Ações e medidas do governo brasileiro contradizem compromissos assumidos pela mitigação climática e prejudicam a sua liderança no cenário ambiental global. O alerta é de pesquisadores vinculados a 20 institutos de pesquisa brasileiros e estrangeiros, em carta publicada na quarta (21) na revista científica NPJ Biodiversity, que é do grupo Nature. Eles esperam um posicionamento e compromisso mais fortes do país para a COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), em 2025, em Belém. Assinam o texto cientistas de institutos como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e de universidades como as federais do Tocantins (UFT), de Minas Gerais (UFMG) e de Brasília (UnB), além de instituições do Reino Unido, dos Estados Unidos e de Portugal.
Os pesquisadores pedem engajamento e compromisso do governo para conter e mitigar as crises climática e socioambiental. Para eles, há um abismo entre o discurso do país no cenário internacional e suas ações concretas no contexto interno.
O governo brasileiro restabeleceu a agenda ambiental através dos esforços do Ministério do Meio Ambiente com a promessa de reduzir em 48% as emissões de gases de efeito estufa até 2025 e 53% até 2030, segundo anunciado em novembro de 2023, na COP 28. Ao mesmo tempo, segundo analisa a carta, algumas entidades governamentais, como o Ministério dos Transportes e o Ministério de Minas e Energia, continuam a promover projetos com impactos enormes sobre a biodiversidade e o clima. Em dezembro de 2023, por exemplo, o Brasil entrou para o grupo OPEP+ de países produtores de petróleo e gás e leiloou 602 blocos de perfuração em nove bacias sedimentares ameaçando 20 terras indígenas, zonas de amortecimento e 15 áreas protegidas. “Tínhamos uma expectativa de que o Brasil assumiria compromissos mais sérios e que daria mais ênfase aos desafios que estamos enfrentando no país, como a grande perda de vegetação nativa e eventos extremos frequentes, como as ondas de calor intenso, secas e enchentes”, afirma a pesquisadora da UFT Flávia de Figueiredo Machado, que lidera a carta.
Em 2023, o Brasil diminuiu as taxas de desmatamento nas florestas Amazônica (50%) e Atlântica (59%). No entanto, segundo os pesquisadores, outros biomas, principalmente aqueles com vegetação não florestal, estão sofrendo grandes perdas e não têm recebido a devida atenção. Particularmente o Cerrado, que sofreu um aumento do desmatamento de 66% de 2018 a 2023, e o Pantanal, onde a cobertura vegetal diminuiu 58% no mesmo período. Em todo o país, enfatizam os especialistas, essa perda de vegetação, impulsionada principalmente pela expansão da pecuária e do agronegócio moderno, tem agravado o impacto de enchentes e secas extremas causadas pelo El Niño e intensificadas pelas mudanças climáticas. “Nos discursos internacionais, o governo brasileiro vem dando muita ênfase para a preservação da Amazônia que, claro, é necessária, mas está deixando de lado os outros biomas”, avalia Machado. Para a pesquisadora, essa abordagem põe em risco até a floresta amazônica. “Se não dermos atenção aos outros biomas, a Amazônia vai sofrer muito, como a gente já tem visto acontecer. Sem os outros, a floresta não fica em pé”.
Para os pesquisadores, o interesse econômico está se sobressaindo sobre a preocupação ambiental. E se espera do Brasil uma posição diferente, principalmente considerando que o país sediará a COP 30, que acontece em 2025 em Belém. “O Brasil precisa abandonar discursos vagos e começar a ter um posicionamento e compromisso mais sérios na questão ambiental”, afirma Machado. “Esperamos que até a COP o governo tenha ações mais concretas em direção a uma agricultura sustentável e regenerativa, investindo em outras formas de economia”, finaliza.
(Fonte: Agência Bori)