Diversas e inusitadas soluções de design e processamento sustentável de recursos naturais ganham destaque na exposição inédita Princípios japoneses: design e recursos, que ocupa o andar térreo da Japan House São Paulo desde ontem, 3 de dezembro. A mostra, que segue em cartaz até 4 de maio de 2025 com entrada gratuita, reúne 16 projetos de 14 criadores que apostam em formas de aproveitamento máximo e minimização de desperdícios dos recursos e materiais, além de iniciativas para valorização de recursos e técnicas tradicionais japonesas. Com muitas possibilidades, a exposição apresenta iniciativas em áreas como arquitetura, design, artesanato tradicional, têxteis, itens de esporte e instrumentos musicais.
Alinhada com urgências de um mundo preocupado com as mudanças climáticas e muito mais consciente, a exposição surge a partir de um princípio milenar japonês, como comenta Natasha Barzaghi Geenen, diretora cultural da Japan House São Paulo e curadora da exposição. A inspiração para a mostra nasceu da longa tradição do ‘não desperdício’, parte da filosofia japonesa mottainai – junção do vocábulo de origem budista ‘mottai’, que se refere à essência das coisas, com a partícula ‘nai’, que indica negação na língua japonesa. “Os japoneses costumam empregar essa expressão quando algo ainda pode ser aproveitado de alguma maneira, mas esse conceito se estende para além do desperdício material, já que é considerado por muitos uma prática cultural e um estilo de vida, que preza por um melhor uso dos recursos disponíveis, inclusive do tempo, além de um grande cuidado com relacionamentos interpessoais e com a natureza. O objetivo da exposição, ao apresentar essas iniciativas do Japão, é inspirar os brasileiros com soluções criativas e grandes inovações tecnológicas, que são guiadas por essa consciência da relação com a natureza. Ao mesmo tempo que trazemos exemplos de ponta, evidenciamos que essa preocupação está enraizada no Japão há muito tempo, como algumas peças especiais que fazem uso de técnicas milenares, caso do bashōfu, do aizomê e do kaibuki, presentes na mostra lado a lado de projetos novos e revolucionários”.
Princípios japoneses: design e recursos traz três perspectivas: ‘Formas de eliminar o desperdício’, ‘Aproveitamento máximo dos recursos’ e ‘Recuperação por meio do design’.
O arroz, base da alimentação japonesa, marca presença nos projetos selecionados pela curadoria. O artesão Ikuya Sagara, por exemplo, utiliza a palha desse grão para a construção de telhados, em técnica milenar japonesa chamada kayabuki. Especialmente para a exposição na JHSP, Sagara construiu uma obra inédita com as mesmas técnicas, mas a partir de outra planta, o junco – cultivado por muitas famílias de origem japonesa na cidade de Registro, em São Paulo, deixando a possibilidade de novos ciclos de uso desse recurso após o encerramento da exposição.
Já TYPE – I MM Project de A-POC ABLE Issey Miyake, apresenta tecidos que utilizam o Triporous™, material desenvolvido pelo Grupo Sony que tem como matéria prima a casca de arroz gerada durante o debulhamento do grão. As propriedades do material foram aproveitadas para tingimento em uma tonalidade especial de preto, além da adição da técnica única da marca chamada Steam Stretch, que confere ao tecido plissado mais movimento e leveza.
Por sua vez, o designer Kosuke Araki criou banquetas feitas de arroz, serragem e juta, chamadas ‘RRR’, sigla para Rice-Reinforced Roll (ou rolo de arroz reforçado, em tradução livre). Também serão expostos outros projetos do designer: Agar Plasticity, que explora a estrutura porosa, macia e leve do ágar-ágar (gelatina vegetal feita a base de algas marinhas) como uma alternativa aos plásticos sintéticos usados em embalagens de proteção; e Anima, louças desenvolvidas a partir de restos de alimentos desidratados combinados com urushi, a laca japonesa, tornando os utensílios impermeáveis e duráveis.
Em uma outra proposta, as louças descartáveis da Wasara são produzidas a partir do reaproveitamento de bambu e do bagaço da cana-de-açúcar. Como as peças são compostáveis e sem o revestimento plástico, não agridem o meio ambiente, tendo um ciclo de vida completo, que retorna à natureza.
Outro alimento cuja fibra ganha novos usos a partir do olhar japonês é a banana. Uma técnica tradicional da região de Okinawa, produzida exclusivamente em Kijoka, no vilarejo de Ogimi, conhecida como Bashōfu, transforma a fibra vegetal em tecidos leves. Na exposição, o público poderá ver de perto um quimono, cujo corte é pensado para ter o mínimo desperdício de tecidos durante sua confecção, feito a partir dessa técnica.
