Sistemas alimentares sustentáveis e resilientes têm grande dependência da biodiversidade — a variedade de animais e plantas utilizados, direta ou indiretamente, na garantia da segurança alimentar. Apesar de sua importância, essa riqueza natural tem diminuído drasticamente: hoje, 90% da energia consumida pela humanidade vêm de apenas 15 espécies e mais da metade da população conta apenas com o consumo de arroz, trigo e milho. O efeito deletério dos alimentos ultraprocessados sobre a agrobiodiversidade tem sido ignorado pelas autoridades globais. É o que mostra um comentário de pesquisadores das universidades de São Paulo, de Harvard, nos Estados Unidos, e Deakin, na Austrália, publicado na revista “BMJ Global Health” na segunda-feira (28).
A queda da agrobiodiversidade está amplamente relacionada à produção cada vez mais dominante de alimentos ultraprocessados por corporações transnacionais. Ultraprocessados são formulações prontas para consumo feitas, basicamente, a partir de um número reduzido de commodities como o açúcar, o milho, a soja e o trigo e aditivos cosméticos — que conferem cor, sabor, aroma e textura ao alimento. Exemplos desses produtos são salgadinhos e bebidas adoçadas, como refrigerantes e sucos de caixinha, macarrão instantâneo e massas e pizzas prontas, entre outros. Uma série de evidências científicas associa o alto consumo desses alimentos ao aumento do risco de desenvolvimento de doenças crônicas como hipertensão, diabetes e até mesmo câncer.
Segundo os pesquisadores, a dieta baseada em ultraprocessados tem crescido nos últimos 30 anos em diferentes partes do mundo, reduzindo o espaço dos padrões alimentares tradicionais — estes, compostos por uma grande variedade de alimentos in natura e minimamente processados, geralmente consumidos em refeições preparadas na hora. Com isso, o mundo tem visto o aumento de áreas de monocultura em detrimento do cultivo variado de espécies vegetais tradicionalmente consumidas por diferentes populações ao longo dos séculos.
“Um estudo ainda em curso no Brasil já mostrou que, entre mais de 7 mil alimentos ultraprocessados, foram identificados dentre os principais ingredientes que os compõem: açúcar (52,4%), leite (29,2%), trigo (27,7%), milho (10,7%) e soja (8,3%)”, diz Fernanda Marrocos, uma das cientistas que assinam o comentário. “Consequentemente, as dietas vêm se tornando menos diversas, reduzindo a variedade de alimentos frescos necessária para uma alimentação adequada e saudável. Além disso, “a homogeneização dos sistemas alimentares com base no cultivo de um número restrito de espécies vegetais afeta diretamente os serviços ecossistêmicos, essenciais à humanidade”, diz Fernanda.
O artigo marca o lançamento de uma nova linha de investigação do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), grupo responsável pela publicação do Guia Alimentar para a População Brasileira e que, agora, também se dedica à análise dos impactos ambientais da produção e consumo de alimentos.
Atualmente, a literatura científica aponta que a produção de alimentos ultraprocessados demanda grandes quantidades de terra, água, energia, herbicidas e fertilizantes e causa eutrofização e degradação ambiental — principalmente em função da emissão de gases do efeito estufa e do acúmulo de dejetos referentes a embalagens, entre outras consequências.
“Mesmo com a ciência esclarecendo cada vez mais as relações da dieta ultraprocessada com os impactos ambientais, o tema ainda não é adequadamente considerado por organizações globais em conferências internacionais sobre o tema”, diz Carlos Monteiro, um dos autores do texto. “As próximas convenções sobre sistemas alimentares, biodiversidade e mudanças climáticas devem destacar a destruição da agrobiodiversidade causada pela produção de alimentos ultraprocessados, gerando acordos e políticas públicas para reverter desastres ambientais.”
(Fonte: Agência Bori)