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[Livro] Roberto Marinho: A ascensão da Globo – entre festivais, censura e mudanças políticas

São Paulo, por Kleber Patricio

Capa.

A editora Nova Fronteira lança o livro ‘Roberto Marinho: A Globo na Ditadura – Dos Festivais às Bombas no Riocentro’, segundo volume da biografia escrita pelo jornalista Leonencio Nossa. A obra cobre o período de 1967 a 1981, traçando a história da TV Globo desde o início da emissora, durante o regime militar, até o atentado no Riocentro, episódio que expôs as tensões internas do governo.

A partir de uma pesquisa minuciosa que envolveu a análise de documentos históricos e entrevistas com figuras-chave do período, o autor revela detalhes inéditos sobre a relação da emissora com os militares, os desafios de Roberto Marinho para consolidar seu império de comunicação e os bastidores de decisões que moldaram a história da televisão brasileira. “Este volume busca entender como a Globo cresceu em meio à censura e à repressão e como Roberto Marinho soube navegar por esse cenário político tão complexo, equilibrando interesses comerciais e a necessidade de manter a emissora no ar”, explica Nossa.

Trata-se de uma investigação histórica de fôlego. “Há 12 anos comecei a pesquisar a história de Roberto Marinho. É um trabalho que exige um envolvimento muito intenso de pesquisa, mas principalmente um esforço para localizar pessoas e arquivos”, relata Leonencio. “Foram mais de 200 entrevistas. Até um certo tempo, eu contava o número de documentos analisados. Ao longo do trabalho, mergulhei num volume expressivo de cartas, áudios e relatórios, muitos deles sigilosos, em acervos públicos e privados”, conta. “Os papéis ajudam a compor a estrutura da narrativa. Por sua vez, os testemunhos orais tornam a história muito viva”, acrescenta Nossa.

A vida de Roberto Marinho se confunde com a da TV Globo. “Uma biografia clássica isola o personagem do seu mundo. Desde o primeiro momento que comecei a escrever o perfil dele percebi que não era possível contar sua trajetória sem entrar na história da emissora, sua maior obra”, ressalta Leonencio. “Entender o movimento de criação e consolidação da Globo talvez nos aproxime mais de quem o jornalista foi. Também não seria possível falar dele sem tentar compreender o tempo vivido e o próprio país.”

O corte temporal do livro abrange uma fase emblemática e decisiva da história de Roberto Marinho. “Ele nasceu em 1904, no Rio, e morreu 98 anos depois, na mesma cidade. Começou cedo na redação de O Globo, jornal herdado do pai. Mas, foi no período de 1969 a 1981, basicamente os anos 1970, corte temporal desse novo livro, que ele viveu o período mais intenso de sua vida pessoal e profissional e a TV se tornou um fenômeno da indústria cultural”, observa o autor. “Foi um momento decisivo do Brasil, um país que enfrentava o horror da ditadura e caminhava para a abertura.”

Marco histórico e construção de poder

O livro começa na metade final da década de 60, pouco tempo depois em que a TV Globo foi ao ar pela primeira vez, no Rio de Janeiro, e adquiriu a TV Paulista. Com o apoio técnico e financeiro do grupo norte-americano Time-Life — parceria rompida após pressões políticas e denúncias de interferência externa —, a emissora deu seus primeiros passos rumo à liderança, desafiando concorrentes tradicionais.

O crescimento da rede foi impulsionado pela implantação de antenas de micro-ondas, que permitiram transmissões nacionais, e pela criação do Jornal Nacional em 1969, o primeiro telejornal em rede do país. A biografia descreve os bastidores da estreia do jornal e como ele foi moldado para atender tanto ao público quanto às expectativas do governo.

A biografia também aborda o equilíbrio delicado entre a emissora e o governo militar. Em 1971, sob pressão da censura, a Globo comunicou que 90% de sua programação era gravada com um mês de antecedência, o que permitia cortes e ajustes conforme as determinações do regime. Apesar das restrições, a TV seguiu crescendo, lançando programas icônicos como o Fantástico e novelas de grande audiência, como Selva de Pedra e O Bem-Amado, que se tornaram fenômenos culturais.

Leonencio Nossa revela episódios em que Roberto Marinho precisou intervir pessoalmente para negociar com responsáveis pela censura e evitar o corte de programas inteiros, além de momentos em que a emissora teve que adaptar roteiros para contornar a repressão sem perder a conexão com o público.

O atentado no Riocentro e a mudança de rumos

O volume encerra com o atentado no Riocentro, em 1981, quando uma bomba explodiu no colo de um militar que pretendia incriminar movimentos de oposição. O episódio, amplamente noticiado, simboliza o início do declínio da ditadura e marca um ponto de inflexão na relação entre a TV Globo e os militares. A biografia detalha como a cobertura do atentado gerou tensões internas na emissora e obrigou a direção a repensar sua postura editorial diante do desgaste do regime. “O caso Riocentro foi um divisor de águas. A partir dali a emissora começou a se reposicionar, acompanhando a transição política do país e preparando o terreno para a redemocratização”, comenta Leonencio Nossa. “Foi um momento em que a Globo precisou decidir se continuaria sendo vista como aliada do governo ou se assumiria um papel mais crítico, refletindo os anseios da sociedade.”

Sobre o autor

Nascido em Vitória, no Espírito Santo, Leonencio Nossa Junior é ex-editor do jornal O Estado de S.Paulo, historiador, biógrafo e jornalista. O autor se formou em Comunicação Social pela Universidade Federal do Espírito Santo. Doutorando e mestre em História e Política pelo CPDOC-FGV, vive em Brasília. Por suas reportagens especiais sobre Amazônia, direitos humanos e política, foi reconhecido, em 2024 e 2025, como o jornalista mais premiado da história da imprensa de Brasília e do Centro-Oeste e um dos mais destacados do país, pelo site Jornalistas & Companhia. Venceu duas vezes o Prêmio Esso e cinco vezes o Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.

Em 2014 publicou no jornal O Estado de S.Paulo uma reportagem de 17 meses de apuração sobre assassinatos políticos desde a Lei da Anistia. O trabalho investigativo foi pioneiro no levantamento de crimes de poder, conquistando a última edição realizada do Prêmio Esso de Jornalismo e o Vladimir Herzog. Tem trabalhos reconhecidos nas Conferências Latino-Americanas de Jornalismo Investigativo, do Instituto Prensa y Sociedad e da Transparência Internacional, em Buenos Aires (2010), Guaiaquil (2011), Cidade do México (2014), Cidade do Panamá (2016), Canelones (2021) e Rio de Janeiro (2022).

(Com Marco Marin/MNiemeyer Assessoria de Comunicação)