
Ao centro, a poltrona Sobreiro, do Estúdio Campana; nas laterais, a cadeira Portuguesa, de Claudia Moreira Salles. Fotos: Divulgação.
A exposição ‘Um Lugar – Cadeiras Brasileiras Contemporâneas’ não se limita a uma mostra de design. A iniciativa amplia o olhar sobre a produção autoral brasileira e democratiza o acesso à cultura do design e da arquitetura, evidenciando o mobiliário como expressão de identidade, funcionalidade e experimentação estética. Idealizada pelos designers e empreendedores Pedro Luna e Gabriel De La Cruz, a mostra integra a programação como um dos eventos âncora do DW! Semana de Design de São Paulo 2025 e acontece de 10 a 23 de março. Com curadoria da arquiteta Carolina Gurgel e consultoria da pesquisadora e crítica de design Adélia Borges, Um Lugar – Cadeiras Brasileiras Contemporâneas apresenta um recorte expressivo do design nacional, reunindo cerca de 50 cadeiras que transitam entre tradição e inovação. A seleção curatorial destaca a produção contemporânea dos últimos 20 anos (2005-2025), reafirmando a importância da cadeira como um dos objetos mais icônicos do design e da cultura material da humanidade.
A edição de 2025 amplia ainda mais a diversidade da produção brasileira, reunindo peças de 11 estados diferentes e apresentando 29 designers que não participaram da edição anterior. A mostra reforça seu compromisso em revelar novas perspectivas e abordagens no design, destacando a constante renovação e experimentação no setor. Entre os designers premiados e de reconhecimento internacional, estão Humberto Campana, do Estúdio Campana, referência global com peças nos acervos do MoMA e Centre Pompidou; Paulo Mendes da Rocha, ícone da arquitetura e do design brasileiro, reconhecido mundialmente pelo seu pensamento inovador e pela contribuição para a identidade do mobiliário nacional; Hugo França, pioneiro na reutilização de madeira, com obras em coleções e exposições internacionais; Cláudia Moreira Salles, nome consolidado no design brasileiro, com uma trajetória marcada pela precisão técnica e pela valorização dos materiais e Juliana Vasconcellos, destaque no design contemporâneo, cuja presença global reforça a força criativa do Brasil no cenário internacional.
Entre os estúdios consolidados no Brasil e com presença crescente no exterior, fazem parte da exposição o Metro Objetos, representado por Gustavo Cedroni e Martin Corullon; além de Pedro Luna e Gabriel De La Cruz, cujos trabalhos exploram novas narrativas e diálogos entre forma, ergonomia e identidade cultural.
O evento também evidencia uma nova geração de talentos, criadores que vêm expandindo as possibilidades do design nacional por meio da experimentação material e da exploração de novos conceitos para o mobiliário contemporâneo. Vinícius Schmidit investiga o uso do bambu, enquanto Luiz Solano inova com a aplicação do acrílico em suas criações. Assimply propõe um olhar sustentável ao integrar resíduos na concepção de suas peças. Novidário apresenta um projeto inovador utilizando placas feitas a partir de tampas de garrafa, explorando novas possibilidades para o reuso de materiais. Luisa Attab, Leo Ferreiro, André Grippi e Desyree Niedo também integram esse grupo de jovens designers que exploram novas abordagens, com soluções que equilibram técnica, materialidade e função. Além disso, alguns desses nomes são residentes da Galeria Metrópole, reforçando a sinergia entre criação e território.

Da esquerda para a direita, cadeiras dos designers Gustavo Bittencourt, Arthur Casas, Metro Objetos, Ilse Lang, Gabriel de La Cruz e Juliana Vasconcellos.
A cadeira como expressão do design e da cultura brasileira
Poucos objetos carregam tanto significado quanto uma cadeira. Esse elemento essencial desafia os designers tanto na estética quanto na ergonomia, exigindo um equilíbrio entre forma, função e inovação. Ao longo dos séculos, as cadeiras têm refletido o espírito de cada época e sociedade, incorporando avanços tecnológicos, transformações culturais e novas concepções estéticas. Muito além de sua função utilitária, elas simbolizam estilo de vida, pertencimento e relações sociais, acompanhando a evolução das formas e dos materiais.
No design moderno, peças icônicas como a Thonet No. 14 (1859), a Barcelona de Mies van der Rohe (1929) e a Eames Lounge Chair (1956) consolidaram-se como referências atemporais, traduzindo funcionalidade, conforto e inovação. Como observam Charlotte & Peter Fiell, autores do livro 1000 Chairs, “a cadeira é o artefato da era moderna mais desenhado, estudado e apreciado, tornando-se um elo entre estética, ideologia e sociedade”.
