O cupuaçuzeiro (Theobroma grandiflorum) é uma planta de alta relevância econômica nas regiões norte e nordeste; porém, até hoje há relativamente poucos estudos que se debruçaram sobre sua folhagem e seus frutos. Essa constatação instigou o biólogo Alessandro Varani, docente da Faculdade de Ciências Agráras e Veterinárias da Unesp, campus de Jaboticabal, a propor parceria com Vinicius Abreu, da Universidade Federal do Pará (UFPA), e Rafael Alves, da Embrapa Amazônia Oriental, para realizar pela primeira vez o sequenciamento do genoma da planta.
Nativo da região amazônica, o cupuaçu é bastante apreciado por seu sabor e versatilidade, exercendo um papel destaque na bioeconomia do Brasil. Sua polpa é aproveitada na produção de sucos, geleias, cremes, sorvetes, biscoitos e licores. Das sementes extrai-se manteiga, que é usada para culinária e também na fabricação de pomadas, batons e xampus. De acordo com os dados mais recentes acerca da produção da fruta em território nacional, coletados em 2019 pelo IBGE, o total chega a 20 mil toneladas, que geraram uma renda de cerca de R$26 milhões. Estima-se que, da produção total, 97% foram cultivados no sistema de agricultura familiar.
“Um trabalho nestes moldes exige a colaboração de profissionais com diferentes capacidades e formações para atuarem em cada uma das etapas”, diz Varani, que é um experiente pesquisador na área de análise genômica e bioinformática. Entre seus trabalhos anteriores estão o sequenciamento genético de uma espécie silvestre de maracujá conhecida como maracujazinho (Passiflora organensis) e a investigação do genoma das plantas presentes no chá ayahuasca. Vinicius Abreu entrou na colaboração para auxiliar na parte computacional e Rafael Alves ficou encarregado de fornecer as amostras de cupuaçu para realização das análises.
A pesquisa que resultou no mapeamento contou com financiamento da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Os pesquisadores mapearam 31.831 genes distribuídos em 10 cromossomos. Os resultados foram publicados na revista científica Giga Science em junho deste ano. Também assinam o artigo pesquisadores da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, do Centro de Energia Nuclear da Agricultura, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e de diversas unidades da Unesp.
Um dos resultados mais relevantes do levantamento foi a constatação de que o cupuaçu possui uma semelhança genética superior a de 65% com o cacau (Theobroma cacao), uma aproximação já suspeitada pelos acadêmicos da área. Essa similaridade abre a possibilidade de que as pesquisas com o cupuaçu possam ser serem extrapoladas para o cacau e o eventual desenvolvimento de estudos em conjunto com ambas as plantas.
Há outros motivos para que a constatação desta aproximação seja vista como bastante promissora para futuros estudos. O sequenciamento genético também revelou que o fruto do cupuaçuzeiro possui uma região no genoma que pode ser associada a resistência à vassoura-de-bruxa, uma doença causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa muito comum em plantações de cacau. Esse patógeno já foi responsável por erradicar 398 mil toneladas da produção brasileira de cacau em 1988 e a busca por um tratamento ou cura mobiliza pesquisadores e agricultores até hoje. “O mapeamento identificou os genes relacionados à resistência para a vassoura-de-bruxa. Então, conhecemos os genes que são importantes para que se possa trabalhar pelo melhoramento do fruto, mas também os que podem ser estudados para compreender sua resistência contra patógenos”, conta o pesquisador.
Além do aspecto genético, a resistência do cupuaçu ao fungo é reforçada pela presença de certas bactérias naturais em suas folhas, chamadas de endofíticos (Actinomycetota). “Durante o processo de pesquisa do genoma do cupuaçu foram sequenciados também os genes das bactérias que vivem nas folhas. E isso foi uma surpresa”, relata Varani. Graças a esse sequenciamento, os pesquisadores puderam constatar que esses microrganismos produzem compostos antifúngicos e antibióticos responsáveis por combater a vassoura-de-bruxa. Essas substâncias podem apresentar um promissor ponto de partida para a futura produção de medicamentos capazes de manter a salvo as plantações de cacau. Estes outros resultados foram publicados na revista científica Molecular Genetics and Genomics em julho deste ano. Leia a reportagem completa no Jornal da Unesp.
(Fonte: Unesp)