora: estabilidade econômica, condições sociais e científicas e oportunidades profissionais. Isso mostra que há um enorme espectro de condições de vida para cientistas em todo o mundo.
Um edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) trouxe nove pesquisadores de zonas de conflito como Ucrânia e Síria para atuarem no estado do Rio de Janeiro em 2023. A nova lei de migração, de 2017, facilitou a entrada, o exercício profissional e a decisão de permanecer no Brasil para cientistas estrangeiros. O Programa do Grupo de Cooperação Internacional de Universidades Brasileiras (GCUB) recebeu mais de 1500 inscritos em 2022 e trouxe quase 300 cientistas. Este programa oferece também oportunidades direcionadas, como 480 vagas para pós-graduandos da América Latina e Caribe e 120 para Moçambique em mais de 40 instituições brasileiras. Só na UnB, entre 2016 e 2022, 391 cientistas estrangeiros tiveram interesse em desenvolver suas pesquisas por aqui. Esse valor corresponde a um terço do volume de brasileiros indo ao exterior.
Não há dúvida que a ciência brasileira tem um longo caminho a percorrer em busca de excelência. Ainda abrimos vagas para apenas 5% dos doutores formados no Brasil, os financiamentos a projetos são disputados e a remuneração de cientistas é baixa em comparação com outros países e com categorias com menor escolaridade no país. No entanto, nossas condições atuais são atraentes para alguns cientistas estrangeiros que têm muito a contribuir com o desenvolvimento brasileiro e que devem ser bem recebidos para permanecerem por aqui.
Sobre o autor | Eduardo Bessa é pesquisador de ecologia da Universidade de Brasília (UnB).
(Fonte: Agência Bori)