No Brasil, a produção modernista trouxe contribuições marcantes, consolidando uma linguagem autêntica e representativa do mobiliário nacional. A Poltrona Mole (1957), de Sergio Rodrigues, redefiniu a estética do mobiliário nacional com sua estrutura robusta e conforto extremo. Já a Cadeira Três Pés (1948), de Joaquim Tenreiro, inovou ao unir leveza e elegância ao design artesanal. Outro exemplo emblemático é a Cadeira Paulistano (1957), de Paulo Mendes da Rocha, reconhecida internacionalmente por sua simplicidade estrutural e sofisticação.
No contexto contemporâneo, a cadeira assume um caráter singular na evolução do design brasileiro, combinando criatividade, experimentação e herança artesanal. O diálogo entre tradição e inovação se manifesta na diversidade de propostas, desde o resgate de técnicas artesanais até o uso de novas tecnologias e materiais.
A curadoria valoriza a escolha de materiais e processos produtivos, que vão das técnicas artesanais às abordagens industriais. Entre a ergonomia e a experimentação, a cadeira se transforma, refletindo hábitos e modos de convívio que atravessam o tempo e as culturas.

Da esquerda para a direita, cadeiras dos designers André Carvalho, Estúdio Prosa, Carlos Motta, Hugo França, Studio Volanti, André Grippi e Jacqueline Terpins.
Texto curatorial | Carolina Gurgel
“Desde sua criação, a cadeira é resultado de uma somatória de escolhas: materialidade, técnica construtiva, simbolismo, mobilidade e ergonomia. Idealmente, uma cadeira deve ser resistente, mas ao mesmo tempo leve e móvel. Sua ergonomia deve ser precisa, oferecendo um sentar confortável e correto. A complexidade de desenhar uma cadeira é um desafio instigante a muitos designers. O processo é uma equação em que muitas vezes para o autor não cabe a somatória de todas essas variáveis, optando por priorizar algumas delas. A transgressão dessa fórmula ideal da cadeira, somada ao acesso a diferentes tecnologias e materiais, resulta no cenário atual amplamente diverso.
Buscamos trazer um recorte da produção nacional contemporânea neste ‘Um Lugar’, no qual apresentamos as múltiplas possibilidades da cadeira, explorando formas, métodos de fabricação, materiais, origens, usos e escalas. Com a iniciativa de Gabriel De La Cruz e Pedro Luna e sob a orientação de Adélia Borges, reunimos cadeiras produzidas em 12 estados brasileiros, confeccionadas em madeira, cortiça, bambu, acrílico, couro, plástico reciclado, pedra, metal, tecido e concreto.
Aliada à grande variedade de materiais, é notável uma maior liberdade na exploração da forma e do uso – braços simplesmente como adornos ou a extrapolação das dimensões do encosto da cadeira para além do convencional. Vale também citar o produto compreendido como processo e não apenas como resultado, muitas vezes tornando-se peça única ou de baixa tiragem.
Outro ponto curioso da cadeira é o seu uso prolongado se desdobrar em desenhos específicos para funções predeterminadas. Na exposição, temos exemplares de escritório e uma peça própria para oficinas de marceneiros. Vale citar também usos mais corriqueiros como salva-vidas, cabeleireiro, engraxate ou avião.
A expografia traz uma mesa central no formato de um grande rio circundado por cadeiras. Nas laterais, mesas que sobem nas paredes aludem a cachoeiras. As cores demarcam os quatro núcleos expositivos: escritório, área externa, área interna e infantil. Mais uma vez, é com orgulho da riqueza e diversidade do design nacional contemporâneo que convido vocês a visitarem esse Um Lugar de possibilidades e desdobramentos.”

Da esquerda para a direita, cadeiras dos designers Bia Rezende, Baba Vacaro, Vinicius Siega, Pedro Luna, Osvaldo Tenório e ,OVO.
Elenco expositivo
A exposição Um Lugar – Cadeiras Brasileiras Contemporâneas apresenta um panorama significativo do design brasileiro, reunindo grandes nomes do setor, cuja influência se expande no contexto internacional.
