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Pesquisadora da Unesp colabora com estudo internacional inédito que mapeou mudanças em ecossistemas campestres ao longo de quase 40 anos

São Paulo, por Kleber Patricio

Ema passeando na área de pesquisa no cerrado brasileiro, em Três Lagoas (MS). Foto: Lucíola Santos Lannes.

Quando se pensa em ambientes com rica biodiversidade, o mais comum é que venham à mente imagens exuberantes de florestas tropicais úmidas. O Brasil abriga dois exemplos celebrados mundialmente: a Amazônia, que abriga cerca de 10 mil espécies de árvores, e a Mata Atlântica, em que podem ser encontradas cerca de 140 diferentes espécies arbóreas compartilhando uma área relativamente pequena, pouco maior do que um campo de futebol. Porém, outra fonte importante de biodiversidade são as chamadas áreas campestres. Estudos chegaram a apontar que a biodiversidade presente nesses espaços é comparável àquela encontrada nas florestas tropicais e, em áreas menores do que 50 m², ela chega a apresentar uma maior variedade de espécies de plantas do que ambientes florestados.

As áreas campestres estão em todos os continentes, com exceção da Antártica. Elas cobrem cerca de 40% de toda as terras emersas globais e recebem muitos nomes, incluindo pradarias, pampas, estepes e savanas. Apesar de sua presença marcante, porém, as áreas campestres ainda são objeto de poucas pesquisas, o que prejudica diretamente a adoção de iniciativas e políticas públicas para a sua preservação. Segundo um estudo publicado em fevereiro deste ano pela Grasslands, Rangelands, Savannahs and Shrublands (GRaSS) Alliance, esses ecossistemas estão entre os menos protegidos globalmente ao mesmo tempo que mais da metade das áreas campestres sofreram com degradação dos seus espaços.

Em um esforço para compreender um pouco mais sobre esses ambientes, um grupo internacional de pesquisadores ligados à NutNet (Nutrient Network), uma rede global com foco em análises de áreas campestres, publicou um estudo analisando as variações desses ecossistemas nos seis continentes, ao longo de quase 40 anos. Intitulada Widening global variability in grassland biomass since the 1980s, a pesquisa foi publicada na revista científica Nature Ecology & Evolution, do grupo Nature, e contou com a colaboração da docente Lucíola Santos Lannes, da Faculdade de Engenharia da Unesp, campus de Ilha Solteira. Combinando análises de imagens de satélite e pesquisas de campo, o grupo pôde constatar que, enquanto regiões mais úmidas e quentes tiveram um aumento da biomassa das áreas campestres, locais secos e com menor biodiversidade apresentaram uma diminuição dessas áreas.

A biomassa é tudo o que conseguimos ver

Crédito da imagem: Equipe de arte da ACI – Unesp.

De maneira geral, a biomassa vegetal de um ecossistema nada mais é do que a quantidade de plantas vivas presentes em uma determinada área. “Quando a planta recebe luz solar, produz fotoassimilados, como açúcares e outros componentes. Uma parte desse material é utilizada para as funções metabólicas e para a respiração, e outra é usada no crescimento da planta. A biomassa é a parte que cresce, a parte que nós conseguimos ver”, explica a bióloga.

Pela identificação dos padrões da biomassa os pesquisadores podem perceber de que maneira um ecossistema experimentou crescimento ou diminuição e também estimar a duração da temporada do crescimento da vegetação, desde seu nascimento até a morte. Analisadas em conjunto com outros dados, como a variação de temperatura ou de chuvas, por exemplo, as informações sobre as variações da biomassa indicam tendências de desenvolvimento dos ecossistemas e apontam variações que podem ser utilizadas na elaboração de políticas públicas de preservação e restauração.

Na pesquisa, o grupo utilizou imagens de satélite para observar as alterações na biomassa de 84 regiões diferentes do planeta coletadas entre 1984 e 2020. Para medir as alterações que ocorreram no período, foi empregado um índice de vegetação chamado NDVI, sigla para Normalized Difference Vegetation Index, ou Índice de Vegetação por Diferença Normalizada, em português. Esse indicador é utilizado em observações via sensoriamento remoto que medem a quantidade, saúde e vigor da vegetação em uma determinada área. Basicamente, o NDVI funciona como um ‘termômetro’ da vegetação, indicando quão viva ela está a partir de cores de luz que as plantas refletem. Quando a planta está saudável, ela reflete muito infravermelho e pouco vermelho, informação que é identificada pelo NDVI para gerar uma pontuação: quanto mais alto o número, mais viva a planta está e, quando a área não tem vegetação ou a vegetação está morrendo, o número é baixo ou mesmo negativo.

