A construção histórica do racismo no Brasil interfere em diversas áreas de nossa sociedade, incluindo o padrão de mortalidade. Um recente estudo apontou que dos 2.137 óbitos notificados como acidentes de trabalho, no período de 2000 a 2019, no estado da Bahia, 84,9% envolveram trabalhadores negros. O artigo, desenvolvido por cientistas da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) em parceria com a Universidade Federal de Recôncavo da Bahia (UFRB), está publicado na edição desta sexta (22) na “Revista Brasileira de Saúde Ocupacional”.
A pesquisa também apontou dados sobre a tendência temporal das Taxas de Anos Potenciais de Vida Perdidos (TAPVP), que considera o tempo de vida perdido resultante do óbito. A taxa entre os trabalhadores negros é quase três vezes maior que a dos trabalhadores brancos. Na somatória, a pesquisa indica que, durante o período analisado, foram perdidos 64 mil anos potenciais de vida. O TAPVP leva em consideração quantos anos a pessoa poderia ter vivido, ou seja, quanto mais jovem, maior a perda. Os resultados da pesquisa, quando analisados ano após ano, apontaram para uma tendência estacionária. “A perda potencial de vida em decorrência dos acidentes de trabalho estão diminuindo ou estacionando. Porém, essa tendência nas taxas iniciou mais cedo na população branca”, conclui Felipe Dreger Nery, da UEFS, autor responsável pelo estudo. Os resultados da pesquisa também demonstram que os trabalhadores negros morrem mais cedo por acidentes de trabalho quando comparado com os trabalhadores brancos.
Os dados analisados pelos pesquisadores são provenientes da plataforma Datasus, um serviço de informática do Governo Federal que disponibiliza informações de acesso livre sobre a saúde no Brasil. De acordo com Nery, as declarações de óbito foram analisadas em suas variáveis. “Acessamos todas as declarações de óbito de 2000 a 2019 que foram emitidas no estado da Bahia e obtivemos as variáveis para o estudo”, explica o pesquisador. O nome dos falecidos é ocultado nas declarações de óbitos disponíveis no Datasus.
O estudo apontou a importância do preenchimento correto da declaração de óbito por parte dos médicos. “Possuímos um problema grave de subnotificação no Brasil. Quando alguém morre por acidente, idealmente devia ser investigado se trata ou não de um acidente de trabalho, para então ser preenchido o campo específico para isso na declaração de óbito. Nas declarações analisadas, apenas 25% tinha essa informação”, explica Nery. De acordo com o cientista, é possível que o número de óbitos por acidente de trabalho durante o período analisado seja muito maior, inclusive por conta dos trabalhadores informais. “Sem o preenchimento correto da declaração de óbito não temos como conhecer a realidade e não é possível criar políticas públicas voltadas para atender à população trabalhadora e dessa forma, manter as pessoas mais tempo na atividade laboral, contribuindo para a sociedade como um todo”.
(Fonte: Agência Bori)