O elenco é formado por Alexandre Kasper, Ana Neute, André Carvalho, André Grippi, Arthur Casas, Assimply (Victor Xavier e Søren Hallberg), Baba Vacaro, Bia Rezende, Carlos Motta, Casa da Abelha (Mariana Bueno), Cláudia Moreira Salles, Dengô (Aline Almeida e Carlos Batista), Desyre Niedo, Dimitrih Correa, Humberto Campana (Estúdio Campana), Estúdio Prosa (Julia Rovigo e Gabriel Pesca), Felipe Protti (Prototype), Fernando Jaeger, Fernando Prado, Gabriel De La Cruz, Giácomo Tomazzi, Gustavo Bittencourt, Gustavo Cedroni e Martin Corullon (Metro Objetos), Guto Índio da Costa, Hugo França, Humberto da Mata, Ilse Lang, Jader Almeida, Jacqueline Terpins, Juliana Llussá, Juliana Vasconcellos, Junior Brandão, Leo Ferreiro, Leandro Garcia, Luiz Solano, Luisa Attab, Morito Ebine, Novidário (Luciana Sobral e José Machado), Noemi Saga, Osvaldo Tenório, OVO (Luciana Martins e Gerson de Oliveira), Paulo Alves + FGMF, Paulo Mendes da Rocha, Pedro Luna, Rafael Espindola, Pierre Colnet e Hadrien Lelong em colaboração de Guilherme Wentz, Porfírio Valladares, Ricardo Graham Ferreira, Rodrigo Ambrósio, Studio Volanti (Lucas Rosin e Roberto Leme), Tiago Curione, Vinícius Schmidt (Estúdio Simbiose) e Vinícius Siega.

Da esquerda para a direita, cadeiras dos designers ,OVO, Guilherme Wentz + Cremme, Novidário, Luisa Attab e Dengô.
Transformação urbana através do design e empreendedorismo
Pedro Luna e Gabriel De La Cruz, idealizadores da exposição, atuam na Galeria Metrópole, onde mantêm seus próprios estúdios de design. À frente de seus ateliês, ambos desempenham um papel essencial na revitalização da galeria, incentivando a ocupação de lojas vazias por novos talentos e promovendo o design autoral como um eixo transformador do espaço. Nesse movimento crescente, auxiliam na vinda de amigos designers para a galeria, ampliando sua vocação como um polo de criação.
Além das exposições, os organizadores promovem encontros, palestras e atividades educativas que aproximam grandes nomes do design do público interessado. Com objetivo é conectar referências do design brasileiro à uma jovem cena emergente no centro de São Paulo, esses eventos incentivam discussões sobre criação e produção promovendo um ambiente inspirador.
Como parte das iniciativas culturais promovidas pela dupla, quatro grandes nomes do design brasileiro que participaram da exposição Um Lugar: Bancos Brasileiros Contemporâneos, realizada em 2024, foram convidados para uma série de talks dentro da programação cultural da 4ª edição do Design na Metrópole. Entre os momentos de grande repercussão, destacou-se a exibição do documentário WE THE OTHERS: 40 anos de colaboração no design – a obra e vida dos Irmãos Campana, seguida de uma conversa com Humberto Campana.
A programação realizada pela dupla também contou com outros encontros e debates sobre diferentes perspectivas do design. No talk Forma e…, Claudia Moreira Salles, prestigiada designer brasileira explorou a interseção entre técnicas artesanais e o design contemporâneo. Em O Objeto no Espaço, Gerson de Oliveira, cofundador do estúdio ,OVO ao lado de Luciana Martins, discutiu a criação de mobiliários e objetos que combinam funcionalidade e poesia. Já em Brasil, Brasis – Um Olhar para o Sul, a renomada curadora, historiadora e crítica de design Adélia Borges apresentou um panorama do design desenvolvido por imigrantes alemães e italianos na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX.
O compromisso de Pedro Luna e Gabriel De La com a excelência se reflete em cada detalhe. A identidade visual da exposição foi concebida de forma artística e minuciosa, com ilustrações personalizadas para cada designer expositor. Na edição anterior, dedicada aos bancos, os organizadores surpreenderam o público com iniciativas inovadoras, como a produção de 70 maquetes táteis para pessoas com deficiência visual, um gesto que reafirma a premissa de que o design deve ser acessível a todos.
Como disse a antropóloga Margaret Mead, “Nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos comprometidos pode mudar o mundo. De fato, foi sempre assim que aconteceu”, Pedro e Gabriel traduzem essa visão em ação, demonstrando que pequenas iniciativas podem impulsionar transformações culturais e urbanas significativas.