Para complementar as análises feitas a partir das imagens geradas via satélite, equipes de pesquisadores espalhadas pelas 84 áreas estudadas em todo o planeta conduziram estudos de campo com o objetivo de garantir a precisão obtida pelo NDVI. “O trabalho de campo consiste em selecionar uma parcela da área estudada, cortar a biomassa e deixá-la secando no laboratório. Com a biomassa seca, nós fazemos uma pesagem e podemos identificar, por exemplo, que a biomassa de uma área é de 900 gramas por metro quadrado”, explica Lannes. Entre 2007 e 2020 o grupo realizou uma coleta anual em cada uma das regiões, comparando os resultados do campo com os obtidos pelo NDVI. Isso funcionou como uma garantia de que aquilo que era observado no satélite estava, de fato, acontecendo na terra.

Os resultados revelaram que as áreas campestres sofreram variações no mundo inteiro e chegando a índices bastante expressivos, indo de um aumento de biomassa em até 51% em alguns lugares a um decréscimo de 34% em outros. As regiões com maiores aumentos de biomassa incluem o Ártico, noroeste do Pacífico e Europa Ocidental, enquanto áreas áridas na Austrália, Argentina e Califórnia apresentaram maiores declínios.

Embora a constatação de que o crescimento expressivo da biomassa possa parecer, inicialmente, uma boa notícia, Lannes destaca que, do ponto de vista do equilíbrio ecológico, não é necessariamente uma variação desejável. “A gente quer que a biomassa permaneça estável, não que aumente ou diminua”, diz a bióloga. Ela enfatiza que é preciso estar atento, também, aos motivos ensejando alterações. Esse é o tema de uma pesquisa que ela conduz. “A diminuição geralmente ocorre por conta da degradação ambiental. Por outro lado, o aumento da biomassa em áreas campestres não costuma ocorrer na forma de expansão da vegetação nativa e, sim, por meio da sua substituição por vegetação cultivada. Em geral, são grandes monoculturas, como soja e milho. Isso não é algo desejável porque diminui a biodiversidade do ecossistema.”

O ecossistema depende da biodiversidade

Savana africana, em Serengeti, na Tanzania. O local é considerado uma
das áreas campestres mais biodiversas no mundo. Foto: NutNet.

“A biomassa é um dos principais componentes para a sobrevivência dos ecossistemas e para diversos processos ecológicos que ocorrem no planeta”, diz Lannes. Entre as diversas funções associadas está a ciclagem de nutrientes. Neste ciclo, a morte das plantas gera a queda das suas folhas que se depositam no solo e começam a se decompor. Isso resulta na liberação dos nutrientes que, até então, estavam contidos dentro delas, e serviam aos processos internos de respiração e crescimento. Estes nutrientes nutrem o solo, preparando o espaço para uma nova temporada de crescimento.

Outro papel importante desempenhado pela biomassa é sua ação na captura do gás carbônico, um dos principais gases de efeito estufa. Isso ocorre naturalmente durante o processo de fotossíntese das plantas, quando elas absorvem o dióxido de carbono (CO2) da atmosfera e liberam oxigênio. Estima-se que as áreas campestres armazenem aproximadamente um terço dos estoques globais de carbono terrestre, o que faz desses ecossistemas importantes aliados na regulação e na mitigação das mudanças climáticas.

Para que possam cumprir de forma adequada essas e outras funções, entretanto, é essencial que essas áreas preservem sua biodiversidade, uma vez que esse fator será responsável por permitir que o ecossistema se desenvolva de maneira saudável, em especial por meio de um processo ecológico conhecido como ‘facilitação’. A facilitação ocorre quando características específicas de determinadas espécies permitem e favorecem o crescimento de outras. “Plantas com raízes profundas conseguem captar água em camadas subterrâneas e trazê-la à superfície. As gramíneas, com raízes curtas, podem então aproveitar essa água para facilitar seu crescimento. Além disso, elas produzem uma enzima chamada fosfatase, que libera fósforo no solo, permitindo que outras plantas se beneficiem desse nutriente para o próprio desenvolvimento”, explica.

A genética de cada espécie irá permitir que ela realize processos específicos, seja a captura de água, a liberação de enzimas, a fixação de nitrogênio ou algum outro. Por isso, explica Lannes, um sistema que seja biodiverso se mostrará mais resiliente às alterações climáticas. Essa resiliência permitirá que ele desempenhe funções que são aproveitadas também por atividades humanas – como no caso do sequestro de carbono ou da fixação de nutrientes no solo, que propiciam boas condições para a agricultura. Porém, quando a área é ocupada por monoculturas, o quadro é diferente. Uma vez que todas as plantas neste caso apresentam as mesmas características, elas competem pelos mesmos recursos. O resultado é um ambiente mais vulnerável, como um todo, a pragas, doenças e condições climáticas.

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(Fonte: Assessoria de imprensa da Unesp)