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Pinacoteca de São Paulo retrata experiências noturnas na arte brasileira

São Paulo, por Kleber Patricio

Di Cavalcanti, detalhe Fantoches da meia noite (1921). Imagens: Divulgação/Pinacoteca.

A Pinacoteca de São Paulo inaugura sua programação de 2025 com a mostra coletiva ‘Tecendo a manhã: vida moderna e experiência noturna na arte do Brasil’ nas sete salas do edifício Pinacoteca Luz. A exposição investiga perspectivas de artistas de diferentes origens sobre a experiência da noite, com seus mistérios, personagens e ritos. Com curadoria de Renato Menezes e Thierry Freitas, a coletiva se divide em sete núcleos, percorrendo o assunto por meio de diferentes abordagens, desde um viés social, com reflexões sobre os impactos da modernização nas cidades no século XX, até uma narrativa mais fantástica e imaginativa, na qual surgem enigmas oníricos, paisagens noturnas e os assombros que povoam o imaginário coletivo, com monstros e lobisomens. Obras como ‘Noite na fazenda’ (1969), de Madalena Santos Reinbolt, e ‘Obscura Luz’ (1982), de Cildo Meireles, compõem a mostra.

Na exposição, a experiência da noite se apresenta como um problema artístico para refletir sobre vivências individuais que aparecem, por exemplo, nas representações de sonhos e pesadelos, e coletivas, que dizem respeito a formação histórica e social do país – sobretudo a partir do surgimento da energia elétrica, que mudou a fisionomia das cidades e suas dinâmicas no início do século XX. Atividades de lazer, surgimento de novas profissões, vivências na cidade – que variam de acordo com a origem social do sujeito – figuram em obras emblemáticas, muitas delas expostas pela primeira vez.

“A exposição privilegia a produção de artistas ditos populares e a coloca em relação direta com trabalhos de artistas canônicos do nosso modernismo, muitas vezes criando situações de tensão entre essas diferentes vivências da noite. Ao longo da exposição, percebemos que a noite, um fenômeno natural que afeta a todas as pessoas, reflete problemas artísticos relativos à luminosidade e à representação dos sonhos e visões, mas também problemas sociais relacionados ao trabalho, à coletividade e ao uso do espaço público. Fato é que a noite reforça uma das perguntas mais eloquentes quando olhamos para a arte moderna: quem olha quem? Nós não respondemos a essa pergunta, mas, ao contrário, procuramos transformá-la em motor para as reflexões que estimulamos ao longo de todo o percurso expositivo”, comentam os curadores.

Sobre a exposição

Em 1854 a cidade de São Paulo passou a receber um sistema de iluminação pública com luz a gás. A partir de 1883, o surgimento da energia elétrica aparece como fator determinante na reconfiguração do espaço público. Em Tecendo a manhã, o acender das luzes, na cidade e no campo, marca o início da exposição. Obras como Fachada do Teatro Municipal (sem data), de Valério Vieira (década de 1910) e São Paulo (1966), de Agostinho Batista de Freitas, comentam o espaço compartilhado e a vida coletiva em São Paulo, cidade símbolo da modernidade. Outras representações também podem ser vistas na perspectiva de Gregório Gruber, em Vale do Anhangabaú à noite (1981) e na fotografia de Benedito Junqueira Duarte Praça João Mendes Júnior (1950).

Madalena dos Santos Reinbolt, detalhe de Noite na fazenda (1969).

A segunda sala se volta para o coletivo, apresentando obras que tematizam a sociabilidade noturna. Nos primeiros meses do ano, por exemplo, a Festa de Iemanjá e o Carnaval organizam festas populares em forma de cortejo, movido pelo canto de batuques e afoxés. A cultura do samba, assim como dos bailes, construída fundamentalmente por pessoas negras que experimentavam uma vida cerceada pelas perseguições políticas no pós-abolição, permitiu o florescimento de agremiações inteiramente dedicadas à festa e à celebração da liberdade do corpo marginalizado. Neste núcleo, casamentos, festas religiosas, bailes e parques de diversões podem ser vistos em trabalhos como Festa de Iemanjá (sem data), de Babalu, Parquinho (1990), de Ranchinho, e o Concurso de dança no DCE (1985), dos Retratistas do Morro.

Na sala seguinte, a exposição apresenta personagens associados à noite. A prostituição e o ambiente dos bordéis foram temas frequentes na obra de Di Cavalcanti, Oswaldo Goeldi e Lasar Segall, que se interessavam em observar uma vida marginal, precária e ilegal que não poderia acontecer à luz do dia. Desses artistas, estão expostas respectivamente obras como Fantoches da meia-noite (1921), O ladrão (1955) e Mulheres do mangue com espelhos (1926), que convidam o público a refletir sobre gênero e classe a partir da visão de homens brancos da elite cultural do país sobre mulheres e pessoas negras, pobres e em estado de decadência no contexto pós-abolição.

A quarta sala destaca uma figura mítica evocada pela lua cheia: o Lobisomem. Um conjunto de obras de Ana das Carrancas, além de peças de madeira de Mestre Guarany e Artur Pereira, remetem ao personagem. As obras dividem o espaço expositivo com representações de formas lunares, em especial a obra monumental de Tomie Ohtake, Lua (políptico) (1984). Na sequência, paisagens noturnas que flertam com a abstração e a metafísica contrastam trabalhos como Fachada roxa e verde (início da década de 1960) de Volpi, com obras de artistas populares como Cafezal #1, de Adir Mendes de Souza e Derrubada erótica (2013), de Nilson Pimenta, para pensar sobre o espaço do sonho e os enigmas oníricos.

Indissociável do tema da noite, a experiência do sonhar é contemplada na sexta sala, que se dedica ao imaginário do pesadelo e das assombrações. Em trabalhos como a escultura Exu-Caveira (1982-1983), é possível contemplar a reação de Chico Tabibuia às visões noturnas: convertido à uma religião que demonizava as entidades afro-brasileiras que ele cultuava anteriormente, o artista passou a esculpir na madeira esses espíritos que, segundo ele, insistiam em persegui-lo. Outros artistas como Mestre Galdino, Ulisses Pereira Chaves e Maria Martins também podem ser vistos pelo público. A alvorada marca o encerramento da exposição, trazendo ao último núcleo a transição da noite para o dia, com trabalhos de Djanira, Tereza Costa Rêgo e Heitor dos Prazeres.

Sobre a Pinacoteca de São Paulo | A Pinacoteca de São Paulo é um museu de artes visuais com ênfase na produção brasileira do século XIX até́ a contemporaneidade e em diálogo com as culturas do mundo. Museu de arte mais antigo da cidade, fundado em 1905 pelo Governo do Estado de São Paulo, vem realizando mostras de sua renomada coleção de arte brasileira e exposições temporárias de artistas nacionais e internacionais em seus três edifícios, a Pina Luz, a Pina Estação e a Pina Contemporânea. A Pinacoteca também elabora e apresenta projetos públicos multidisciplinares, além de abrigar um programa educativo abrangente e inclusivo. B3, a bolsa do Brasil, é Mantenedora da Pinacoteca de São Paulo. 

Serviço:

Pinacoteca de São Paulo

De quarta a segunda, das 10h às 18h (entrada até 17h)

Gratuitos aos sábados – R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia-entrada), ingresso único com acesso aos três edifícios – válido somente para o dia marcado no ingresso

Quintas-feiras com horário estendido na Pina Luz, das 10h às 20h (gratuito a partir das 18h)

2º Domingo do mês – gratuidade Mantenedora B3.

(Com Mariana Martins/Pinacoteca de São Paulo)