Sobre os idealizadores | Gabriel De La Cruz e Pedro Luna
Arquiteto e designer, Gabriel De La Cruz Mota é formado em Arquitetura e Urbanismo pela UFMT, com pós-graduação pela Escola da Cidade (2014) e especialização em Design de Mobiliário pela Panamericana Escola de Arte e Design (2016). À frente do Studio De La Cruz desde 2015, desenvolve mobiliário, luminárias e objetos que aliam simplicidade e identidade autoral. Em 2021, inaugurou seu ateliê e showroom na Galeria Metrópole, no centro de São Paulo, promovendo a valorização do design ao lado de outros criadores. Seu trabalho vem sendo amplamente reconhecido, com premiações como o Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira (três vezes, nas categorias Mobiliário e Iluminação), o Prêmio do IAB (três vezes, incluindo duas na categoria Design e uma em Projeto Expográfico), além do IF Design Award 2024 e do Prêmio Brasileiro de Design, este último laureado por três projetos distintos nas categorias Design de Exposição, Design de Produto – Iluminação e Design de Mobiliário.
Arquiteto, designer e marceneiro, Pedro Luna é natural de São José dos Campos, interior de São Paulo, e formado em Arquitetura e Urbanismo pela Unesp. Seu trabalho equilibra técnica e sensibilidade, reinterpretando objetos cotidianos em móveis que exaltam valores estéticos e resgatam memórias afetivas. À frente do Estúdio Pedro Luna, inaugurado em 2022, integra uma nova cena do design no centro histórico de São Paulo, com showroom na Galeria Metrópole, espaço que vem se consolidando como um polo de criação e inovação. Apesar de sua recente trajetória, o estúdio já conquistou prêmios importantes, como o Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira, o Prêmio Salão Design e o iF Design Award. Suas criações foram exibidas em mostras de prestígio, incluindo MADE, CASACOR e SP-Arte (São Paulo), Art Basel (Miami) e Fuorisalone (Milão).
‘Um lugar’ – Um encontro entre gerações
A exposição Um Lugar – Cadeiras Brasileiras Contemporâneas se posiciona como um importante evento na Semana de Design de São Paulo. Reunindo peças que refletem tanto a tradição artesanal quanto as novas possibilidades industriais, a exposição lança um olhar ampliado sobre a cadeira como objeto simbólico e funcional, atravessando gerações e traduzindo o espírito de sua época. O diálogo entre passado, presente e futuro se manifesta nos materiais escolhidos, nas técnicas aplicadas e nas narrativas que cada peça carrega – da madeira entalhada à experimentação com novos materiais sustentáveis.
Com uma trajetória consolidada e crescente reconhecimento fora do país, o design brasileiro se distingue pela fusão entre identidade cultural, inovação e excelência na produção de mobiliário. Com cerca de 50 cadeiras expostas, a mostra evidencia a riqueza do mobiliário nacional e sua capacidade de refletir múltiplos contextos socioculturais.
Um Lugar se estabelece como um espaço de resistência e inovação no design nacional, idealizado para acontecer anualmente, unindo diferentes gerações e perspectivas para ampliar a expressão do design brasileiro. Ao ocupar espaços históricos e fomentar a troca de conhecimento entre diferentes gerações de designers, a mostra transcende o conceito tradicional para se afirmar como um catalisador de novas formas de pensar, produzir e viver o design no Brasil.
A Galeria Metrópole: um ícone do design no centro de São Paulo
A Galeria Metrópole é um edifício histórico do centro de São Paulo, reconhecido como referência no design nacional. Inaugurada em 1964, a galeria foi projetada pelos arquitetos Salvador Candia e Giancarlo Gasperini, dois dos grandes nomes da arquitetura modernista brasileira. Localizada na Avenida São Luiz, uma das ruas mais importantes e valorizadas nas décadas de 1950 e 1960, a Metrópole se destacou como um marco do modernismo paulistano, reunindo espaços comerciais inovadores. O projeto arquitetônico se diferencia pelo paisagismo interno e pela forte arborização externa, criando um ambiente de convivência que contrasta com o dinamismo urbano do centro. Hoje, a Galeria Metrópole se consolida como um espaço multifuncional e um dos principais polos criativos e culturais de São Paulo, atraindo designers, artistas e visitantes interessados na efervescência do design nacional.
Serviço:
Exposição Um Lugar – Cadeiras Brasileiras Contemporâneas
Local: 3º andar da Galeria Metrópole – Avenida São Luís, 187, Centro, São Paulo, SP
Data: 10 a 23 de março de 2025 | Horário: das 10h às 20h
Entrada gratuita
Patrocínio: Sherwin-Williams
Apoio: DW! Semana de Design de São Paulo.
(Com Cris Landi)