Nos últimos 30 anos, o Brasil teve em torno de 63 mil ocorrências de desastres. No total, foram contabilizadas 7,8 milhões de pessoas desabrigadas e desalojadas, 4.307 óbitos, mais de 3 milhões de habitações destruídas ou danificadas e uma média de R$18,26 bilhões por ano em termos de danos materiais e prejuízos. Devido à sua extensão territorial, posição geográfica e grau de desigualdade, o país conta, ainda, com um variado perfil de risco de desastre.
O enfrentamento dessa realidade requer a superação de uma série de fragilidades. Uma das principais é a insustentabilidade financeira que reflete na implementação da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC). Uma análise do orçamento anual destinado à Defesa Civil entre os anos de 2018 e 2021, considerando a correção monetária pelo IPCA, demonstra uma diminuição nos recursos destinados à área com uma perda estimada de R$612 milhões. Mas o problema não é só o déficit orçamentário.
Pesquisa realizada entre 2020 e 2021 resultou no Diagnóstico de Capacidades e Necessidades Municipais em Proteção e Defesa Civil. Uma das necessidades identificadas pelo estudo diz respeito aos meios de obtenção de recursos. De acordo com os resultados: 72% das defesas civis não têm recurso orçamentário; 76% não contam com recursos do tesouro; 74% não recebem recursos de outras secretarias; 97% e 96% não contam com doações ou fundo de reserva, respectivamente; 95% não utilizam recursos oriundos de emendas parlamentares e 90% não receberam auxílio de programas estatais em 2021.
A combinação desses dados com o incremento de desastres no país exige uma reflexão sobre como aumentar a resiliência das finanças públicas frente a riscos e desastres. Em artigo publicado na edição de setembro de 2022 da Revista de Informação Legislativa (RIL) do Senado Federal, nos propusemos a enfrentar a matéria. Destacamos o papel dos fundos federais, uma das espécies de recursos aplicáveis ao contexto do financiamento de gestão de risco e desastre, e apresentamos um conjunto de proposições em prol da melhoria do processo de implementação da Política Nacional.
Entre as propostas pontuamos: i) a necessidade de regulamentação da Lei nº 12.340/10 no que tange ao Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap) com o apontamento de oito novas fontes que, a partir do trâmite legislativo, poderiam passar a compor o Funcap. Além disso, discorremos sobre a ii) conexão fática e normativa entre Fundo Clima e redução de risco e desastres, a fim de articular essas políticas também em termos financeiros. Por fim, argumentamos iii) pela viabilidade de utilização dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, já que a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil está entre os órgãos operacionais do mencionado sistema, que inclusive tem como princípio “a eficiência na prevenção e na redução de riscos em situações de emergência e desastres.” (artigos 9º, §2º, XIII e 4º, VI da Lei nº 13.756/2018).
As alternativas são viáveis, legalmente respaldadas e de fácil operacionalização. Algumas não requerem alteração legislativa, apenas articulação política e podem ser implementadas no curto prazo. Aliados ao replanejamento orçamentário, desenvolvimento de políticas de seguro e entre outras alternativas, os fundos federais representam uma estratégia auxiliar e útil a todas as fases do ciclo de gestão de riscos e desastres, com reflexos positivos em todo o sistema.
Sobre os autores:
Fernanda Damacena é doutora em Direito Público com ênfase em Direito dos Desastres, advogada, pesquisadora e consultora da área.
Luiz Felipe da Fonseca é professor e doutorando em Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Renato Eliseu Costa é doutorando em Políticas Públicas, mestre em Gestão Pública (UNIFESP) e em Ciências (USP) e bacharel em Gestão Pública. Especialista em Planejamento e Orçamento.
Victor Marchezini é sociólogo, doutor em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pesquisador no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
(Fonte: Agência Bori)