Há 66 milhões de anos, quando dinossauros dominavam a paisagem terrestre, um meteoro caiu na região onde hoje está situada a Península de Yucatán, no México. O evento eliminou cerca de 75% de todas as espécies que habitavam o planeta, resultando no quinto episódio de extinção em massa da Terra. Se, por um lado, o cataclismo encerrou de forma abrupta e violenta o reinado de algumas espécies, que perdurava havia milhões e milhões de anos, também serviu como catalisador para o processo evolutivo de muitas outras. Esse foi o caso do ancestral das formigas cortadeiras, que, em meio à destruição, passou a se alimentar e desenvolver uma relação mutualística com algumas espécies de fungos.
Um artigo publicado na revista científica Science traz os resultados de um amplo estudo que analisou informações genéticas de centenas de espécies de fungos e formigas com o objetivo de reconstruir a história evolutiva desses dois grupos, reputados como importantes exemplos de relações de mutualismo e de interdependência. O trabalho contou com a participação de pesquisadores do Instituto de Biociências da Unesp (IB-Unesp), campus de Rio Claro, que atuaram em conjunto com uma equipe internacional de colaboradores do Museu Nacional de História Natural dos Estados Unidos.
Também chamados de formigas agricultoras, os insetos capazes de cultivar fungos pertencem à tribo das Attini. O representante mais conhecido dessa tribo no país é a saúva, capaz de formar ninhos que chegam conter até 7 milhões de indivíduos e que é temida por alguns como praga agrícola. Como o próprio nome indica, as formigas cortadeiras são capazes de seccionar pedaços de folhas e galhos e transportá-los para o interior de suas colônias com o objetivo de cultivar um fungo que constitui sua única fonte de alimento. “Buscamos nesse estudo responder às perguntas sobre quando teve início o cultivo de fungos por esse grupo de formigas”, conta André Rodrigues, pesquisador do IB-Unesp. “Esses insetos se alimentam exclusivamente dos fungos que cultivam, dependem deles para a sua sobrevivência. E o fungo também depende delas para fins de proteção e alimentação, que ocorre por meio do substrato que a formiga coleta e transporta até ele. Isso é um exemplo de mutualismo obrigatório”, explica Rodrigues.
“As formigas praticam a agricultura e o cultivo de fungos desde muito antes que os humanos existissem”, diz o entomólogo Ted Schultz, curador de formigas do Museu Nacional de História Natural e primeiro autor do artigo. “Provavelmente, poderíamos aprender algo com o sucesso delas na agricultura ao longo dos últimos 66 milhões de anos”, diz.
O primeiro registro de formigas que cultivam fungos foi feito pelo naturalista Fritz Müller, em 1874, em uma carta endereçada a Charles Darwin na qual relatou o comportamento dos insetos. O esforço para conseguir reconstruir a história dessa relação ganhou fôlego em 1994 com a publicação do primeiro artigo abordando o tema, do qual Schultz também foi um dos autores. Desde então, os pesquisadores interessados em esmiuçar os capítulos dessa história evolutiva têm se unido ao grupo e colaborado por meio de análises e coletas de formigas e fungos. É dessas três décadas de colaboração que resultou o novo artigo, intitulado The coevolution of fungus-ant agriculture. O estudo conseguiu demonstrar, com alto grau de confiança, que a história comum dos dois grupos sofreu uma aceleração há 66 milhões de anos, provavelmente devido às consequências do impacto do meteoro.
Para o estudo, os pesquisadores conduziram análises genéticas de 276 formigas e 475 fungos. Trata-se da maior investigação sobre os fungos cultivados por formigas já empreendida. Até agora, conhecia-se muito pouco das mutações genéticas encontradas nos microrganismos. “A história evolutiva das formigas era muito mais conhecida, porque os entomologistas conseguiam coletar os insetos e estudar suas morfologias”, explica Rodrigues. “Porém, é muito difícil fazer o mesmo com os fungos cultivados pelas formigas, porque eles permanecem em estágios muito iniciais, quando se mostram apenas como pontinhos brancos. Então, mesmo ao microscópio, é difícil observar as diferentes características morfológicas”, diz. Outra dificuldade é que, normalmente, quando os cientistas iam a campo se limitavam a coletar exemplares de formigas e deixavam de lado os fungos, resultando em coleções incompletas e cheias de lacunas.
Para solucionar o problema, o grupo liderado por Schultz definiu práticas de coleta específicas que deveriam ser seguidas por todos os pesquisadores que fossem a campo. A padronização, além de permitir ampliar as coleções e viabilizar o estudo, também assegurou uma coleta adequada dos indivíduos, independentemente do local e do grupo que realizasse a atividade. No Brasil, as equipes foram a campo e colaboraram com a pesquisa graças ao projeto temático Fapesp, dentro do Programa Biota, coordenado por Rodrigues. Leia a reportagem completa no Jornal da Unesp.
(Fonte: Assessoria de imprensa Unesp)