Ainda no ramo têxtil, os artesãos e tintureiros de índigo da Buaisou apresentam seu trabalho de aizomê, uma técnica milenar de tingimento vegetal. Seus artesãos criaram 100 tonalidades de azul a partir da planta índigo em uma produção sustentável, cuja solução de corante utilizada no tingimento é reutilizada como adubo para a própria plantação.
A marca de bolsas Porter junto com a Toray Industries Inc., desenvolveu o primeiro náilon 100% vegetal no mundo, feito a partir de mamona e milho. A marca renovou modelos de sua linha mais icônica, chamada TANKER, utilizando esse material inovador.
Propondo novas maneiras de criar peças de mobiliário mais ecológicas, Princípios japoneses: design e recursos apresenta a Cabbage Chair (ou cadeira repolho, em tradução livre) criada pelo estúdio de design Nendo. Ela é produzida a partir do descarte do papel utilizado para a produção do tecido plissado que caracteriza a marca Issey Miyake.
Outro exemplo é o do arquiteto Shigeru Ban, com projetos de que utilizam tubos de papel para criar desde móveis, até estruturas maiores como casas. Na exposição, o público poderá ver CARTA bench, um banco sem encosto feito com tubos de papelão que pode ser perfeitamente utilizado em instalações públicas.
Já o projeto My football kit, realizado pela empresa Molten em parceria com o estúdio de design Nendo, busca popularizar o futebol entre as crianças e possibilitar o acesso ao esporte mesmo em regiões em que não é tão praticado. Em vez de uma bola convencional inflável de materiais plásticos e borracha, a proposta é uma estrutura de encaixes, feita com resina sintética à base de polipropileno reciclado e elastano, reaproveitando recursos que seriam descartados.
A reciclagem também é o ponto de partida do Shellmet, um capacete feito a partir dos resíduos de conchas marinhas gerados na produção de vieiras de Hokkaido. Pensando em soluções para o problema da contaminação do solo por esses resíduos, foi desenvolvido um novo material a partir dessas conchas, denominado ‘shellstic’, que combina o carbonato de cálcio extraído das conchas com plásticos reciclados.
No Japão, como uma forma de reuso de materiais que poderiam virar lixo, também existe uma tecnologia para produzir materiais de construção resistentes a partir de restos de comida. A Fabula, startup criada por pesquisadores da Universidade de Tóquio, vem trabalhando para a implementação social dessa tecnologia, que consiste em desidratar os alimentos, transformá-los em pó e modelá-los através da compressão térmica. A técnica gera materiais de diferentes resistências, texturas e aromas, que podem ser usados para inúmeros fins, dando aos resíduos novos propósitos e ciclos de vida.
Um dos materiais mais explorados pela humanidade, a madeira, também ganha um espaço dedicado na exposição a partir da visão de dois criadores de diferentes áreas. O artesão Takuya Tsutsumi e o shaper Rodrigo Matsuda desenvolvem pranchas de surf e skates a partir da madeira de árvores que tiveram suas cascas danificadas por ursos, perdendo seu valor original e sendo vendidas a preços baixos ou até descartadas. As pranchas de surfe e de skate que serão expostas na JHSP são revestidas com urushi, laca japonesa extraída a partir da árvore homônima, para torná-las hidrofóbicas e impermeáveis. Ao combinar o urushi e madeira kumahagi (madeiras danificadas por ursos), o produto traz reflexões sobre os ciclos que envolvem a natureza, os animais e as atividades humanas.
Por fim, as características marcantes dos troncos com a madeira mosqueados da árvore Mpingo ganham destaque no clarinete da série Designed by Nature Clarinet, da Yamaha. O modelo Kintsugi exibido na JHSP é um exemplar da utilização de madeiras que não seriam aproveitadas para a produção tradicional de diversos instrumentos musicais. A partir do kintsugi, técnica que originalmente aplica pó de ouro para colar ou consertar cerâmicas, essa madeira não apenas dá a cada clarinete uma aparência única, mas também um som particular.
Para ressaltar a lógica da mostra, a JHSP convidou o escritório de arquitetura Raddar, dirigido pela arquiteta Sol Camacho, para assinar a expografia, incorporando o espírito da sustentabilidade no mobiliário e cenografia, que serão revestidos com papel moeda reciclado, feito no Brasil. Ao longo de todo o período expositivo, a JHSP ainda promoverá palestras, seminários, artigos e oficinas, convidando os participantes a explorar temas ligados à sustentabilidade, reuso de materiais e propostas alinhadas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, assim como os projetos apresentados em Princípios japoneses: design e recursos.
Serviço:
Exposição Princípios japoneses: design e recursos
Período: 3 de dezembro de 2024 a 4 de maio de 2025
Local: Japan House São Paulo, andar térreo – Av. Paulista, 52 – São Paulo/SP
Horário de funcionamento: terça a sexta, das 10h às 18h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 19h
Entrada gratuita – reservas online antecipadas (opcionais) no site.
(Com Raisa Scandoveri/Suporte Comunicação)