Há um contingente de brasileiros que, ao longo da vida, são discriminados por serem pessoas com deficiência (PcD), negros, gays ou indígenas. Ao passarem dos sessenta anos, uma nova violência é acrescida a esse cotidiano brutal: passam a sofrer preconceito por terem chegado à maturidade. Ao contrário de uma conquista, ser idoso se torna instrumento de uma dupla discriminação. Longe de ser uma mazela exclusiva do Brasil, o ageísmo – somado ao capacitismo, sexismo e racismo – é um fenômeno social pouco discutido no mundo.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, embora representem 48% da população idosa brasileira, os negros são tratados como cidadãos de segunda categoria; fazem parte de uma parcela populacional ignorada, inclusive, pelos serviços de saúde. Na análise de Alexandre da Silva, doutor em saúde pública e gerontologia pela Universidade de São Paulo (USP), chegar ao envelhecimento no país sendo negro é uma conquista. Os serviços de saúde não estão preparados para atender esse grupo. Doenças evitáveis e tratáveis matam poucos idosos brancos; do outro lado, pretos e pardos morrem mais cedo por essas mesmas condições. Na prática, alguns remédios têm determinado efeito nos brancos, mas não funcionam tão bem para pessoas negras. “Óbvio que essa especificidade não está sendo levada em consideração”, alerta Silva. “Para dimensionar o peso numérico do problema, ressalto que mais de 3 milhões de pessoas maduras são pretas e 12,5 milhões dos nossos idosos são pardos.”
Em paralelo, a população LGBTQIA+ – que já soma 3,1 milhões de brasileiros 60+ – vivencia a volta para o armário – sim, eles têm que esconder que são gays. Depois de lutarem arduamente por direitos e serem aceitos na sociedade, ao envelhecer, esses indivíduos precisam se calar, pois há residenciais que não os aceitam, famílias que os abandonam e serviços públicos que não os entendem. O silêncio sobre a própria identidade é uma condição para serem aceitos e terem uma velhice minimamente digna.
É alarmante ver que o preconceito etário só aumenta. Para Mirian Goldenberg, antropóloga que estuda o envelhecimento há mais de 20 anos no Brasil, a pandemia da Covid-19 evidenciou a violência etária, já que colocou um holofote sobre os idosos – que passaram a ser considerados como um grupo de risco do coronavírus. Os discursos “velhofóbicos” têm se generalizado nas manchetes dos jornais, nos memes do WhatsApp e discursos de famosos. O surto de ageísmo durante a pandemia acentua a divisão entre jovens e velhos à medida que os com menos idade colocam a culpa nos maduros pela oneração dos planos de saúde e pela falta de recursos para o atendimento e tratamento aos mais novos.
A tensão gerada pelo preconceito, que já existia antes da pandemia, tem um impacto extremamente negativo na saúde mental dos maduros. Dados compilados na Pesquisa dos Valores Mundiais – realizada pela Organização Mundial de Saúde, em 2018, com 83 mil pessoas em 57 países – apontam que 6 em cada 10 pessoas têm opiniões negativas em relação à velhice. Ou seja, os mais velhos são frequentemente considerados menos competentes e capazes que os mais jovens; há uma clara associação dos longevos a um fardo para a sociedade e para as famílias. Poucos são os indivíduos que valorizam os idosos por sua sabedoria e experiência.
Como sociedade e diante do telhado branco do mundo, temos que discutir claramente o preconceito duplo e absurdo; devemos escrever e pesquisar sobre os estigmas e tabus associados ao envelhecimento. O ageísmo compreende, também, o pânico de envelhecer – algo que está extremamente arraigado na cultura brasileira e que faz com que os próprios maduros sejam preconceituosos em relação à velhice. Quando o etarismo é internalizado e normatizado pelos próprios maduros, esses passam a aceitar como natural serem tratados de forma desrespeitosa, paternalista, compassiva ou falsamente positiva. Eles aceitam o tratamento recebido pelas leis, instituições sociais, serviços públicos e privados, meios simbólicos e redes sociais. Está na hora de darmos um basta e construirmos, juntos, uma nova narrativa para o envelhecer. Afinal, se tudo der certo, todos chegaremos à maturidade.
Layla Vallias | eleita, em 2020, pela Forbes Under 30 como uma das jovens brasileiras mais influentes com menos de 30 anos, é cofundadora do Hype50+, consultoria de marketing especializada no consumidor sênior e da Janno – startup agetech que tem como missão apoiar brasileiros 50+ em seu novo plano de vida. Foi coordenadora do Tsunami60+, maior estudo sobre Economia Prateada e Raio-X do público maduro no Brasil e diretora do Aging2.0 São Paulo, organização de apoio a empreendedores com soluções para o envelhecimento em mais de 20 países. Mercadóloga de formação, com especialização em marketing digital pela Universidade de Nova York, trabalhou com desenvolvimento de produto na Endeavor Brasil.