Comida de guerra, de revoluções, de escassez; mais raízes, carne de caça, trigo, açúcar, pratos substanciosos, mas sem fartura nem luxo, para encarar invernos rigorosos em terreno inóspito — o resgate da história paterna, de origem russa, motivou o designer de interiores Michel Lebedka a elaborar um menu cheio de referências históricas, mas atualizado com pratos enriquecidos com detalhes dignos da alta gastronomia. Assim foi o quarto e penúltimo jantar do Chef Decor Campinas 2017, na noite desta segunda (13/11) no show room da Lovato Marcenaria, no Cambuí.
Com auxílio do amigo e sócio no escritório Contemporare, o arquiteto Marcelo Dias, que assumiu o posto de sous chef, Lebedka preparou receitas de família recuperadas há cinco anos, após uma busca pessoal. Foi à Rússia, retomou o contato com uma irmã e aprendeu o idioma. A conquista dessa identidade foi revelada em sua cozinha de forma terna, sem deixar de lado o apuro visual.
Lebedka iniciou o serviço com a famosa sopa Borsch, de beterraba, servida fria com creme azedo. O prato chegou envolvido em gelo, numa alusão às planícies e ao planalto gélidos da Sibéria. “O fio condutor desse jantar é a tradição. E começa pela sopa de beterraba, que os russos usavam bastante e da qual também tiravam o açúcar. Não há uma região da Rússia em que essa sopa não tenha sido muito servida, quente ou fria. Quero que vocês sintam a borsch como um conforto familiar; a ideia é vocês se sentirem na minha casa russa”, definiu o designer na apresentação do cardápio.
O prato principal foi o Churrasco Russo (chachlik ou shashlik), com pernil suíno e bacon marinados por 48 horas em especiarias e depois assados no espeto, servidos com molho agridoce de laranja. “Geralmente esse churrasco se inicia com uma sopa de peixe feita com pedras quentes da fogueira dentro da panela, para que tenha um sabor defumado. A cabeça do peixe é a iguaria. Mas disso não gostei, não”, contou, divertido.
O acompanhamento foi outra escolha tradicional revisitada: a torta Kurnik, com massa folhada, panquecas e recheios variados. “Fizemos uma apresentação contemporânea, porque essa torta, oferecida como presente em ocasiões importantes, como casamentos, parece um morrinho. O costume era também fazer bichinhos de massa para decorar, indicando o recheio. Cada camada dessa torta simbolizava um desejo para as pessoas, como o arroz, para que não faltassem grãos na colheita”. Para o Chef Decor, Lebedka fez a sua versão com shimeji, shiitake e batatas.
O final veio lindo, quase uma pintura, obra do sous chef Marcelo Dias na preparação da superfície. Sobre o prato pincelado com chocolate nas cores da bandeira russa, a sobremesa foi o Muraveinik, ‘formigueiro’, em Português. “Foi difícil escolher, porque a Rússia tem um leque imenso de confeitaria, mas queria uma que fosse comum em todas as casas. Outro símbolo de fartura foi o chocolate por cima, que representa a terra”. O toque do designer encheu o ar do salão de partículas douradas: Lebedka borrifou ouro em pó sobre os montinhos doces.
Os convidados foram presenteados com matrioshkas, as bonequinhas russas, uma garrafinha da indispensável vodka e uma conserva de tomates cereja e especiarias feita por Lebedka com outra receita de família.
Taças encheram-se durante a refeição com os vinhos da Adega Abadesco. A entrada foi acompanhada do espumante La Florencia Brut, argentino da Bodega Familia Cassone, “fresco e agradável, com notas de mel e frutas secas”, segundo Valéria Castro, uma das sócias da loja. O prato principal foi escoltado pelo pinot noir chileno Aliwen, da Vinicola Undugarra, “de corpo médio, macio e ótima persistência”. Para a sobremesa, o premiado e incensado Casa Perini Moscatel.
A jornalista gastronômica Erika Araium, professora de Food Styling e idealizadora do projeto Diálogos Comestíveis, foi a jurada convidada da noite. Os demais membros fixos do júri são o chef Emerson Donadon, do Amaô Gastronomia, que também é consultor técnico das provas; o designer de interiores, artista plástico, ilustrador e estilista Luís Roberto de Castro Rios, vice-diretor da Associação Brasileira de Designers de Interiores (ABD) em Campinas e Rosa Jannini, gourmet e organizadora de confrarias gastronômicas locais.
O próximo
O quinto e último candidato a se apresentar no Chef Decor será o arquiteto Marcos Xavier, que preparará seu menu na Elettromec no próximo dia 21. Modesto, ele se considera um entusiasta ocasional da cozinha, onde costuma preparar pratos como bacalhau fresco na brasa para a família e amigos.
O evento
O Chef Decor vai selecionar, em cinco jantares promovidos até o final de novembro, os três melhores cozinheiros entre arquitetos e decoradores de Campinas. Os candidatos foram indicados por seus próprios pares de profissão, em uma pesquisa informal que envolveu cerca de 100 pessoas, realizada por Lenine Faria, publicitário da Prosa Branding Agency, que idealizou e organiza a competição.
A final do Chef Decor, para anúncio do grande vencedor, será no dia 27 de novembro. O primeiro colocado vai levar troféu criado pelo designer André Dias Barreto, além de panelas Le Creuset e um curso no Instituto Franco-Brasileiro de Gastronomia (IFBG). O segundo colocado leva um curso no IFBG e um acessório Le Creuset e o terceiro, quarto e quinto colocados ganham workshops no IFBG.
Calendário das provas:
23/10 – Roseana Monteiro na Todeschini
30/10 – Letícia Telles na Ornare
7/11 – Fernando Consoni na Romanzza
13/11 – Michel Lebedka na Lovato Marcenaria
21/11 – Marcos Xavier na Elettromec
27/11 – Final (anúncio dos vencedores).