* Por Ana Beatriz Prudente Alckmin — Hoje, fala-se muito sobre sustentabilidade e a incorporação do ESG nas instituições. Como ambientalista e pedagoga, percebo que o nosso diálogo tem avançado com os adultos. Apesar de a maioria chegar à fase adulta sem qualquer letramento sobre a questão ambiental e sobre a crise climática, eles são obrigados a se apropriar do tema rapidamente por motivos profissionais e/ou acadêmicos. Mas o que aconteceu na infância dessas pessoas que fez com que esse tema não fosse bem trabalhado?
A implementação da educação ambiental nas escolas tem sido um desafio muito grande porque há um desinteresse dos estudantes em relação ao tema. Observe que, entre os influencers famosos voltados para os jovens, crianças e adolescentes brasileiros, quase nenhum tem a pauta ambiental como prioridade. Por outro lado, há um problema na formação dos professores, o que faz com que muitos profissionais da educação tenham dificuldades de abordar as questões da crise climática em sala de aula. Ao mesmo tempo, esse jovem brasileiro consome conteúdos relacionados com as questões ambientais nas mídias tradicionais, como, por exemplo, telejornais. Então, ele tem algum contato com o tema, mas ainda sem grandes afinidades.
É importante esclarecer que esse é um cenário genuinamente brasileiro, porque, em outros países do mundo, adolescentes e jovens lideram as pautas climáticas, como, por exemplo, Suécia, Finlândia, África do Sul e outros. Todavia, dentro do ambiente escolar brasileiro, esse contato ainda deixa muito a desejar. O sistema educacional já está acostumado com as disciplinas de geografia e biologia, que vão tratar de fauna e flora, além de outras questões. Mas raramente observamos nos projetos pedagógicos o diálogo efetivo entre o ensino de biologia e geografia com as pautas ambientais. Esse elo ainda não está fortalecido como deveria.
E, curiosamente, quando a sociedade trata das questões ambientais no âmbito educacional, esse elo não é feito. Há uma impercepção da biologia e geografia ao tratar da educação ambiental, em especial a impercepção da botânica. E essa impercepção transborda a sala de aula; ela também chega na relação da academia com a imprensa. Se você ligar em qualquer canal de notícias no Brasil, terão muitas notícias que envolvem pautas ambientais: os incêndios no Pantanal, as enchentes no Rio Grande do Sul, as alterações constantes de temperatura por todo o país. Mas quase nenhuma visibilidade é dada para as pesquisas que vêm sendo feitas nas universidades públicas nas áreas de ciências biológicas e geografia. Então, mesmo quando há um tema que está intrinsecamente ligado a uma área que produz muitas pesquisas na academia, essas pesquisas tendem a não ter a visibilidade que deveriam. E isso é um problema histórico da relação das universidades tradicionais com a imprensa.
Muitas vezes, os pesquisadores tratam essa relação com a imprensa com certa desconfiança. E aqueles que ousam levar o conteúdo acadêmico para as mídias, que levam as suas pesquisas para os veículos de imprensa, que se dispõem a fazer esse movimento, muitas vezes são vistos com desconfiança pelos seus pares. Então, precisamos, em algum momento, debater essa relação entre pesquisadores e imprensa para que haja uma maior visibilidade das pesquisas nas mídias populares como televisão e rádio, principalmente porque o cenário de urgência climática pede essa relação.
Se eu, como pedagoga, e outros colegas estamos percebendo que há dificuldades na implementação da educação ambiental na educação básica e que isso, de alguma forma, está conectado com a impercepção da geografia e da biologia dentro da educação ambiental, em especial a impercepção da botânica, então essa discussão precisa começar pela impercepção da botânica. Porque há uma cegueira ao tratarmos da crise ambiental da botânica, uma vez que a botânica compõe a disciplina de biologia na educação dos adolescentes brasileiros. Onde mora a raiz dessa impercepção botânica?
Apesar do interesse prático das pessoas em cuidar de plantas e hortas, o desinteresse pela disciplina de botânica pode ser atribuído a vários fatores. O mesmo acontece com a citologia (ramo da biologia que estuda a célula e suas funções). Primeiro, esses campos são muitas vezes vistos como excessivamente acadêmicos, com terminologias e imagens que não fazem parte do cotidiano das pessoas, o que resulta em uma falta de motivação para o estudo. Quando os professores introduzem essas matérias com uma abordagem complexa desde o início, a dificuldade aumenta, afastando ainda mais os alunos.
