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Pesquisa da Unesp analisa percepções de moradores sobre presença de aves em cidades de São Paulo e Minas Gerais

Bauru, por Kleber Patricio

Bem-te-vi fotografado em Bauru. Crédito: @gabriela.rosa.photos.

Quem olha atentamente para o céu de Bauru pode ter a sorte de, nem que seja por alguns segundos, flagrar um belo desfile de cores, plasmadas nas muitas espécies de pássaros que compartilham a cidade com as pessoas. Entre estes moradores ilustres estão o puvi, que ostenta uma elegante plumagem azul e amarela, o periquito-de-encontro-amarelo, em cujas asas faísca uma faixa amarelo-ouro, e o pica-pau-de-banda-branca — que, apesar do nome, chama a atenção pela bela penugem vermelha que traz na cabeça. Mas quem, no cotidiano das grandes cidades brasileiras, efetivamente estabelece algum contato com essa fauna colorida, e é capaz de identificá-la por sua aparência ou por seu canto? E será que veem a convivência entre homens e aves no espaço urbano como algo necessariamente positivo, ou só em alguns casos?

Essas foram algumas das perguntas que guiaram a pesquisa de doutorado da ecóloga Gabriela Rosa no Programa de Pós-graduação em Ecologia, Evolução e Biodiversidade do Instituto de Biociências da Unesp, campus de Rio Claro. Além de graduada em ecologia pela Unesp, ela fez durante a graduação um estágio em planejamento e gestão de paisagens agro territoriais pela Universidade de Bolonha, Itália, e mestrado em arquitetura e planejamento paisagístico. Essa trajetória lhe proporcionou uma perspectiva diferenciada no estudo das relações entre o ser humano e a fauna em ambientes urbanos.

A região Neotropical, onde está localizado o Brasil, apresenta uma grande diversidade de aves. As duas cidades que foram objeto da pesquisa, Bauru e Belo Horizonte, estão situadas na região de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado e, juntas, abrigam um pouco mais de 300 espécies. E, mais do que apenas dividir o espaço com os humanos, estas espécies desempenham importantes serviços para o bom funcionamento dos ecossistemas urbanos, incluindo dispersão de sementes, polinização de plantas, controle de pestes, insetos e de outros animais e prevenção de algumas doenças. As contribuições, no entanto, não são óbvias para todos, talvez nem para a maioria. Daí o valor estratégico de avaliar a percepção e os sentimentos que o contato com os animais suscita entre os moradores de ambas as localidades.  Os resultados foram publicados no artigo Human perception of birds in two brazilian cities, publicado na revista Birds.

Por meio de observação controlada, a pesquisadora listou as 15 espécies cujo avistamento é mais frequente nas cidades, uma lista que incluiu o bem-te-vi (Pitangus sulphuratus), a maritaca (Psittacara leucophtalmus), a pomba-avoante (Zenaida auriculata), a pomba-doméstica (Columba livia), e a rolinha-roxa (Columbina talpacoti). A seguir, conduziu 235 entrevistas com moradores por meio de uma série de perguntas, disponibilizadas em um questionário online que desafiava os moradores a identificar a aparência e o canto das principais aves que vivem nesses locais. Também foi utilizada uma escala para avaliar o grau de concordância com afirmações sobre o papel dos pássaros em processos ecológicos.

A maioria dos entrevistados reconheceu a importância dos serviços ambientais prestados pelas aves. Em Bauru, 91,1% das pessoas consideram fundamental o papel das aves na dispersão de sementes, enquanto em Belo Horizonte esse número é de 94,3%. Em relação ao papel na polinização das plantas, Belo Horizonte lidera novamente, com 86,2%, em comparação aos 77,7% de Bauru. E por fim, mais de 80% da população de ambas as cidades reconhece a ajuda prestada pelos pássaros no controle de pragas, insetos e outros animais. As aves mais reconhecidas foram o pardal-doméstico, o bem-te-vi e a pomba-doméstica.

Quanto ao canto das aves, a maioria dos entrevistados relatou já ter ouvido pelo menos algumas das aves mais frequentes apresentadas no questionário. Em ambas as cidades, o bem-te-vi foi a espécie de ave mais ouvida. No entanto, em comparação com outros dados coletados, a performance neste quesito teve resultados mais baixos. Os pesquisadores questionam se a diferença pode ser causada pela alta poluição sonora que marca as grandes cidades ou ao estilo de vida agitado, que termina por reduzir nossa capacidade para perceber o ambiente de forma multissensorial. Ou seja, nas cidades, o reconhecimento se daria mais por meio visual do que auditivo.

A grande variedade de espécies que habitam as duas cidades também não chama a atenção dos moradores. Em Bauru, 47,3% dos entrevistados acreditam que menos de 25% das espécies de aves que habitam a região poderiam viver também em áreas urbanas. Em Belo Horizonte esse número é de 30,9%. No entanto, os registros coletados pelos especialistas mostram que 36% das espécies em Bauru e 41,24% em Belo Horizonte são encontradas em áreas urbanas, revelando uma baixa consciência popular a respeito da distribuição das aves.

Nas duas cidades, o mapeamento de sentimentos sobre os pássaros revelou um resultado positivo. As palavras mais frequentemente citadas, como admiração, felicidade e beleza, predominam entre os sentimentos favoráveis.  Porém, também houve um número expressivo de respostas afirmando que os animais podem causar danos. “Aves como o pombo-doméstico são relacionados a sentimentos ruins, como desgosto e doenças”, comenta João Carlos Pena, coautor do artigo e colaborador da pesquisa.

“A maioria das pessoas associa pombos a doenças, sujeira e lixo”, diz Rosa. “Isso não está totalmente errado, mas é importante entender que os pombos só transmitem doenças porque os humanos deixam sujeira em locais inadequados”, avalia. Ela enfatiza que é o manejo inadequado dos resíduos por parte das pessoas que resulta em um ambiente propício para a transmissão de doenças. “Por meio da pesquisa, podemos mostrar qual é o verdadeiro problema e a melhor forma de abordá-lo”, diz.

O Brasil é o segundo país com maior biodiversidade de aves do mundo, mas ainda são poucos os estudos sob esta perspectiva conduzidos em todo o Hemisfério Sul. O orientador do trabalho, o ecólogo Milton Ribeiro, docente do Instituto de Biociências, destaca o caráter pioneiro do levantamento e as portas que ele pode começar a abrir. “Gerar conhecimentos sobre como os cidadãos percebem a biodiversidade urbana é essencial para que sejam desenhadas estratégias para o planejamento de ambientes onde a população humana e a fauna possam interagir, garantindo um melhor suporte para a conservação da biodiversidade nas cidades”, diz. Rosa afirma que há planos para realizar este levantamento em outras regiões. “Nossa pesquisa mostrou que muitas pessoas já reconhecem a importância das aves. Mesmo assim, há quem não perceba sua presença ou nem saiba que há muitas aves vivendo nas áreas urbanas”, diz.

Segundo a pesquisadora, uma das propostas desta linha de investigação é reaproximar as pessoas da natureza, criando um vínculo para que se conectem mais com os problemas ambientais. “Precisamos entender o que os humanos pensam e como percebem as aves para identificar possíveis possibilidades de ação. Esse entendimento pode orientar políticas públicas voltadas para a conservação. O principal desafio é sensibilizar a população sobre a importância da biodiversidade”, encerra.

(Fonte: Unesp)