Há também uma base neurofisiológica para essa falta de interesse. Estudos indicam que menos de 1% das informações processadas pelo cérebro humano estão relacionadas a estímulos que não envolvem movimento ou perigo imediato. Plantas, presentes constantemente no nosso dia a dia, geralmente não se movem, não captam nossa atenção da mesma forma que animais, por exemplo. Esse fenômeno, conhecido como ‘cegueira botânica’, pode explicar por que muitas pessoas não se interessam por aprender sobre plantas, mesmo que estas estejam constantemente presentes em suas vidas.
Além disso, o ciclo de ensino contribui para a perpetuação desse desinteresse. Professores que aprenderam botânica de maneira desmotivadora tendem a transmitir esse desinteresse para seus alunos. No entanto, é essencial reconhecer a importância das plantas para o equilíbrio ecológico, para a alimentação e para o desenvolvimento de medicamentos. Métodos de ensino mais práticos e estimulantes, como atividades de campo e laboratoriais, podem ajudar a quebrar esse ciclo e aumentar o interesse pela botânica, destacando sua relevância prática e científica.
A botânica desempenha um papel muito importante na compreensão do meio ambiente e no desenvolvimento de soluções para problemas contemporâneos. Plantas são essenciais para a produção de alimentos, remédios e para a manutenção dos ecossistemas. A falta de conhecimento sobre as espécies vegetais e seus processos biológicos, como a polinização e a dispersão de sementes, pode levar a consequências negativas para a biodiversidade e para a saúde humana. Por isso, é fundamental promover um ensino de botânica que seja mais conectado com a vida cotidiana e que ressalte sua importância para a sociedade.
Além das discussões teóricas, temos exemplos práticos que ilustram a importância da botânica no cotidiano e na educação. Por exemplo, é essencial reconhecer plantas venenosas, entender a montagem de um jardim ou uma horta vertical e saber plantar corretamente alimentos como cenouras. É importante reconhecer a importância das plantas na produção de vacinas e medicamentos para doenças como câncer, epilepsia e depressão. Essas aplicações práticas mostram como o conhecimento botânico é fundamental para a saúde e bem-estar humanos, pois, ao abordar a botânica de maneira mais prática e contextualizada, indo diretamente a campo e também tendo mais atividades laboratoriais, podemos aumentar a compreensão e a valorização das plantas, assegurando que futuras gerações reconheçam e preservem a biodiversidade vegetal essencial para a nossa sobrevivência e bem-estar.
Estive na II Jornada Rio/São Paulo de Botânica. Na ocasião, dividi com os meus pares um pouco sobre uma pesquisa que estou desenvolvendo, ainda em fase inicial, sobre inteligência artificial no ensino de botânica. Apresentei meu pôster para ser confrontada pelos meus pares. E foi uma experiência maravilhosa de troca com estudiosos das mais diversas áreas que fazem a interface com a botânica ou que são propriamente botânicos. Na ocasião, tive a oportunidade de interpelar alguns dos meus colegas sobre a percepção da botânica na educação e na sociedade. Conversei com Douglas Santos, doutorando do Instituto de Pesquisas Ambientais da USP, que trabalha com taxonomia de briófitas. Sobre o tema, disse Douglas: “Eu acho que sim, está em ascensão, está crescendo bastante, mas ainda outras áreas acabam se sobrepondo, até por causa dos animais, todo esse contato que a gente tem com os pets desde pequenos. As plantas-meio que ficam em segundo plano. Mas eu acho que tudo isso que está acontecendo, as mudanças climáticas que a gente vê no nosso cotidiano, estão trazendo as pessoas para se importarem um pouquinho mais e as plantas são fundamentais para isso, né? Então eu acho que popularizar a botânica desde cedo ajuda a gente a ter uma educação ambiental mais completa, né?”.
* Ana Beatriz Prudente Alckmin é ambientalista, entusiasta do empreendedorismo feminino e pedagoga pela USP, pesquisadora no Instituto de Biociências da USP no grupo de pesquisa BOTED.
(Fonte: Rural Press)